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Houve uma vez um verão

Por Alexandre Inagakisegunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Na vida de todos já houve um “verão de 42″. Para compreender essa frase, preciso resgatar a história deste filme. Assisti a Houve uma Vez um Verão pela primeira vez quando eu tinha 14 anos, mesma faixa etária de seus personagens principais, três adolescentes que passam férias em uma pequena ilha durante o verão de 1942, época na qual se desenrolava a Segunda Guerra Mundial. É um típico filme de formação, que narra como esses três amigos, Hermie, Oscy e Benjie, começam a se relacionar com as garotas e a descobrir os mistérios gozosos da vida. Minha identificação com o trio foi imediata: assim como eles, eu já sentia meus hormônios se manifestando em meu corpo juvenil. Porém, era um completo desajeitado que mal sabia como me comunicar com as mulheres, seres que me fascinavam e seduziam, mas que permaneciam sendo absolutamente indecifráveis para mim (bem, o fato é que até hoje ainda me enrosco para decifrar os hieróglifos contidos em um sorriso de mulher, mas prossigamos com o post).

Cena do filme de Robert Mulligan.Houve uma Vez um Verão é narrado em flashback por um Hermie já adulto, que enquanto relembra as trapalhadas que viveu com seus amigos, em episódios como a tentativa de comprar camisinhas em uma farmácia, resgata as lembranças da primeira mulher que amou em sua vida, e que conheceu naquele verão de 42: Dorothy, uma bela jovem de vinte e poucos anos, cujo marido era um militar que havia partido para o front da Segunda Guerra. Apesar de sua timidez, Hermie acaba por fazer amizade com Dorothy ao ajudá-la a carregar suas compras. Hermie nem ousa tentar nada, até porque sabe que Dorothy é uma mulher apaixonada, mas vai nutrindo em silêncio um amor platônico enquanto se distrai acompanhando seus amigos em algumas tentativas atrapalhadas de maior aproximação com o sexo oposto.

Porém, certo dia, ao bater à porta de Dorothy, Hermie encontra a casa aberta, o som de um vinil tocando o inesquecível tema composto por Michel Legrand e a sala vazia. Ao entrar nos aposentos, Hermie encontra um telegrama informando que o marido de Dorothy havia sido morto em combate. Ela, que havia acabado de esvaziar uma garrafa de bebida, encontra Hermie parado na sala. Ainda aos prantos e em visível estado de choque, Dorothy abraça o amigo, e, em silêncio, começam a dançar. Depois…

Sei que, terminada a sessão desta obra-prima dirigida por Robert Mulligan, fiquei apaixonado por Jennifer O’Neill, a atriz que interpreta Dorothy, e sonhando com a mesma sorte daquele garoto que teve sua iniciação sexual com uma mulher tão linda, terna e carinhosa. Não tive a mesma felicidade de Hermie, ao menos aos 14 anos; perderia minha virgindade quatro anos mais tarde. Mas posso dizer que ao menos uma marca esse verão de 42 me trouxe: de lá para cá, meu envolvimento com mulheres mais experientes foi uma constante. É claro que não posso atribuir isso à influência decisiva de um filme ou ao freudiano Complexo de Édipo, mas o fato é que nove entre dez de meus affairs foram com parceiras mais velhas. Não chego a dizer que minha vida amorosa é uma paráfrase daqueles versos do Leoni (“Garotos como eu/ Sempre tão espertos/ Perto de uma mulher/ São só garotos”), mas é quase isso. Sorte a minha, que aprendi muito com as maravilhosas mulheres com quem tive a felicidade de me envolver.

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Uma história sensacional da qual só soube ao ler o verbete na Wikipedia sobre Summer of ’42 é a sua origem autobiográfica. Herman Raucher, roterista do filme, de fato passou férias em uma ilha em 1942, teve um amigo chamado Oscy (que veio a falecer no front da Guerra da Coréia) e, vejam só vocês, envolveu-se com uma mulher mais velha chamada Dorothy. Exatamente do mesmo modo que foi mostrado no filme, na manhã seguinte ao encontro amoroso dos dois, Dorothy deixou a ilha (e um bilhete destinado a Herman) e eles não mais se encontraram.

Capa do livro Summer of 42, de Herman Raucher.Em uma entrevista concedida ao site TCPalm, Herman Raucher relembra que, na época em que o filme foi lançado nos cinemas, ele recebeu dezenas de cartas de pessoas que afirmavam ser a sua Dorothy do verão de 42. E afirma: “As correspondências não me assustaram, mas me surpreenderam. E mostraram para mim que há um bocado de mulheres esquisitas lá fora”. Mas o melhor estava por vir: “Uma das cartas era realmente de Dorothy. Eu reconheci sua caligrafia”. Quase 30 anos após aquela noite, Raucher recebeu um sinal de vida da mulher que marcou irremediavelmente sua existência.

Na carta, Dorothy conta que acabou por se casar novamente, e que já era avó. Também relata seus temores de que a noite em que ela e Herman dormiram juntos pudesse ter, de alguma maneira, traumatizado aquele ninfeto de 14 anos. E encerra a correspondência dizendo: “É melhor não perturbar os fantasmas daquela noite de 30 anos atrás”. Herman Raucher nunca soube o sobrenome da primeira mulher que amou, e eles jamais voltaram a se encontrar pessoalmente.

