Não é uma mera coincidência o fato de que Belo Horizonte começa a se consolidar como a capital latino-americana do heavy metal por volta de 1984-5, data de formação do Sepultura. A ascensão do metal tem muito a ver com o processo político que se desenrolava no país naquele momento.
Enquanto a “Nova República”, eleita indiretamente, sucedia o regime militar em 1985, bandas de heavy metal em Belo Horizonte, Santos, São Paulo, Rio de Janeiro e outras metrópoles começavam a fermentar um fenômeno cultural de consideráveis proporções. Influenciados por Motorhead, Iron Maiden, Slayer, Metallica, Megadeth, essas bandas levaram o gênero conhecido nos anos 1970 como “rock pauleira” a outro nível de distorção, volume e agressividade. Do improvável estado do Pará, distante dos centros culturais do país, a banda Stress viajou até o Rio de Janeiro em 1982 para gravar o memorável álbum que os fãs depois reconheceriam como o momento fundacional do metal brasileiro. Em Belo Horizonte, bandas como Sepultura, Sarcófago, Sagrado Inferno, Morg, Armaggeddon, Holocausto, Chakal e Overdose (além do Minotauro, de São Paulo), participaram de uma ou ambas edições do BH Metal Festival, eventos que catapultaram a maioria dessas bandas à gravação de seus primeiros compactos, EPs ou LPs. A intensa cena metal de Belo Horizonte congregava-se na Cogumelo Records, loja que foi fundada em 1980, se tornou um selo independente em 1985 e lançou o disco que o Sepultura dividiu com o Overdose, Bestial Devastation–Século XX. Lenda do underground mineiro, esse “split LP” ajudou a fazer da Cogumelo o primeiro selo de metal bem sucedido no Brasil. Continue Lendo
Oi, meu nome é Clarissa e eu *estava* sem jogar Song Pop há 48 horas.
* * *
Todos os clichês da adicção cabem aqui.
Eu tinha muitos pudores dos meus erros nos primeiros dias de jogo. Achava que as pessoas tinham o direito de nunca mais me telefonar depois que eu ouvia Enya e clicava em Radiohead (não me perguntem, é muita pressão).
Fui viciada por um amigo, que mencionou o jogo em um sumário SMS. Era tudo tão inocente que jamais pensei que ficaria assim. Eu só queria experimentar.
Uma noite depois eu estava chamando pessoas que não conhecia, encontradas aleatoriamente pelo sistema do Facebook, para jogar (o que equivale a pedir dinheiro para transeuntes na rua a fim de comprar uma pedra ou uma trouxinha só).
Meu amigo, que tinha entrado primeiro, conseguiu sair. Disse ter tomado a decisão ao perceber que não fazia mais nada no tempo livre dele a não ser jogar.
A frase calou fundo em mim. Decidi fazer o mesmo. E naquela noite passei todo meu tempo livre ocupada em não-jogar, o que no fundo eu acho que foi quase a mesma coisa. Mas sem o doce som das moedinhas caindo. Continue Lendo
Tudo na vida é uma questão de timing. Se você não estiver devidamente preparado para aproveitar as oportunidades que aparecem na sua frente, seu grande momento estará prestes a passar, está passando, já passou, foi embora, um abraço - ou nem isso - e até nunca mais.
Aquela garotinha ruiva que arrebatou seu coração ao sorrir da janela de um ônibus que acabou de partir da rodoviária, desapareceu de sua vista sem que você tenha sequer acenado para ela a fim de pegar seu telefone. A ideia mirabolante de um site inovador de comércio eletrônico, que você estava arquitetando em seus pensamentos meses a fio, acabou de ser implementada por alguns estudantes de Recife e já recebeu centenas de milhares de dólares de um investidor anjo da Califórnia. Seu projeto na teoria ainda parece ser melhor, mas ideias que não saem do papel são natimortas, e você desperdiçou aquela que poderia ser a chance da sua vida. Um headhunter entra em contato contigo e lhe oferece um emprego incrível e desafiador, a recompensa merecida após anos aturando aulas chatas na faculdade e estágios modorrentos. Porém, é uma vaga que exige inglês fluente, e você ainda está no the book is on the table… Continue Lendo
As peças do nosso quebra-cabeça estamos deixando, todos os dias, em lugares da internet dos quais já não nos lembramos, sob a guarda de termos de serviço que não lemos.
