Questões de timing
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 15 de janeiro de 2008
Jamais esquecerei da história de Milene Modesto, 28, estudante de pós-graduação em Ciências Sociais da USP.
Às 23h40 do dia 22 de outubro de 1999, Milene acabara de sair de seu trabalho, na Avenida Paulista, quando foi atingida por uma peça de guindaste que despencou do 25º andar de um edifício em obras. Um acidente infame, inaceitável, absurdo.
Se Milene tivesse parado em uma banca de jornais para comprar um chiclete, teria escapado do acidente. Se sua mãe tivesse telefonado e pedido para que comprasse pães antes de voltar para casa, teria escapado do acidente. Se os passos de Milene fossem mais apressados, ou mais pausados, ela poderia estar viva até hoje, quem sabe escrevendo em um blog.
Tudo na vida é uma questão de timing. Do alimento um dia fora de prazo de validade ao reencontro de velhos amigos em um elevador que quase fecha suas portas; do milésimo de segundo que decide um campeonato de atletismo ao fracassado compositor cujas músicas eram avançadas demais para a sua época; do site que seria um sucesso financeiro caso tivesse surgido antes do estouro da bolha aos quadros que Van Gogh não vendeu em vida.
Acordo às seis e quinze da madrugada com o rádio-relógio berrando em meus ouvidos. Enquanto tomo café, tenho uma idéia genial para um texto. Contudo, preciso sair para uma reunião. Cinco horas depois, com os neurônios naturalmente distraídos, sobre o que mesmo iria escrever?
A primeira coisa que noto no garoto postado à frente dos carros é a ausência de sapatos em seus pés. Depois, as indefectíveis bolas de tênis em suas mãos. Pergunto-me: quem teria sido o primeiro pedinte a fazer malabarismos com bolas em uma esquina? Ah, se ele pudesse cobrar royalties pela idéia que criou… Mas enfim, tergiverso.
Percebe-se de cara que o garoto ainda peca pela inexperiência. De tão concentrado em jogar as bolas no espaço, esquece de coletar suas moedas. O som de uma buzina o arremete de volta ao planeta Terra: sinal verde, nenhuma esmola recebida. É o custo do aprendizado.
Quando vi Monica Vitti entrando em cena no filme A Noite, de Michelangelo Antonioni, meu coração passou a bater em ritmo de Olodum. Pudera: sua presença magnética mesmerizou meus sentidos. Mas o filme é de 1961, e eu sou apenas um pobre cinéfilo latino-americano. Que pena que nossa fulminante paixão platônica jamais foi concretizada!
Ok, eu sei que poderíamos ter alguns problemas de comunicação. Afinal de contas, do italiano só sei balbuciar algumas frases como “tutti buona gente”, “porca puttana” e “dá-me um Cornetto”. Enfim, nada que a boa e velha linguagem corporal não resolvesse. Pena, no entanto, que acabamos nos desencontrando de gerações. Pelo mesmo motivo meus promissores relacionamentos com Louise Brooks e Hilda Hilst não deram certo…
Simples assim: André se apaixonou por Dulce, e vice-versa. Mas Dulce era noiva de Marcos, e relutou em abandonar uma relação segura por conta de um impulso que poderia ser passageiro. Ficaram juntos duas, três vezes. Depois, pararam de se encontrar a pedido de Dulce, que não se sentia bem em trair seu noivo. André amargou alguns meses ouvindo Billie Holiday na penumbra de seu quarto, mas superou o baque.
Um ano depois, Dulce telefonou para André. O noivado havia sido rompido, ela não conseguira esquecê-lo durante esse tempo todo, etc etc. André também não esquecera de Dulce, mas aprendeu a conviver com sua ausência. Tanto que encontrou uma namorada, Bárbara, com quem vivia uma relação estável e feliz. Dulce quis marcar um encontro no Conjunto Nacional, lugar onde trocaram tantas palavras de paixão não-consumada. Por um instante André hesitou, perambulando na corda bamba da nostalgia. Mas acabou declinando do convite: não valia a pena buscar o pássaro voando.
Não era pra ser.
P.S. 1: Escrevi este texto originalmente em 2003. Por sugestão de um amigo, que lembrou deste artigo ao ler meu post sobre Houve uma Vez um Verão, ei-lo republicado aqui. ;)
P.S. 2: Hoje Gustavo Kuerten, o maior de todos os nossos tenistas, anunciou que encerrará sua carreira neste ano. Saber a hora de parar também é uma questão de timing.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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