O maior piloto de todos os tempos?
Por Alexandre Inagaki ≈ sexta-feira, 23 de abril de 2004
Tenho alguns amigos que simplesmente abominam a figura de Ayrton Senna. Embora discorde deles, não posso deixar de entender esse repúdio. Desde aquele nefasto acidente na curva Tamborello, sua figura passou por um processo de beatificação típico de um povo necrólatra e carente de heróis. Pudera, 11 entre 10 necrológios reiteram o inevitável clichê: “Senna foi a personificação de um Brasil vencedor”. De quebra, feito ícones da cultura pop como James Dean, Che Guevara e Jimi Hendrix, morreu precocemente, deixando em seus fãs a questão com gosto de “se…”: o que mais Senna poderia ter feito caso tivesse seguido em frente?
Muitos relativizam os feitos do piloto brasileiro dizendo que ele corria por uma escuderia inglesa, com motores japoneses e pneus franceses. Esquecem-se, porém, de recordar que suas maiores façanhas foram realizadas em corridas nas quais seu equipamento era claramente inferior ao de seus concorrentes. Vide, por exemplo, sua primeira vitória em um GP Brasil, em 1991, quando Senna completou as últimas voltas no autódromo de Interlagos apenas com a sexta marcha. Ou sua fantástica performance no GP Europa de 1993, no circuito de Donington Park, quando o piloto brasileiro ultrapassou quatro carros (dentre eles as Williams de Prost e Hill, as “Ferraris” daquela época) e completou em primeiro lugar aquela que é considerada a melhor volta de toda a história da F-1 (clique aqui para baixar o vídeo e exibi-lo aos céticos).
Pois bem, após assistir, na manhã deste domingo, a mais uma monótona corrida com mais uma monótona vitória de Michael Schumacher, não posso deixar de dizer que nunca vi um piloto de Fórmula 1 mais sortudo. Não quero desdenhar aqui de seu talento: por mais que eu desgoste do “chucrute voador” devido a inúmeras atitudes pouco desportivas cometidas em seu passado, não posso deixar de reconhecer que ele já faz parte, inequivocadamente, da galeria dos maiores corredores de todos os tempos. Ademais, o que dizer de um cara que deterá todos os recordes da Fórmula 1, inclusive o único que ainda não superou (número de pole-positions conquistadas, por enquanto ainda pertencente a Ayrton Senna)?
E no entanto é preciso recordar as sábias palavras de Nelson Rodrigues: é preciso ter sorte até mesmo para se chupar um Chicabon. Afinal de contas, ninguém está imune a tropeçar em um buraco na calçada ou deixar derrubar o sorvete no chão. Nesse requisito, afirmo sem pestanejar que Schummy é uma espécie de Gastão (aquele primo sortudo do Donald) do automobilismo: tudo deu certo para ele, a começar por sua primeira oportunidade na Fórmula 1. Após passagens discretas por outras categorias, o irmão de Ralf herdou uma vaga na Jordan após o piloto titular, o francês Bertrand Gachot, ter sido preso por conta de uma briga imbecil de trânsito. Convencido por dirigentes da Mercedes-Benz, que patrocinava então a carreira daquele jovem de 22 anos, Eddie Jordan deu a primeira chance ao alemão no GP da Bélgica de 1991 obtendo um desempenho razoável o suficiente para garantir vaga em outras corridas.
Treze anos depois, Schumacher amealha recorde após recorde após estar sentado no cockpit da melhor escuderia da Fórmula 1 há várias temporadas. Convenhamos: por mais talento que Schummy tenha, nem de longe ele deteria os recordes que atualmente possui se estivesse ao volante de uma B.A.R. ou Jordan. É bóbvio que o alemão teve o mérito de tomar as decisões certas nas horas certas, virtude que outros pilotos de talento tão evidente quanto Schumacher não possuíram. Um exemplo doméstico: Nelson Piquet, que, segundo reza a lenda, desprezou em 1984 uma oferta para correr na McLaren, escuderia que dominaria por completo os 3 campeonatos subseqüentes. Na época, Piquet já era bicampeão mundial (e conseguiria posteriormente mais um título em 1987 com uma Williams). Quantos títulos Nelson teria arrebatado caso tivesse assinado os contratos certos?
(Um parênteses: piloto realmente desafortunado foi o neozelandês Chris Amon, que disputou 13 temporadas na Fórmula-1 sem ter vencido uma corrida sequer. Detalhe: em 32 corridas Amon liderava a prova quando seu carro quebrou. E pensar que você ainda fazia piadas com o Barrichello…)
Outro aspecto fundamental: Schumacher nasceu na época correta. Enquanto as temporadas passadas viram disputas acirradas entre diversos pilotos (Senna correu ao lado de Prost, Lauda, Piquet e Mansell, por exemplo), o alemão não possui qualquer rival à sua altura. Mas, muito mais importante do que isso, Schummy compete em tempos nos quais disputar a F-1 tornou-se uma atividade bem mais segura.
Em 2004 a Fórmula 1 comemora exatos 10 anos sem que nenhum de seus pilotos tenha sido vitimado fatalmente. Para ser mais exato, desde aquele fatídico 1º de maio na curva Tamburello, que provocou mudanças radicais no aspecto “segurança”. Um exemplo: na época em que Senna morreu, os carros ainda não possuíam as chamadas “células de sobrevivência”, espécies de casulos que envolvem o piloto e são capazes de absorver impactos de mais de 4.000 quilos. Graças a elas, Schumacher escapou com vida do violentíssimo acidente que sofreu no GP da Inglaterra de 1999, quando bateu sua Ferrari a nada menos que 300 km/h. Para que se tenha uma idéia de como foi o impacto: quando chegou para socorrer Schummy, Alex Dias Ribeiro, que na época era piloto do carro médico da F-1, conta que os botões do volante estavam impressos na viseira do capacete do alemão, uma evidência do quão forte foi a batida da cabeça no painel de direção (por sorte, Schumacher “apenas” fraturou suas duas pernas).
(Mais um parênteses: para que se tenha idéia do quanto a Fórmula 1 evoluiu em termos de profissionalismo e segurança, basta recordar o mais pitoresco acidente da história. Durante o GP da África do Sul de 1977, o galês Tom Pryce atropelou um fiscal de pista que atravessou a pista imprudentemente para socorrer outro carro. Esse infeliz, que foi simplesmente destroçado pelo acidente, tinha nas mãos um extintor de incêndio que acertou em cheio a cabeça do piloto. Pryce teve morte instantânea e sua Shadow ainda percorreu a pista por cerca de 500 metros, até bater em outro carro e chocar-se no guard-rail. Você consegue conceber acidente similar acontecer na F-1 atual?)
Mas… e se Ayrton Senna tivesse escapado ileso daquele acidente? E se Nelson Piquet tivesse assinado contrato com a Williams em 1984? E se o bicampeão Jim Clark não tivesse disputado aquela corrida de F-2 em Hockenheim e chocado seu Lotus em uma árvore, dando fim a uma carreira na qual venceu 25 de 72 Grandes Prêmios disputados? E se Jackie Stewart, detentor de 3 títulos mundiais, revisse sua decisão de encerrar precocemente sua carreira depois da morte de seu amigo e companheiro de equipe François Cevert em 1973? Não importa: à fria contraluz das estatísticas, Michael Schumacher é o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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