Juma, Janet, Lenny e o Tetagate

Por Alexandre Inagakiterça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Nós, brasileiros, estamos tão acostumados em ver mamilos expostos na TV que até estranhamos quando a mulata Globeleza aparece com os seios cobertos. De memória, posso citar diversos outros momentos em que mulheres exibiram suas partes mais pudendas em horário nobre. Por exemplo, os diversos banhos que Juma Marruá e a Mudinha tomavam na novela “Pantanal” da finada TV Manchete, ao lado dos tuiuiús e do Velho do Rio. Ou os stripteases pra lá de fajutos que as garotas Tutti-Frutti faziam em “Cocktail”, programa pra lá de tosco capitaneado por Miéle todas as quartas-feiras no SBT? E o que dizer da campanha de prevenção do câncer de mama estrelado por Cássia Kiss na qual a atriz fazia exame de toque nos próprios seios, encampada por ninguém menos que o Ministério da Saúde?

Diante dos, hmm, permissíveis padrões tupiniquins, o que dizer de toda a celeuma causada pela exibição do seio de Janet Jackson durante uma apresentação no intervalo do Superbowl? Ainda se fossem os mamilos da Naomi Watts… Mas tergiverso, tergiverso. E o fato é que não é preciso ser um expert em Estados Unidos para discorrer sobre o puritanismo W.A.S.P. e toda a dificuldade histórica que a terra do Mickey possui em falar sobre Sexo, esse tema-tabu da mesma sociedade que abriga a maior indústria de filmes e artigos pornográficos do planeta.

Ah, as contradições americanas. Menos mal que nem todos são pudicos ou imbecis feito presidentes com sobrenome Bush ou pilotos da American Airlines. E enquanto parlamentares republicanos aproveitam o Tetagate para defender a adoção de mecanismos eletrônicos capazes de eliminar materiais considerados “obscenos” em transmissões ao vivo (por exemplo, qualquer palavra que possa sair da boca de Michael Moore), não posso deixar de recordar o nome de Lenny Bruce, que certa vez afirmou: “If a titty is pretty, its dirty but not if its bloody and maimed”.

Não conhece Lenny? Então você nunca prestou a devida atenção na letra de It’s the End of the World As We Know It (and I Feel Fine) do R.E.M., nem assistiu à sua cinebiografia dirigida por Bob Fosse e estrelada por Dustin Hoffman (procure em sua locadora). Saiba, pois, que Lenny Bruce foi um dos expoentes da stand-up comedy. Conhecido pelo jeito contundente com que discorria sobre sexo, racismo, religião e política, foi no começo dos anos 60 o comediante mais conhecido da América, vivendo em um casarão em Hollywood e lotando teatros de todo o país.

A primeira prisão de Lenny aconteceu em 1962, acusado de ato obsceno por ter proferido a palavra “motherfucker” durante uma apresentação em São Francisco. Foi absolvido depois, mas esse precedente acabou servindo como o estopim para uma série de processos movidos por membros “distintos” em praticamente todas as cidades nas quais se apresentava. A perseguição por parte dos setores conservadores dos EUA, incomodados com o jeito loquaz de um comediante que desatava a tecer piadas sobre marijuana, gonorréia, judaísmo e políticos hipócritas, chegou ao ponto de impedir seu trabalho (os proprietários de night clubs que ousassem contratá-lo corriam o risco de perder seus alvarás e ainda serem co-responsabilizados por crime de obscenidade). Resultado: levado à falência depois de tantos gastos com processos e advogados, e ainda com a carreira praticamente encerrada, Lenny chafurdou nas drogas até morrer de overdose de morfina em sua casa em Los Angeles, aos 41 anos de idade.

* * * * *

Nem toda história possui um final edificante. E não posso deixar de chamar a atenção para o fato de que enquanto as famílias norte-americanas sentiram-se abaladas pela aparição de um mamilo, uma das atrações mais festejadas no intervalo do Superbowl foi o Lingerie Bowl, singela atração na qual dois times formados por modelos disputaram uma partida de futebol americano trajando unicamente sutiãs, cintas-ligas e calcinhas rendadas. Ok, o espetáculo foi exibido apenas por pay-per-view, mas é de se perguntar: o peito da Janet Jackson é tão mais “imoral” que esse mero pretexto para exibição de mulheres-objeto?

Em tempos tão contraditórios e hipócritas, não posso deixar de recordar outra frase de Lenny:

The truth is what is, not what should be. What should be is a dirty lie.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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