A proliferação dos espaços onde se escreve, se lê, se fala e se ouve cultura
Somos testemunhas e protagonistas de uma era na qual todos os nossos referenciais tecnológicos e de disseminação de conhecimento são modificados em intervalos cada vez menos espaçados. Há duas décadas, tecnologia de vanguarda era sinônimo de disquetes de 3 e 1/2 polegadas e videogames de 8 bits como o Master System. Atualmente, não passam de itens empoeirados do que Cazuza descreveu, em uma música composta em 1988, como “museu de grandes novidades”. Que teve seu catálogo multiplicado, ao longo dos últimos vinte anos, por itens como laser discs, pagers e tamagotchis. Chega a soar quase inverossímil lembrar que o mercado ainda oferecia para venda computadores como o TK-85, da Microdigital, cujos programas eram gravados em fitas cassete comuns.
Há 20 anos, mal tínhamos idéia de que um dia computadores de todo o mundo estariam interligados por uma única rede (a World Wide Web, sistema de hipertexto que possibilita a troca de textos, imagens e arquivos por meio de links, grande responsável pela popularização da internet, só foi criada pelos pesquisadores Tim Berners-Lee e Robert Cailliau em 1990). Hoje, documentamos tempos nos quais não dependemos somente da mídia tradicional para sabermos das últimas novidades. Temos blogs, aplicações peer-to-peer, comunidades no Orkut, sites de compartilhamento de vídeos como Dailymotion, de veiculação de músicas como o Imeem e de conteúdo colaborativo como o Overmundo, dentre as muitas opções à disposição de qualquer internauta. É a era dos prosumers, palavra cunhada por Alvin Toffler a partir de conceitos pensados por Marshall McLuhan e Barrington Nevitt na década de 70, utilizada para descrever os consumidores que também produzem conteúdo e são early-adopters das novas tecnologias. Continue Lendo
Se homenagear as mulheres neste dia 8 de março é sinônimo de presenteá-las com rosas murchas ou escrever textos dizendo que elas são as “pétalas do mundo” ou “jóias da raça”, só para citar duas expressões que li por aí, então incluam-me fora dessa. Do mesmo modo, se eu fosse do sexo feminino não me sentiria muito gratificada se me deparasse com sentenças como “mulheres são demais, porque como bem disse o grande poeta Milton Nascimento (sic), todas elas possuem a estranha mania de ter fé na vida”, “amo as mulheres, afinal de contas vim de uma”, “nada se compara à jornada e à grandeza dos seres femininos” ou “quero que uma mulher ganhe o Big Brother”. A impressão que tenho é de que o dia de hoje tornou-se álibi para que projetos de poetas libertem-se de seus superegos a fim de trilhar convictamente a estrada dos clichês. E, como todos sabem, boas intenções tornam o caminho para o inferno mais congestionado do que estradas para o litoral em feriados prolongados.
Para a felicidade geral da nação, resta o consolo de saber que não somos obrigados a aturar tais retóricas infames durante toda a expressionante quantidade de efemérides dedicadas à temática feminina. Eis alguns exemplos de datas dedicadas à Mulher, que encontrei em poraí:
24 de fevereiro - Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil
30 de abril - Dia Nacional da Mulher
28 de maio - Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher e Dia de Combate à Mortalidade Materna
21 de junho - Dia Nacional de Proteção ao Direito de Amamentar e Dia Internacional da Educação Não-Sexista
25 de julho - Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
29 de agosto - Dia da Visibilidade Lésbica
6 de setembro - Dia Internacional de Ação pela Igualdade da Mulher
7 de setembro - Dia dos Direitos Cívicos das Mulheres
8 de setembro - Dia dos Direitos Cidadãos das Mulheres
23 de setembro - Dia Internacional Contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças
28 de setembro - Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe
10 de outubro - Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher
11 de outubro - Dia Internacional da Mulher Indígena
15 de outubro - Dia Mundial da Mulher Rural
25 de novembro - Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher
Sem dúvida nenhuma concordo com a total relevância de várias das causas defendidas. Afinal de contas, aos que defendem a falácia de que homens e mulheres já convivem em igualdade de condições, resgato uma frase que encontrei no blog da Marina W., que como de praxe manda bem ao citar Mariza Tavares, diretora nacional de Jornalismo da rádio CBN: “Só acredito em direitos iguais no dia em que mulheres medíocres também ocuparem grandes cargos em empresas”. Mas questiono: será que toda essa profusão banalizada de datas politicamente corretas não acabará por levar entidades feministas a proporem celebrações como o Dia de Proteção às Anãs Albinas, o Dia Internacional de Proteção ao Direito de Discutir a Relação ou o Dia Mundial de Luta Contra as Piadas de Loiras?