Talvez sempre tenha sido assim: nossos pais, avós e outros antepassados desconectados viviam o que aparecia pela frente, surfavam nas ondas do destino, de vez em quando deixavam uma delas passar porque estavam distraídos ou preguiçosos, e um dia morriam. De sopetão ou com aviso prévio, eles morreram quando o coração parou de bater, igualzinho vai acontecer comigo e contigo, ainda bem.
O que mudou, além da idade média e causas dessa mortalidade, é que eles deixaram de herança suas calças com a barra gasta de tanto arrastar, um sofá rasgado, a poupança ou as dívidas no banco, a gilete enferrujada na pia, um vinil na estante, a lista de compras na geladeira e quem sabe cartas secretas de uma antiga namorada no fundo da gaveta.
Depois de mortos, os utensílios de uso pessoal dessa gente sortuda iam para o lixo, os pertences úteis para um bazar e as cartas poderiam até quebrar o coração da viúva, mas então eram queimadas e desapareciam, ou apenas desbotavam. Os mortos viravam memórias, anedotas, jargões, princípios transmitidos indiretamente pelas lembranças subjetivas de quem participou de uma parte de suas vidas. Continue Lendo
“Quando você se vê como catador de lixo, você se vê como lixo. A gente é catador de material reciclável.” À primeira vista, esta afirmação pode soar como um eufemismo politicamente correto, mas quando ouvi Tião Santos, presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, falando sobre o que significa o lixo em nossas vidas, não há como contestar a importância de se fazer essa diferenciação. Afinal de contas, o lixo representa tudo que as pessoas descartam de suas vidas: desde resíduos materiais como alimentos que jazem esquecidos em geladeiras e armários, até fotos e cartas de ex-namorados. Basta imaginar o peso espiritual de se trabalhar diariamente com tudo que as pessoas que não desejam mais e que é considerado ruim. Não, definitivamente ser um catador de material reciclável não é um trabalho para fracos de espírito.
Há tempos não uso lápis ou caneta para escrever. Nem os versos que eu costumava cometer nos tempos em que estudava Letras na USP, tampouco listas de compras de supermercado, folhas de cheque, receitas de bolo, manuscritos quaisquer. De tão habituado a só digitar textos, minha caligrafia piora cada vez mais, se equiparando aos garranchos hieroglíficos de médicos apressados. E, na última vez em que fui reconhecer minha firma num cartório, fui obrigado a abrir uma nova porque minha assinatura não batia com a anterior. Males da vida digital.
Tenho guardadas em casa dezenas de folhas de caderno e papéis sulfite com manuscritos da época em que usava canetas para rebobinar fitas cassete e rascunhar versos e contos. Alguns desses textos foram remixados e remasterizados, tornando-se posts e artigos. Outros permanecerão guardados no fundo da gaveta, e só não viram material de reciclagem porque ainda teimo em arquivar certos testemunhos de um passado cada vez mais desfocado.
Mas, assim como arqueólogos volta e meia encontram algum fóssil interessante em escavações, outro dia achei uma pérola inesperada fuçando meus papéis amarfanhados: Continue Lendo
Na Convenção de Vendedores de Yakult - Regional Nordeste, centenas de pessoas que vendem yakult de porta em porta se reuniram durante três dias em Fortaleza, na semana passada, para falar sobre yakult. Além de conhecer pessoas que também vivem de yakult no seu bairro, na sua cidade, no seu estado e até em Belo Horizonte, os participantes também puderam ouvir de perto as histórias de vendedores de yakult que, para inovar no seu trabalho, fizeram um jingle, decoraram o carrinho de yakult com imagens diferentes, fizeram uma promoção entre seus clientes e teve até palestra com aquele vendedor que venceu na vida vendendo yakult, contra todas as adversidades, e com aquela vendedora de yakult que já está há décadas na profissão, que tem mil histórias pra contar e que até inspirou muita gente a decidir vender yakult.
Você pode trocar yakult pela Marcha Nacional de Prefeitos, pelo Encontro Anual de Corretores de Imóveis, pela Conferência Nacional de Agentes de Turismo ou por qualquer outro evento que reúne periodicamente pessoas de várias partes do Brasil que trabalham na mesma área e têm muito o que aprender e ensinar. Continue Lendo
Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.