Amores Urbanos

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 19 de maio de 2016

Nestes tempos de relacionamentos líquidos, nos quais é possível dispensar um pretendente com a agilidade de um swipe à esquerda num Tinder da vida, talvez a amizade seja a maior constante capaz de solidificar as fluidezas que marcam este cotidiano. Mas não me refiro aos “amigos” de Facebook, esta rede social que banaliza um termo tão significativo aplicando-o a qualquer contato superficial que aceitamos ter em nossos perfis por questões de networking ou mera educação. E, sim, aos amigos que seguram a sua barra nos momentos mais difíceis, sem que sejamos obrigados a dar justificativas para os eventuais tropeções e presepadas que inevitavelmente damos por aí.

Quando vi Amores Urbanos, o surpreendente longa-metragem de estreia de Vera Egito, a sensação que me veio ao acabar de assisti-lo foi esta: que história bem contada, com personagens tão tangíveis, e que bacana ver o retrato emocional de uma geração tendo sido feito de maneira tão viva e palpável, a partir da narrativa das desventuras amorosas e familiares de três amigos (interpretados por Maria Laura Nogueira, Renata Gaspar e Thiago Pethit). E o modo como Amores Urbanos traça suas histórias em pouco mais de 1 hora e meia de duração, conseguindo construir seus personagens de modo a fazer com que sejamos cativados por eles e pela sua história de amizade sem julgamentos (ao melhor estilo “elogie seus amigos publicamente e deixe para dar as broncas nas DMs”), é um dos diversos méritos do filme.

O medo de amar e o medo de ser livre

Os três protagonistas são amigos na casa dos 30 anos que moram em um mesmo prédio em São Paulo. Júlia (Maria Laura Nogueira) acabou de levar um pé na bunda após flagrar uma cena decepcionante do ex-namorado. Profissionalmente, também não tem muitos alentos: trabalha aos trancos e barrancos como estagiária de uma estilista de moda, enquanto atura as constantes cobranças de seus pais sobre casamento, filhos e sucesso profissional. Diego (Thiago Pethit) é um jovem sarcástico e libertário que vive as consequências de uma vida marcada pela descoberta de sua sexualidade; expulso de casa aos 16 anos por ser gay, teve a sua personalidade lapidada pelo que precisou fazer para sobreviver nas ruas de SP. Refratário a compromissos amorosos, em algum momento terá a sua invulnerabilidade emocional solapada. Já Micaela (Renata Gaspar) sofre com o seu relacionamento: namora Duda (Ana Cañas), uma jovem atriz em ascensão na carreira que, no entanto, reluta em assumir publicamente essa relação homossexual e faz com que o namoro chegue a um impasse.

Através destas três histórias, Vera Egito (que além de dirigir Amores Urbanos é a roteirista do filme) traça a crônica de uma geração de jovens adultos que, ao mesmo tempo que desfrutam de uma liberdade maior para fazer escolhas profissionais e sexuais fora do establishment, pagam caro as faturas emocionais, especialmente nos campos familiares e sociais, que ainda são cobradas junto com determinadas opções. Nestes tempos em que questões como aborto, feminismo, casamento gay, diversidade sexual e liberdades individuais em geral andam sendo debatidas e contestadas em meio a um acirramento progressivo de embates ideológicos entre conservadores e progressistas, assistir a uma obra como Amores Urbanos, que não faz nenhuma distinção entre relacionamentos homossexuais ou heterossexuais, é um sopro de alento nos dias de hoje. Afinal, amores independem de raça ou orientação sexual, e é assim que deveriam ser encarados pela arte e pela sociedade.

No filme, destaco ainda a ótima direção de atores. Quem se habitou a ver Renata Gaspar, por exemplo, nas esquetes cômicas do Saturday Night Live Brasil e no Tá no Ar, poderá se surpreender com a sua sólida atuação nos momentos mais dramáticos de sua personagem. Do mesmo modo, Thiago Pethit e Ana Cañas se entregaram com tanta convicção aos seus papéis que quem os vir na tela desconhecendo suas carreiras terá uma grata surpresa ao descobrir que também são cantores. E Maria Laura Nogueira, que amarga situações amorosas, profissionais e familiares nada simples, sob uma fachada emocional fechada e orgulhosa, assume seu posto de protagonista com a leveza e a densidade pedidas a cada novo desafio dramático de sua Júlia.

A liberdade nos filmes de Vera Egito

Embora Amores Urbanos seja a estreia de Vera Egito como diretora de longas-metragens, sua trajetória no cinema não tem nada de novata: Vera foi assistente de direção de O Cheiro do Ralo (2006) e co-roteirista de À Deriva (2009) e Serra Pelada (2013), todos dirigidos por Heitor Dhalia. Além disso, teve seus dois curtas-metragens, Espalhadas Pelo Ar e Elo, exibidos na Semana de Crítica do Festival de Cannes de 2009.

Ambos os curtas de Vera possuem protagonistas femininas e falam de liberdade de alguma maneira. Em Espalhadas Pelo Ar, encontramos a história de uma mulher presa a um casamento infeliz que começa a trilhar seu caminho para a liberdade ao flagrar nas escadas de serviço do seu prédio um grupo de meninas fumando escondido dos pais. E, em Elo, temos uma jovem de 15 anos que vive um momento de libertação pessoal que é seguido por uma decepção. E que, ao retornar para casa, se depara com uma cena de dor coletiva que a fará compreeender melhor que a vida é um entremeado constante de amores, desilusões, superações e esperanças.

Após assistir aos seus dois curtas e descobrir que, antes de se chamar Amores Urbanos, seu primeiro longa teve o nome provisório de SP é uma Festa, fiz algumas perguntas a Vera Egito:

- Qual a relação que Amores Urbanos possui com seus dois primeiros curta-metragens, Elo e Espalhadas no Ar?

Vera: Acho que mais uma vez temos uma protagonista feminina buscando significado para seus sentimentos, suas ideias e seus caminhos. A diferença entre os curtas e o longa é o gênero. Amores Urbanos é uma comédia dramática bastante baseada nos diálogos e nas situações de personagens. Os curtas eram mais filmes de sensação, de apreciação visual, ambos com pouquíssimos diálogos.

- Qual foi o motivo da mudança do título anterior, SP é uma Festa, para Amores Urbanos?

Vera: Quando o filme ficou pronto percebemos que a história não era ligada diretamente à São Paulo. O retrato é um retrato de geração, de um grupo de pessoas que vive nas grandes cidades brasileiras no geral. O título original dava então uma pista falsa, como se fôssemos falar da cidade de São Paulo especificamente. Então, achamos melhor mudar. Os amores e questões do filme valem para habitantes urbanos, no geral.

Amores Urbanos estreia hoje em cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Santos e Guarulhos. Confira em sua página no Facebook as salas nas quais estará em cartaz, e compartilhe depois nos comentários daqui suas impressões pessoais sobre o filme. :)

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Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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