A Vila

Por Alexandre Inagakidomingo, 12 de setembro de 2004

Esta é uma das verdades mais óbvias: propagandas enganosas levam a expectativas equivocadas. Vide, por exemplo, o trailer veiculado em cinemas e TVs de “A Vila” (EUA, 2004), que levou muitos espectadores a pensar que assistiriam a um “Sexto Sentido II - A Missão” e provavelmente saíram decepcionados, o que é uma pena. Porque “A Vila” é um belo filme, talvez o melhor do diretor M. Night Shyamalan desde aquele do garoto que via fantasminhas nem sempre camaradas.

Seu ilusório trailer leva a crer que estaremos diante de um daqueles filmes com final retumbantemente surpreendente, induzindo o espectador a assisti-lo como quem brinca de Detetive (“foi o Coronel Mostarda, com o candelabro, na sala de estar!“). De fato, não foram poucas as pessoas que saíram da sala de cinema se gabando por terem descoberto o grande “segredo” da trama após alguns minutos de exibição. E assim, porque a “charada” é mais ou menos previsível, o espectador sai fazendo biquinho, dizendo que o filme é uma porcaria e que foi ludibriado pela propaganda.

No entanto, “A Vila” é uma envolvente parábola de tempos nos quais armas de destruição de massas são tão verossímeis quanto monstros na floresta. Se seus espectadores apreciassem o filme menos preocupados em montar supostos quebra-cabeças, talvez pudessem admirar a capacidade que Shyamalan possui em criar climas de suspense a partir de uma escolha precisa de enquadramentos (vide a cena em que a cega admiravelmente interpretada por Bryce Dallas Howard estende as mãos na varanda de sua casa enquanto as misteriosas criaturas se aproximam).

E assim, a partir da história de um pequeno vilarejo aterrorizado por criaturas que habitam as matas ao seu redor, M. Night Shyamalan constrói aquela que talvez seja a melhor parábola cinematográfica produzida até agora sobre o novo estado de coisas surgido após o dia 11 de setembro de 2001. Veja as pesquisas que apontam Bush Júnior em vias de se reeleger (isso sim é o que eu chamo de uma história de terror) às custas de campanhas em cima do discurso do Medo e da Paranóia, e pense nos métodos utilizados pelos líderes da vila para convencer os jovens a sequer cogitarem uma fuga para a cidade.

Quem leu o imperdível livro de entrevistas que Alfred Hitchcock concedeu a François Truffaut (recentemente reeditado pela Companhia das Letras) certamente se lembra do conceito de McGuffin: um elemento na trama que serve para distrair a atenção do espectador e alavancar a ação do filme, mas que não passa de um pretexto para que o verdadeiro tema da obra seja abordado pelo autor. Por exemplo, a maleta de “Pulp Fiction”, os microfilmes de “Intriga Internacional”, o dinheiro roubado por Janet Leigh em “Psicose”. Pois bem: ouso dizer que toda a trama em torno “daqueles-de-quem-não-podemos-falar” não passa de um McGuffin engendrado em um filme claramente inspirado pela cultura do medo.

Vale a pena citar ainda a recorrência de um tema caro ao diretor e roteirista M. Night Shyamalan: o ressurgimento da esperança em tempos sombrios. Temática que já se fazia presente ao final de filmes como “Sinais” (uma trama sobre ETs como pano de fundo para a história de um pastor que recupera sua fé) e “Corpo Fechado” (o surgimento de um super-herói em um mundo infestado por serial killers e lunáticos), e que volta a ser apresentada nesta espécie de paráfrase da caverna de Platão, sob a personificação de um amor (literalmente) cego.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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