Posso até estar errado ao estranhar a existência de tantas efemérides, mas encaro-as com a mesma perplexidade que nutriria se me dissessem que alguma Câmara de Vereadores institucionalizou o Dia do Orgulho Heterossexual, o Dia Nacional dos Blogueiros ou o Dia dos Jornalistas de Origem Nipônica. Todas essas datas me fizeram lembrar da inusitada Associação dos Maridos Devotados do Japão, que instituiu o Dia da Esposa Amada no dia 31 de janeiro, data na qual seus membros promovem o comovente esforço de chegarem em casa às 20 horas, a fim de jantar com suas famílias e dizer às suas respectivas patroas o quanto eles gostam delas por tudo que suas companheiras fazem para eles próprios. Pfuf! De boas intenções…
Jamais esquecerei da história de Milene Modesto, 28, estudante de pós-graduação em Ciências Sociais da USP.
Às 23h40 do dia 22 de outubro de 1999, Milene acabara de sair de seu trabalho, na Avenida Paulista, quando foi atingida por uma peça de guindaste que despencou do 25º andar de um edifício em obras. Um acidente infame, inaceitável, absurdo.
Se Milene tivesse parado em uma banca de jornais para comprar um chiclete, teria escapado do acidente. Se sua mãe tivesse telefonado e pedido para que comprasse pães antes de voltar para casa, teria escapado do acidente. Se os passos de Milene fossem mais apressados, ou mais pausados, ela poderia estar viva até hoje, quem sabe escrevendo em um blog.
Tudo na vida é uma questão de timing. Do alimento um dia fora de prazo de validade ao reencontro de velhos amigos em um elevador que quase fecha suas portas; do milésimo de segundo que decide um campeonato de atletismo ao fracassado compositor cujas músicas eram avançadas demais para a sua época; do site que seria um sucesso financeiro caso tivesse surgido antes do estouro da bolha aos quadros que Van Gogh não vendeu em vida.
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Acordo às seis e quinze da madrugada com o rádio-relógio berrando em meus ouvidos. Enquanto tomo café, tenho uma idéia genial para um texto. Contudo, preciso sair para uma reunião. Cinco horas depois, com os neurônios naturalmente distraídos, sobre o que mesmo iria escrever?
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A primeira coisa que noto no garoto postado à frente dos carros é a ausência de sapatos em seus pés. Depois, as indefectíveis bolas de tênis em suas mãos. Pergunto-me: quem teria sido o primeiro pedinte a fazer malabarismos com bolas em uma esquina? Ah, se ele pudesse cobrar royalties pela idéia que criou… Mas enfim, tergiverso.
Percebe-se de cara que o garoto ainda peca pela inexperiência. De tão concentrado em jogar as bolas no espaço, esquece de coletar suas moedas. O som de uma buzina o arremete de volta ao planeta Terra: sinal verde, nenhuma esmola recebida. É o custo do aprendizado.
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Quando vi Monica Vitti entrando em cena no filme A Noite, de Michelangelo Antonioni, meu coração passou a bater em ritmo de Olodum. Pudera: sua presença magnética mesmerizou meus sentidos. Mas o filme é de 1961, e eu sou apenas um pobre cinéfilo latino-americano. Que pena que nossa fulminante paixão platônica jamais foi concretizada!
Ok, eu sei que poderíamos ter alguns problemas de comunicação. Afinal de contas, do italiano só sei balbuciar algumas frases como “tutti buona gente”, “porca puttana” e “dá-me um Cornetto”. Enfim, nada que a boa e velha linguagem corporal não resolvesse. Pena, no entanto, que acabamos nos desencontrando de gerações. Pelo mesmo motivo meus promissores relacionamentos com Louise Brooks e Hilda Hilst não deram certo…
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Simples assim: André se apaixonou por Dulce, e vice-versa. Mas Dulce era noiva de Marcos, e relutou em abandonar uma relação segura por conta de um impulso que poderia ser passageiro. Ficaram juntos duas, três vezes. Depois, pararam de se encontrar a pedido de Dulce, que não se sentia bem em trair seu noivo. André amargou alguns meses ouvindo Billie Holiday na penumbra de seu quarto, mas superou o baque.
Um ano depois, Dulce telefonou para André. O noivado havia sido rompido, ela não conseguira esquecê-lo durante esse tempo todo, etc etc. André também não esquecera de Dulce, mas aprendeu a conviver com sua ausência. Tanto que encontrou uma namorada, Bárbara, com quem vivia uma relação estável e feliz. Dulce quis marcar um encontro no Conjunto Nacional, lugar onde trocaram tantas palavras de paixão não-consumada. Por um instante André hesitou, perambulando na corda bamba da nostalgia. Mas acabou declinando do convite: não valia a pena buscar o pássaro voando.
Não era pra ser.
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P.S. 1: Escrevi este texto originalmente em 2003. Por sugestão de um amigo, que lembrou deste artigo ao ler meu post sobre Houve uma Vez um Verão, ei-lo republicado aqui. ;)
P.S. 2: Hoje Gustavo Kuerten, o maior de todos os nossos tenistas, anunciou que encerrará sua carreira neste ano. Saber a hora de parar também é uma questão de timing.
Domingo frio, nublado e chuvoso em Sampa City, daqueles que não animam a gente a sair de debaixo das cobertas, e no qual aviões e helicópteros deveriam evitar deixar o solo. Mas quando esta cidade monstrenga é fotografada por um cara como Henrique Manreza, da agência de fotografia e design Luci04, não é que São Paulo aparenta ser mais bela?
