Artigos da categoria: Crônicas
“A vida é boa e cheia de possibilidades”. O mantra do Inagaki aqui no Pensar Enlouquece sempre me chamou a atenção. A frase não tem nada a ver com pensar, muito menos com enlouquecer. Mas é bacana. Talvez exageradamente otimista, mas será que não é isso mesmo que um mantra deve ser? Não seriam essas frases, repetidas pra nós mesmos, uma forma de auto-hipnose destinada a nos fazer seguir em frente, confiantes em nosso sucesso? Não sei. Estou só especulando. Mas fiquei curioso. Por isso, resolvi pesquisar sobre o assunto.
O que é um mantra
A palavra mantra vem do sânscrito e designa um som que tem poderes psicológicos ou espirituais. Eles apareceram há 3 mil anos na Índia, criados por hindus. Mas muitas outras religiões curtiram o poder cósmico da bagaça e adotaram seus próprios mantras. Como aconteceu, por exemplo, no budismo.
O mantra “default” ou mais simples de todos é o ॐ, aquele símbolo que muita gatinha que faz yoga tatua nas costas. Esse é o “Om” ou “Aum”. Essa seria a representação do som ou vibração primordial da criação do universo. Ou seja, uma versão mais suave do Big Bang (com certeza, mais agradável e sonora do que ficar entoando “KA-BUUUUUUM!!”, por exemplo). Continue Lendo
Os dois se conheceram há uns 40 anos, ainda no tempo do Facebook.
Ele morava em Sidney, na Austrália.
Ela morava em Uruguaiana, no Brasil.
Ele apareceu para ela como sugestão de amizade.
Ela deu um trago no cigarro e clicou em sua foto, só de farra.
O perfil dele era aberto.
Escrevia em inglês.
Só depois de uma hora, ela decidiu clicar na solicitação de amizade.
Ela nunca tinha feito isso.
Pedir a amizade de um desconhecido.
Mas a rotina daquele dia tinha sido especialmente cansativa.
Foi a maior loucura que fez no dia.
Ela era tímida.
Sofria para se relacionar ao vivo.
A solicitação foi na velocidade da luz até os servidores do Facebook nos Estados Unidos e de lá, pulando diversos nós de rede, bateu na tela dele, que respondeu instantaneamente.
Ele não fumava.
Era extrovertido, adorava conhecer gente.
Raramente checava o Facebook antes de sair para o escritório.
Mas naquele dia teria tantas reuniões que resolveu checar ainda de casa.
Aceitou a amizade de uma brasileira desconhecida.
E foi assim que começou. Continue Lendo
Algumas das lembranças mais marcantes de minha infância são as viagens que minha família fazia à cidade onde meus avós maternos moravam. Inúbia Paulista é uma cidade pequeníssima do interior de São Paulo, localizada a 578 km da capital. Tem pouco mais de três mil habitantes, ou seja, quase a mesma população do Edifício Copan, no centro de São Paulo. Ou, para usar uma comparação menos paulistana, pode-se dizer que seriam necessárias quase vinte e cinco Inúbias para lotar um Maracanã.
A cidade é uma verdadeira válvula de escape da neurose urbana. Mas nunca foi uma Pasárgada para mim: uma semana em Inúbia era o suficiente para morrer de tédio com a falta de opções de lazer. Em compensação, até hoje é possível colocar uma cadeira no meio da rua, sentar nela e se deliciar, no meio da noite, com o frescor das brisas desbloqueadas de edifícios, e com a beleza que é poder vislumbrar um céu limpo e cheio de estrelas.
Um de meus passatempos prediletos era o “lançamento de chinelos”. Sentados na varanda da casa de meus tios Michiko e Tsutomu, eu e meus irmãos balançávamos as pernas a fim de impulsionar nossas havaianas em direção à calçada do outro lado da rua, quase sempre deserta. Descalços, corríamos depois para recolher nossos chinelos, desviando das bostas dos cavalos das carroças que eventualmente passavam.
Também ia muito à casa de meu avô, Shigueo, que criava porcos no quintal, geralmente destinados aos banquetes de Ano Novo. Gostava de arrancar folhas das bananeiras para alimentá-los, e depois ouvi-los mastigando a comida, quando eles oincavam de satisfação.
Mas meu passatempo predileto era assustar pombos. Continue Lendo
As peças do nosso quebra-cabeça estamos deixando, todos os dias, em lugares da internet dos quais já não nos lembramos, sob a guarda de termos de serviço que não lemos.
Talvez sempre tenha sido assim: nossos pais, avós e outros antepassados desconectados viviam o que aparecia pela frente, surfavam nas ondas do destino, de vez em quando deixavam uma delas passar porque estavam distraídos ou preguiçosos, e um dia morriam. De sopetão ou com aviso prévio, eles morreram quando o coração parou de bater, igualzinho vai acontecer comigo e contigo, ainda bem.
O que mudou, além da idade média e causas dessa mortalidade, é que eles deixaram de herança suas calças com a barra gasta de tanto arrastar, um sofá rasgado, a poupança ou as dívidas no banco, a gilete enferrujada na pia, um vinil na estante, a lista de compras na geladeira e quem sabe cartas secretas de uma antiga namorada no fundo da gaveta.
