Como Tootsie fez Dustin Hoffman mudar sua maneira de ver as mulheres
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 09 de julho de 2013
Em Tootsie, Dustin Hoffman faz o papel de um ator desempregado que traveste-se de mulher a fim de conseguir o papel feminino em uma novela. O filme, dirigido por Sydney Pollack em 1982, é uma comédia deliciosa, e não à toa recebeu dez indicações para o Oscar (ganhou só uma estatueta: de melhor atriz coadjuvante para Jessica Lange). Só agora porém, mais de três décadas depois, ao assistir a uma entrevista para o American Film Institute, é que descubro esta afirmação de Dustin: “Para mim, aquele filme nunca foi uma comédia.”
Na entrevista, Hoffman comenta que, antes de aceitar o papel em Tootsie, pediu à produtora que fosse feito um teste de maquiagem, a fim de descobrir como seria sua aparência física se tivesse nascido com outro sexo. Após perceber que não teria sido uma mulher fisicamente atraente, Dustin teve uma epifania que o levou às lágrimas: se ele, Hoffman, tivesse conhecido pessoalmente seu alterego feminino em uma festa, jamais teria conversado com ela, unicamente por causa de sua aparência. Citando suas palavras:
Há muitas mulheres interessantes que não tive a experiência de conhecer nesta vida porque tinha passado por uma lavagem cerebral.
Não deixe de ver o vídeo a seguir, com a confissão emocionada de Dustin Hoffman.
P.S. 1: Tomo emprestadas as palavras do grande Pedro Jansen, que postou esta entrevista no Facebook: “O Feminismo é muito mais uma reflexão do que qualquer outra coisa. É o exercício supremo do que - pelo menos pra mim - sempre é muito difícil: se colocar no lugar do outro.”
P.S. 2: Curiosidade: em 2000, o American Film Institute considerou Tootsie a segunda melhor comédia da história do cinema americano, só perdendo para Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder.
P.S. 3: Segue abaixo a tradução do vídeo, feita por Cláudia Regina.
Murray Schisgal tem sido um amigo querido por mais de 30 anos. Ele lançou a ideia do filme Tootsie me perguntando: “Quão diferente você seria se tivesse nascido uma mulher?”. Disse isso em uma conversa que tivemos. Ele não perguntou “como se sente uma mulher” porque todas as pessoas já se perguntaram “como será que eu me sentiria sendo do sexo oposto?”. Mas a pergunta dele era diferente: “Se você tivesse nascido como mulher, quão diferente VOCÊ seria?”. Depois descobriríamos que demoraria bastante tempo pra responder isso. Ficamos envolvidos na criação de Tootsie por cerca de dois anos antes mesmo de fechar com o diretor, só reescrevendo o script e trabalhando no texto. Neste período visitei o estúdio, Columbia, e perguntei se eles gastariam dinheiro para fazer testes de maquiagem a fim de ver se eu poderia parecer uma mulher. Se se eu não conseguisse convencer como mulher, eles concordariam em não fazer o filme. Me perguntaram: “O que você quer dizer com isso?”. E eu disse: “Minha intuição me diz que, a não ser que eu possa andar pelas ruas de Nova York vestido como mulher, e ninguém olhasse e dissesse ‘quem é esse cara travestido?’, ou se virassem por qualquer razão, sabe?, ‘quem é esse doido?’, a não que eu pudesse fazer isso sem chamar atenção, não queria fazer o filme”. Eu não queria que o público precisasse suspender sua noção de realidade. Quando terminamos a maquiagem e olhei o resultado na tela, fiquei chocado pois eu não era atraente! Disse: “Agora que vocês me transformaram em uma mulher, me transformem em uma mulher linda!”. Porque eu achei que precisava ser bonita se era pra ser uma mulher, eu queria ser tão linda quanto possível! E eles disseram: “Esse é melhor que podemos fazer, não conseguimos te deixar mais bonita que isso, Charlie!”. E foi nesse momento que caiu a ficha e fui para casa, chorando. E falei com a minha esposa que tinha que fazer esse filme. Ela perguntou: “Por quê?”. E eu disse: “Porque eu acho que sou uma mulher interessante quando olho para mim mesmo na tela, e mesmo assim sei que, se eu encontrasse eu mesma em uma festa, eu nunca falaria com aquela personagem”. Porque ela não condiz, fisicamente, com as necessidades que crescemos achando que as mulheres devem ter para que convidemos ela para sair. Ela disse: “O que você está dizendo?”. E eu disse: “Existem muitas, muitas mulheres interessantes que eu… que eu… não tive a experiência de conviver… porque… eu sofri uma lavagem cerebral.” Tootsie nunca foi uma comédia pra mim.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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