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Afirmou Constanza Pascolato: “A camiseta é uma tela em branco”. Digo mais: camisetas são como outdoors pessoais. Fáceis de serem customizadas, servem para que passemos mensagens que elucidam um pouco de nossas personalidades, para o bem e para o mal. Um exemplo negativo: o ex-presidente Fernando Collor, que, durante sua catastrófica passagem pelo Palácio do Planalto, usava em suas corridas matinais camisetas que estampavam frases marqueteiras. Alguns exemplos extraídos do Guia dos Curiosos: “Collor - Apoio ao Esporte”, “Roxo de Paixão Pelo Brasil”, “Deixe Meu Ozônio Livre” e “Não Fale em Crise, Trabalhe”. E assim, as camisetas, que antigamente eram vistas como sinônimo de rebeldia nos anos 50 e 60, foram melancolicamente apropriadas pelo establishment neoliberal.
Contudo, é bóbvio que um ex-presidente sozinho não seria capaz de conspurcar o fascínio das camisetas, e muito menos o seu aspecto mais bacana: a capacidade que elas possuem de deixar vislumbrar pistas do que somos, sentimos, pensamos. Este blogueiro nerd que vos escreve admite, por exemplo, que adorou as estampas encontradas neste link encontrado por Luiza Voll: top 11 camisetas geek.
Aproveitando o mote da última camiseta, que tal conferir um vídeo no qual um incauto usa um botão “digg me” que efetivamente funciona, e um site com um tutorial que ensina como instalar esse kit Digg em qualquer t-shirt?
Hoje de manhã, ainda imerso no típico estado de molesma que costuma atingir a gente em dias de feriado, zapeei a televisão e vi que o padre Marcelo Rossi estava celebrando uma espécie de “showmissa” no autódromo de Interlagos. Me despertou atenção a chamada do evento: “Show da Vida – Saudade Sim, Tristeza Não”. Concordo discordando desse mote.
Sim, neste dia de Finados reservo uma parte do dia para lembrar de meus amigos e parentes que morreram e que fazem falta por aqui. Recordo-os com carinho, resgatando os bons momentos que tive a sorte de compartilhar com eles. Porém, é mais do que natural ver pessoas que ainda sofrem pelas perdas que sofreram, e fico um tanto quanto incomodado com uma espécie de ditadura da felicidade que reina atualmente, fazendo com que seja socialmente desejável aparentarmos estar felizes, serelepes e “pra cima” o tempo todo. Continue Lendo
Hoje é o Dia de Todos os Santos. Em Portugal e em algumas cidades de Santa Catarina, nesta data as crianças saem à rua e, ao contrário da tradição de Halloween de perguntarem por travessuras ou gostosuras, juntam-se a fim de solicitar o que é conhecido como “pão-por-Deus” de porta em porta. Pão-por-Deus é um pedido, formulado na forma de versos e escrito em um papel acetinado recortado na forma de coração. Eis um exemplo de quadrinha deixada em um pão-por-Deus:
Lá vai meu coração
Por este mundo sem fim,
Pedindo um pão-por-Deus
Pra que não esqueças de mim”
Além das crianças (que, tal qual acontece no Dia das Bruxas, ganham doces e bolinhos de quem as recebe), pessoas também aproveitam os pães-por-Deus para mandar o equivalente ao “correio elegante” das festas juninas: mensagens de amor ou amizade devidamente endereçadas a quem lhes interessa. A origem dessa tradição é diretamente ligada ao Dia de Todos os Santos, criado pela Igreja Católica com o objetivo de homenagear numa mesma data todos aqueles que foram canonizados, uma vez que o número de santos é bem superior aos 365 dias do ano, e também aqueles que tiveram condutas exemplares durante sua “vida terrena”, em especial os cristãos martirizados por causa da sua fé. Nesta data, todos os santos intercederiam em favor dos pedidos e orações de seus fiéis. Continue Lendo
O vazamento do filme “Tropa de Elite”, o Radiohead dizendo que você pode pagar o quanto quiser (“it’s up to you”) para baixar o novo álbum deles, as discussões sobre a blogosfera realizadas pelos BarCamps e BlogCamps promovidos por todo o país, tudo está interligado a um novo cenário de mudanças que serão cada vez mais constantes daqui por diante.
Estes são tempos nos quais álbuns de canções já não precisam existir fisicamente. Mas será que a música e (principalmente) os artistas um dia independerão em definitivo de quaisquer suportes físicos, sejam eles CDs, vinis, fitas K-7 ou qualquer coisa que venham a inventar um dia desses? No excelente dossiê sobre música digital que Alexandre Matias e Marcelo Ferla escreveram para a Bizz (finada revista que, sinal dos tempos, só existe atualmente em formato de site) em novembro de 2006, o cantor Wado, que disponibiliza em sua página oficial todos os seus álbuns completos para download, afirmou: “CD é como uma festa de 15 anos, uma legitimação, um pedigree. Serve mais pelo status necessário para te levarem a sério. E no fim do show muita gente compra disco. Isto é um fato”. Continue Lendo
Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.