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Debra Lafave, a professora que seduziu um aluno de 14 anos.Vejam como são as coisas. A origem deste post foi uma nota no G1 sobre Debra Lafave, ex-professora que foi condenada a sete anos de prisão domiciliar por ter feito sexo com um garoto de 14 anos (mesma idade de Hermie no filme) dentro da sala de aula e em sua casa, em junho de 2004. Correndo o risco de ser politicamente incorreto e um tanto quanto machista, afirmo que eu e a maior parte da população masculina mundial teríamos dado graças aos céus se tivéssemos tido a sorte de possuir uma professora como Debra. Mas esta é uma visão estritamente pessoal: se algo semelhante tivesse ocorrido com o filho que não tenho, talvez me indignasse com o que aconteceu. Ou não.

Na época em que o crime foi cometido, Debra era casada. Hoje, compreensivelmente divorciada, atende pelo nome de Debra Jean Beasley e tem ficha online por ser “criminosa sexual”. Recentemente, quase foi levada de volta à cadeia por supostamente ter violado sua condicional a conversar sobre sua vida com uma garçonete da lanchonete em que trabalha atualmente. Motivo: sua colega de trabalho tem 17 anos e é menor de idade. |-| Ah, o puritanismo americano… Se morasse no Brasil, a ex-professora certamente já teria posado para a Playboy e concedido entrevistas a todos os talk shows existentes.

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Houve uma continuação de Houve uma Vez um Verão, produzida dois anos após o filme original, chamada de Class of ’44 (no Brasil, O Verão que Passou. Porém, com outro diretor e sem a Dorothy de Jennifer O’Neill no enredo. Como era de se imaginar, foi um fracasso. Afinal de contas, toda boa história merece terminar do modo apropriado.

Há amores que devem permanecer do jeito que estão, em um lugar especial na memória. Como aconteceu, na vida real, com Herman e Dorothy. Tudo na vida é uma questão de timing.

A Vila

Por Alexandre Inagakidomingo, 12 de setembro de 2004

Esta é uma das verdades mais óbvias: propagandas enganosas levam a expectativas equivocadas. Vide, por exemplo, o trailer veiculado em cinemas e TVs de “A Vila” (EUA, 2004), que levou muitos espectadores a pensar que assistiriam a um “Sexto Sentido II - A Missão” e provavelmente saíram decepcionados, o que é uma pena. Porque “A Vila” é um belo filme, talvez o melhor do diretor M. Night Shyamalan desde aquele do garoto que via fantasminhas nem sempre camaradas.

Seu ilusório trailer leva a crer que estaremos diante de um daqueles filmes com final retumbantemente surpreendente, induzindo o espectador a assisti-lo como quem brinca de Detetive (“foi o Coronel Mostarda, com o candelabro, na sala de estar!“). De fato, não foram poucas as pessoas que saíram da sala de cinema se gabando por terem descoberto o grande “segredo” da trama após alguns minutos de exibição. E assim, porque a “charada” é mais ou menos previsível, o espectador sai fazendo biquinho, dizendo que o filme é uma porcaria e que foi ludibriado pela propaganda.

No entanto, “A Vila” é uma envolvente parábola de tempos nos quais armas de destruição de massas são tão verossímeis quanto monstros na floresta. Se seus espectadores apreciassem o filme menos preocupados em montar supostos quebra-cabeças, talvez pudessem admirar a capacidade que Shyamalan possui em criar climas de suspense a partir de uma escolha precisa de enquadramentos (vide a cena em que a cega admiravelmente interpretada por Bryce Dallas Howard estende as mãos na varanda de sua casa enquanto as misteriosas criaturas se aproximam).

E assim, a partir da história de um pequeno vilarejo aterrorizado por criaturas que habitam as matas ao seu redor, M. Night Shyamalan constrói aquela que talvez seja a melhor parábola cinematográfica produzida até agora sobre o novo estado de coisas surgido após o dia 11 de setembro de 2001. Veja as pesquisas que apontam Bush Júnior em vias de se reeleger (isso sim é o que eu chamo de uma história de terror) às custas de campanhas em cima do discurso do Medo e da Paranóia, e pense nos métodos utilizados pelos líderes da vila para convencer os jovens a sequer cogitarem uma fuga para a cidade.

Quem leu o imperdível livro de entrevistas que Alfred Hitchcock concedeu a François Truffaut (recentemente reeditado pela Companhia das Letras) certamente se lembra do conceito de McGuffin: um elemento na trama que serve para distrair a atenção do espectador e alavancar a ação do filme, mas que não passa de um pretexto para que o verdadeiro tema da obra seja abordado pelo autor. Por exemplo, a maleta de “Pulp Fiction”, os microfilmes de “Intriga Internacional”, o dinheiro roubado por Janet Leigh em “Psicose”. Pois bem: ouso dizer que toda a trama em torno “daqueles-de-quem-não-podemos-falar” não passa de um McGuffin engendrado em um filme claramente inspirado pela cultura do medo.

Vale a pena citar ainda a recorrência de um tema caro ao diretor e roteirista M. Night Shyamalan: o ressurgimento da esperança em tempos sombrios. Temática que já se fazia presente ao final de filmes como “Sinais” (uma trama sobre ETs como pano de fundo para a história de um pastor que recupera sua fé) e “Corpo Fechado” (o surgimento de um super-herói em um mundo infestado por serial killers e lunáticos), e que volta a ser apresentada nesta espécie de paráfrase da caverna de Platão, sob a personificação de um amor (literalmente) cego.

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Jé plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantêm este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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A vida é boa e cheia de possibilidades.
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