Nine
Por Alexandre Inagaki ≈ sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Bloqueio criativo. Eu, que por tantas vezes me vi diante de um papel em branco ou de um documento no Word, lutando para encontrar palavras represadamente encalacradas em algum lugar do meu cérebro, sou bem mais familiarizado do que gostaria com os sentimentos de angústia e frustração de alguém martirizado pelo writer’s block. E o problema nem é de falta de idéias; elas surgem aos borbotões. O grande drama, ao menos para mim, está em me organizar a fim de alinhar todos os impulsos criativos em fila indiana e explorar as possibilidades de cada idéia até o final, ao invés de abandoná-las após rascunhar um ou dois parágrafos e tweets e largá-las, como um amante que ejacula precocemente e não liga no dia seguinte. Mas enfim, tergiverso, tergiverso.
Nine, o novo filme de Rob Marshall, diretor de Chicago, é uma releitura de Oito e Meio, clássico de Federico Fellini cujo tema é metalinguístico até a medula: um cineasta em crise criativa e existencial que não sabe como começar seu próximo filme, mergulhado no impasse de um bloqueio criativo.
O papel do protagonista Guido Contini ficou com Daniel Day-Lewis, duas vezes premiado com o Oscar de melhor ator. Apesar de seu impressionante currículo, posso dizer sem titubear que nunca ele esteve tão bem acompanhado na tela: interpretando as mulheres de sua vida, estão atrizes do naipe de Nicole Kidman, Sophia Loren, Judi Dench, Penélope Cruz e Kate Hudson. Todas elas, porém, foram ofuscadas na tela por uma iluminada Marion Cotillard, em sua melhor performance desde Piaf - Um Hino ao Amor, filme que quase me deixou desidratado após me fazer chorar compulsivamente na cena final embalada por “Non, Je Ne Regrette Rien”. Os dois números musicais (“My Husband Makes Movies” e “Take It All”) protagonizados por Cotillard, que personifica a mulher traída do cineasta, além de mostrarem a bela voz da francesa, representam os momentos de maior impacto emocional em Nine.
Assisti a Nine de pé atrás, escolado pelas críticas negativas veiculadas pela imprensa americana. Entendo a reação: as comparações com a obra-prima de Fellini são inevitáveis, Daniel Day-Lewis canta mal (pecado significativo para o protagonista de um musical) e chega a irritar com seu falso sotaque italiano, e o filme tem duração excessiva, talvez pelo fato de ter que destinar cenas significativas a cada membro de seu elenco mega-boga-multiestrelado.
Saí da projeção do filme, no entanto, com uma boa impressão. Cinema é magia, é imersão em uma dimensão paralela, e Nine pertence à lavra de obras que levam seus espectadores a mergulharem em sons, imagens, cores e atuações que remetem à capacidade que a sétima arte possui de recriar o mundo (diga-se de passagem: algo que Bastardos Inglórios faz literalmente em seu engenhoso roteiro). De quebra, além da maravilhosa Cotillard, temos Kate Hudson e Fergie protagonizando belos números musicais. Mas Penélope Cruz, que interpreta a amante do cineasta, faz jus a um destaque especial. Tanto pela sensualidade de sua personagem como pela fala mais marcante de todo o filme: “Vou te esperar aqui. De pernas abertas”. O roteirista dos meus sonhos merecia demissão sumária por nunca ter sido capaz de imaginar Penélope balbuciando algo assim para mim.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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