Como Fazer Amigos e Influenciar Homens de Marte, Mulheres de Alpha Centauri e Chorões às Margens do Rio Piedra (ou: Seja Feliz e Ajuda-te a Ti Mesmo Sozinho e Sem Ajuda de Ninguém, Mexendo no Queijo Alheio de Acordo com os Princípios do Feng Shui)
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 25 de fevereiro de 2007
Vida tem manual de instruções? Consumidores de livros de autoajuda parecem acreditar que sim, dando vazão à publicação de obras que fazem promessas mais mirabolantes do que as veiculadas em propagandas eleitorais gratuitas. Por exemplo? “Como Ficar Rico“. Melhor que o título singelo desta obra, só mesmo o nome da editora que o publica: Academia de Inteligência (mesmo porque burros são os leitores que acreditam num conto de vigário desses). Outra pérola: “Como Fazer Qualquer Pessoa se Apaixonar Por Você“. Segundo a sinopse do livro, sua autora, a Dra. Leil Lowndes, “mostra que é possível aprender o momento certo de se fazer de difícil, quanto se deve esperar para um convite, como deixar uma primeira impressão inesquecível, preencher os desejos sexuais do parceiro ou como alimentar a menor centelha de atração para transformá-la em uma paixão avassaladora“. Com o perdão da má expressão: ahhh, doutora filha da mãe essa que atiça pessoas a armarem esses malditos joguinhos!
Não é difícil encontrar explicações para a confluência de mais e mais pessoas consumindo esse tipo de, hmm, literatura. Pense em sobreviver a uma sociedade acirradamente competitiva, assolada por termos como downsizing, benchmarking ou empowerment e regida por uma economia de mercado que fomenta constantemente o temor de pais de família em mergulharem no oceano de desempregados que sobrevivem fazendo bicos por aí. Ou em jovens alienados pela falta de utopias e ideologias consistentes, estupidificados por programas imbecis de TV e sistemas educacionais focados na aprovação no vestibular e em uma inserção cada vez mais precoce no mercado de trabalho. Ou em fiéis desiludidos por padres pedófilos, cobrança de dízimos, teologias emboloradas, guerras nada santas ou simplesmente contagiados pelo ceticismo quase onipresente nestes tempos contemporâneos. Ou no número crescente de pessoas vitimadas por stress, LER, ansiedade, síndrome do pânico, transtorno afetivo bipolar, distúrbio de déficit de atenção e outros males pós-modernos.
Quem recorre a um livro de autoajuda não foi capaz de encontrar as respostas que buscava em sua família, paróquia ou escola. Ou busca, simplesmente, um atalho mais cômodo para a solução de seus problemas. Em tempos tão individualistas, nada mais sintomático do que o sucesso de obras self service, com as quais você teoricamente conseguirá aprender a se virar sozinho no caos dos nossos tempos. A impressionante profusão desses títulos mostra que o mercado editorial abarca quase todas as facetas do relacionamento humano, sejam elas protagonizadas por amantes (“Ser a Outra: Manual de Sobrevivência da Amante“), pais de primeira viagem (“Nana, Nenê: Como Resolver o Problema da Insônia do seu Filho“), capitalistas com certo peso na consciência (“O Dinheiro é Meu Amigo“), aspirantes a Doutor Doolittle (“Linguagem Animal: Comunicação Interespécies“, livro que teoricamente auxilia um dono a conversar com seu animal de estimação, o que me faz pensar se já existe alguma obra do tipo “Samambaias São Boas Ouvintes: Desabafe com as Plantas do Seu Jardim”), introvertidos (“A Timidez Vencida em 3 Semanas“, ahhh se fosse assim tão fácil), pessoas que saíram relutantes do armário (“Auto-Estima para Homossexuais: um Guia para o Amor Próprio“), que têm intestino preso (“Deixa Sair“, título deveras adequado para a obra) ou que sonham com uma aparição na Caras ou Domingão do Faustão (“Fama - Como se Tornar uma Celebridade“, livro com prefácio de Suzana Alves, a Tiazinha), e assim por diante.
Nada, no entanto, supera a procura pela felicidade pessoal. Uma busca no site Submarino pelo termo mágico “ser feliz” resulta em nada menos que 302 livros que incluem a expressão em seus títulos, dentre eles “Prepare-se para Ser Feliz Nesta Vida e Depois da Morte”, “Dinheiro: é Possível Ser Feliz sem Ele” (preciso dar uma folheada neste), “Aeróbica Mental: Exercícios Mentais para Ser Sempre Feliz”, “Aprendendo a Ser Feliz com o Espírito André Luiz” (rimou), “Aprenda a Ser Feliz com os Florais de Bach”, “Caminho Infalível para Ser Feliz”, “Aura-Soma para Crianças: um Guia para Ser Feliz” (não poupam nem a molecada!) e aquela que talvez seja a melhor sátira ao filão da autoajuda: “Ser Feliz“, do canadense Will Ferguson. Um romance deliciosamente cáustico, que narra o que aconteceria à humanidade se surgisse um livro de autoajuda que efetivamente funciona, tornando seus leitores tão felizes quanto apáticos e letárgicos. Ou, como bem descreve Ferguson: “Eu dei às pessoas o que elas queriam: não liberdade, com as suas responsabilidades pesadas e incômodas, mas segurança. A segurança de não precisarem pensar. Segurança contra elas mesmas. Eu sei o que as pessoas querem: não querem ser livres, querem ser felizes“.
E assim segue a humanidade. Enquanto crianças são queimadas ou arrastadas nas calçadas do Brasil, secas, inundações e furacões proliferam-se no planeta por causa do aquecimento global, países do Oriente desenvolvem programas atômicos e chacinas matam dezenas de pessoas nas periferias tupinambás, cada vez mais pessoas chegam à conclusão de que não vale a pena acompanhar as editorias de Mundo e Cotidiano, porque o que importa mesmo é… ser feliz (ao fundo, ouve-se aquela canção da Luka: “Tô nem aí, tô nem aí/ Não vem falar dos seus problemas que eu não vou ouvir“).
Para encerrar: em meio a publicações com títulos chamativos como “Se Você Não Tem Bunda, Use Laços no Cabelo“, “Os Homens São Ostras, as Mulheres Pés-de-Cabra” e “Lobas e Grávidas: Guia Prático para o Parto da Mulher Selvagem“, esbarrei em uma intitulada “Adube Sua Carreira“. O livro é uma piada pronta: oras, existe outro modo para adubá-la que não seja fazendo muita merda na vida?
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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