Mastiguinhas, reminiscências e um atestado de sanidade mental
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 29 de janeiro de 2012
Uma das muitas utilidades da internet reside em provar aos outros que não perdemos a sanidade ainda, inventando coisas das quais ninguém se lembra mais. Antes dela, por exemplo, seria quase impossível provar para outras pessoas que houve tempos nos quais supermercados vendiam vitaminas coloridas que vinham num pote de vidro, com o nome de Mastiguinhas, que eram perigosamente deliciosas. A ponto de obrigar minha mãe a guardá-las no armário mais alto da cozinha, caso contrário seriam devoradas sem dó até a última pastilha.
Há alguns anos, porém, toda vez que eu falava nas Mastiguinhas, descrevendo-as como pastilhas coloridas que tinham um gosto levemente azedo, mas muito saboroso, com um cheiro bom que impregnava inclusive o algodão que as protegia dentro do pote de vidro, meus interlocutores me encaravam como se eu fosse um abilolado falando de uma realidade oriunda do mundo imaginário da minha cabeça.
Ninguém se lembrava delas, nem mesmo a minha mãe. Comecei a me sentir menos solitário (e menos alienígena) quando descobri uma comunidade no Orkut reunindo outros balzaquianos que ainda salivam ao lembrar delas. E, aos poucos, anúncios da época foram sendo compartilhados em blogs e fóruns, trazendo provas visuais de que as benditas de fato existiram. Quem diria: a internet, esta máquina de produzir doidos, acabou me fornecendo um atestado de sanidade mental neste caso.
Voltando às Mastiguinhas: as tais vitaminas eram tentadoramente saborosas. Porém, segundo as instruções do fabricante, cada criança só poderia tomar uma por dia, sabe-se lá por quê. Segundo a lenda urbana amplamente difundida na hora do recreio do colégio onde estudava, quem extrapolasse na dose diária ou morreria de overdose, ou viraria super-homem. Alertadas pela propaganda, nossas zelosas mães guardavam as Mastiguinhas em cima da geladeira ou no recanto mais inóspito da casa, para o desgosto geral de moleques que, feito eu, haviam ficado viciados por aquela droga em formato de cápsula colorida.
Quem me conhece pessoalmente já sabe que eu, desastrado por natureza, não tardaria a aprontar das minhas. Não preciso, pois, detalhar os pormenores do acidente que causei ao derrubar o precioso pote de vidro numa tentativa desastrosa de alcançá-lo do alto da prateleira de onde ficava me provocando. Eu devia ter uns sete anos de idade quando isso aconteceu; em conseqüência do ocorrido, minha mãe nunca mais comprou Mastiguinhas. Se tornar-se adulto é perder ilusões ao longo dos anos, posso dizer que esse episódio foi fundamental para a minha formação de nostálgico precoce. Entretanto, não devo ter sido o único a aprontar dessas. Há décadas a Johnson & Johnson deixou de fabricar as Mastiguinhas, e não posso deixar de imaginar que um dos motivos foram as queixas de mães cansadas de recolher cacos dos azulejos de suas cozinhas.
Dizem que nos Estados Unidos há um produto similar, as tais Chewable Vitamins, vendidas por lá com imagens de dinossauros ou personagens como os Flinstones na embalagem. Já as provei e, sinceramente, não chegaram aos pés do impacto de sabor que era apreciar a dissolução de uma pastilha de Mastiguinhas no céu da boca. Afinal, mais do que aquele peculiar sabor azedinho, havia a atração do proibido que fazia com que meus olhos brilhassem ao vislumbrar, do alto da mais distante prateleira da cozinha, aquele pote de vidro que reluzia sorrateiramente para mim.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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