Oração a Santa Edwiges
Por Alexandre Inagaki ≈ quinta-feira, 16 de outubro de 2003
Hoje é dia de Santa Edwiges, a santa dos endividados. Hoje, portanto, sua paróquia localizada no Sacomã, na Zona Sul de São Paulo, estará lotada de fiéis desempregados, com nome sujo no SPC e SERASA, sufocados com juros de dívidas ou carnês e crediários em atraso.
Santa Edwiges nasceu no ano de 1174 na região da Bavária, na Alemanha. Filha de nobres, casou-se aos 12 anos com o príncipe Henrique I da Silésia (região da Polônia), com quem teve seis filhos, e tornou-se duquesa. Ao lado do marido, custeou a construção de igrejas (por isso aparece, em muitos “santinhos”, segurando uma miniatura de igreja entre suas mãos). Também ajudava presidiários incapazes de quitar suas dívidas com os senhores feudais, saldando seus débitos e devolvendo-lhes a liberdade.
Aos 32 anos, fez voto de castidade, tendo seu desejo respeitado pelo marido. Quando enviuvou, em 1238, mudou-se para o Mosteiro de Trebnitz, na Polônia, onde sua filha Gertrudes era madre superiora. Lá, buscou viver com a mínima renda possível, doando o restante para pobres, doentes e idosos. A Duquesa da Silésia faleceu em 1243, aos 69 anos. Em 1267 foi canonizada pelo Papa Clemente IV, e tornou-se Santa Edwiges, padroeira dos pobres e endividados.
Milhares de fiéis passam pelas diversas igrejas de Santa Edwiges localizadas em todo o país, em especial nas de São Cristóvão, no Rio, e da Estrada das Lágrimas, em São Paulo. Em São Paulo, pães benzidos pelos padres são distribuídos ao final de cada missa celebrada.
Apesar de acreditar em Deus, sou cético com relação a religiões. Mas, ao ver manifestações como as dos devotos de Santa Edwiges, não posso deixar de recordar um verso de “Milagres do Povo”, composição de Caetano Veloso, que diz: “Quem é ateu e viu milagres como eu/ Sabe que os deuses sem Deus/ Não cessam de brotar, nem cansam de esperar”. A quem possui fé genuína em intervenções milagrosas capazes de fazer uma conta bancária sair do vermelho, eis a oração de Santa Edwiges:
Ó Santa Edwiges, vós que na terra fostes o amparo dos pobres, a ajuda dos desvalidos e o socorro dos endividados, e no Céu agora desfrutais do eterno prêmio da caridade que em vida praticastes, suplicante te peço que sejais a minha advogada, para que eu obtenha de Deus o auxílio de que urgentemente preciso: (diga aqui o pedido que você deseja fazer). Alcançai-me também a suprema graça da salvação eterna. Santa Edwiges, rogai por nós. Amém.”
Em tempo: o nome da santa também costuma ser usado em vão naquelas malfadadas correntes do tipo “envie cópia desta carta a vinte pessoas, caso contrário sua casa será invadida por um bando de bonsai kittens comedores de cérebros, a Amazônia será vendida para os Estados Unidos, que farão da floresta uma fazenda de minhocas para a produção de hambúrgueres do McDonald’s, e todos os seus dentes cairão menos um, sendo que este único dente doerá mais do que escorregar pelado em um tobogã de giletes pra cair em uma piscina de álcool”. Haja santidade para aturar tantas abobrinhas…
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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