Depois de mortos, os utensílios de uso pessoal dessa gente sortuda iam para o lixo, os pertences úteis para um bazar e as cartas poderiam até quebrar o coração da viúva, mas então eram queimadas e desapareciam, ou apenas desbotavam. Os mortos viravam memórias, anedotas, jargões, princípios transmitidos indiretamente pelas lembranças subjetivas de quem participou de uma parte de suas vidas. Continue Lendo
Uma das muitas utilidades da internet reside em provar aos outros que não perdemos a sanidade ainda, inventando coisas das quais ninguém se lembra mais. Antes dela, por exemplo, seria quase impossível provar para outras pessoas que houve tempos nos quais supermercados vendiam vitaminas coloridas que vinham num pote de vidro, com o nome de Mastiguinhas, que eram perigosamente deliciosas. A ponto de obrigar minha mãe a guardá-las no armário mais alto da cozinha, caso contrário seriam devoradas sem dó até a última pastilha.
Há alguns anos, porém, toda vez que eu falava nas Mastiguinhas, descrevendo-as como pastilhas coloridas que tinham um gosto levemente azedo, mas muito saboroso, com um cheiro bom que impregnava inclusive o algodão que as protegia dentro do pote de vidro, meus interlocutores me encaravam como se eu fosse um abilolado falando de uma realidade oriunda do mundo imaginário da minha cabeça. Continue Lendo
Volta e meia digo que sou um cara “japaraguaio”, uma vez que prefiro pizzas e hambúrgueres a sushis e sashimis, só namorei gaijins, do idioma só sei falar bonsai, Honda, sayonara, Yoko Ono e olhe lá, e das minhas raízes nipônicas só devo ter herdado mesmo meus olhos puxados. Lamento, porém, esse afastamento de minhas origens. Me incomodava muito, por exemplo, a dificuldade que eu tinha em conversar com meus avós, comunicação feita aos trancos, barrancos e mímicas, nas quais um tentava adivinhar o que o outro queria dizer, sem muito sucesso. E me ressinto, em especial, de não ter conseguido conversar mais a respeito das histórias que eles teriam para compartilhar acerca dos primeiros anos em que, distantes da terra natal, meus avós se aventuraram por um país muito diferente do Japão que eles deixaram para trás a fim de buscar uma vida melhor.
Não foi fácil, em especial naqueles tempos em que “globalização” era uma palavra que sequer existia, adaptar-se a uma língua diferente, costumes muito diversos, o clima, hábitos alimentares e as dificuldades financeiras daqueles que, feito os meus avós, vieram para o Brasil buscando novas oportunidades em uma terra ampla, sem os estreitos limites geográficos do arquipélago japonês ainda incapaz de propiciar as chances necessárias para todos os seus habitantes. Continue Lendo
Em pesquisa realizada pelo Instituto DataMorf, mais de duzentas profissões diferentes foram citadas pelos entrevistados como candidatas ao posto de pior emprego do mundo, dentre as quais atendente de telemarketing (“vou estar encaminhando esta sugestão ao Macaco Chicão”, disse S.O.B., 20), lixeiro, proctologista, Presidente da República (“desde que assumi o cargo meus cabelos caem, mas antes fosse só isso, agora tenho que tomar Viagra pra dar conta da dona Marisa”, afirma L.I.L.S., 59), enfermeira de asilo, caixa de banco (“é quase como ser ginecologista, afinal de contas mexo o tempo todo com a diversão dos outros, só que sem a parte mais agradável”, compara esdruxulamente I.A., 31), vendedor de sapatos, guarda da FEBEM e coletor de esperma de animais de zoológico (“o pior de tudo é aturar as piadas de duplo sentido, que não são nada gozadas”, desabafa O.N.O., 69). Porém, dentre todas as profissões, cinco mereceram destaque especial, a saber:
5 - Greicikélio da Silva, 18, é faxineiro de uma casa de peep show em Copacabana. Em outras palavras: limpador de porra. E, pior, não é nem registrado em carteira.
4 - Carlos Poncherelo, 40, é policial rodoviário especializado em coletar restos mortais de animais atropelados na estrada. Experimente passar um dia de verão atendendo a chamados de todos os lugares do país, enquanto o processo de decomposição dos finados bichos segue à toda. Não à toa, seu prato predileto é espetinho de jiló com salada de tofu.
3 - Debbie Lloyd, 24, é limpadora de bundas de lutadores de sumô, homens que por evidentes razões adiposas possuem dificuldades para alcançar determinadas partes de sua anatomia. O trabalho é evidentemente uma merda, mas ao menos paga bem.
2 - Creedence Ramônio, 58, é técnico de som do grupo de pagode universitário Los Mauricinhos, (ir)responsáveis pelo atual hit número 1 da Gazeta FM, “Pagode na Daslu”. Antes, trabalhou com a dupla sertaneja Tristinho & Tristonho e a boy band New Kids on the Blog (conhecida pelos sucessos “Template da Paixão” e “Muito Lôko Seu Blog, Linka Eu Vai?”). Recentemente Creedence trabalhou na gravação de um DVD em tributo à obra de Arnaldo Antunes, tendo sido obrigado a ouvir por dez horas seguidas Preta Gil cantar (com arranjos de Jacques Morelembaum) os versos imortais “Macha fêmeo macha fêmeo fêmeo macha/ Cérebra caralha baga saca pescoça prepúcia ossa/ Nádego boceto têto côxo vagino cabeço boco/ Corpa moço dentra foro moça/ Orgasma coita palavro sexa goza/ Liberal gerou”.
1 - Horinando Brasilino, 27, é limpador de esgotos. Experimente mergulhar em um fosso repleto de toneladas de merda humana, a fim de liberar canos entupidos por causa de absorventes ou camisinhas usadas. Horinando até já se acostumou com essa rotina, mas não se conforma com o fato de a firma não oferecer assistência odontológica nem pagar horas extras. Assim já é demais!
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P.S.: Texto originalmente publicado no site Morfina.
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