Minha tia de Inúbia

Por Alexandre Inagakidomingo, 14 de outubro de 2007

Acordei na manhã deste domingo recebendo a notícia de que minha tia Michiko faleceu. Dela, que será sempre lembrada por mim como a “tia de Inúbia” (cidade onde ela morava), guardo inúmeras lembranças alegres. Lembro, por exemplo, dela enchendo nossos copos com Coca-Cola durante as refeições em que eu, meus irmãos e primos estávamos reunidos à mesa. Eu não agüentava mais uma gota sequer de refrigerante, mas mesmo assim minha tia insistia em me “embebedar” de Coca e de falar para que eu comesse mais, porque eu estava muito “magrinho”. Bons tempos nos quais eu era magro, minha tia nos recebia com toda a generosidade do mundo, feliz com nossas visitas ocasionais (íamos a Inúbia Paulista apenas uma vez por ano), e a vida soava menos complicada do que efetivamente é.

Nos últimos anos minha tia padecia de Mal de Alzheimer, talvez a mais cruel das doenças, por carcomer paulatinamente nossas memórias, descolorindo-as até o ponto em que nada mais resta a não ser perguntas cujas respostas são imediatamente esquecidas. Porém, minha tia, minha querida tia de Inúbia não teve tempo de chegar a esse estágio. E hoje, enquanto rascunho estas linhas pouco após ter adiantado em uma hora os relógios da casa por causa do horário de verão, penso na inexorabilidade do tempo e em uma declaração do grande Paulo Autran sobre a “indesejada das gentes”: “Eu acho que a morte é que faz a vida ser tão boa. Você já imaginou que horror viver eternamente? Não poder morrer? Não poder acabar? E é por isso que viver é tão bom, é tão impressionante, é tão prazeroso”.

Nós, que aqui estamos, prosseguimos nossa estada por este mundo com a saudade encalacrada no peito, e a tristeza por saber que mais uma pessoa querida não nos fará mais companhia a não ser em nossas lembranças e pensamentos. Ficam a saudade, um sorriso dolorido e a imensa gratidão que jamais expressei verbalmente por alguém que iluminou e enriqueceu minha vida. Minha tia de Inúbia, que tive a sorte e a felicidade de conhecer.

* * * * *

P.S. 1: Em 1999, escrevi uma crônica inspirada em algumas reminiscências dos tempos em que eu e meus irmãos passávamos férias em Inúbia Paulista na casa de meus tios Michiko e Tsutomu, intitulada Pombos Urbanos.

P.S. 2: A morte de Paulo Autran originou um belo post do dramaturgo Leo Lama, filho de Plínio Marcos. Recomendo ainda conferir uma homenagem postada no YouTube pela usuária Luka1231, na qual o excepcional ator declama o poema Retrato, de Cecília Meireles.

P.S. 3: Amor é a religião definitiva.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • Pingback: Pombos urbanos - Pensar Enlouquece, Pense Nisso

  • ana

    “o amor é a religião definitiva”
    é isso…o amor é a unica coisa que faz sentido na vida, um abraço

  • Jottae

    Sei bem o que é perder uma pessoa querida da familia e não é facil, más a vida continua.
    Tambem tive a sorte de nascer com bons tios tias e toda a familia como você e guardamos muitos momentos junto a estas pessoas, gestos simples mas que para nos significavam muito, este gesto de encher o copo toda hora mesmo já estando de barriga cheia me lembra muito a minha vó, que era uma mulher batalhadora e um exemplo de ser humano, e que fazia a mesma coisa, sempre me entupindo d comida, enquanto meus pais diziam que estava bom, ela sempre estava do meu lado.
    “Quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só.”

  • http://www.ana-cher.blogger.com.br Ana

    Sinto pela sua Tia de Inúbia…

    Mas a última frase do seu post me marcou. :)

  • http://casadocacete.blogspot.com Aline T. H.

    Sinto muito, Ina, só hoje li. E fico feliz que as boas memórias povoem seus pensamentos quanto a sua Tia, e que seja sempre assim. Perdi meu avô com Alzheimer há seis anos (a completar dia 20 agora) e ele chegou a ter esquecimentos bárbaros… sei como é. Mas nem a doença cruel nem nada vão te roubar a sua Tia de vc, com certeza.
    Beijo grande.

  • http://www.circulando.com Cláudio Rúbio

    Ei, senhor, meus sinceros sentimentos.
    A maior bênção em uma família é haver o amor que preserva todas as histórias vivas, ainda que a doença apague memórias.
    Serenidade a vocês. Muita luz no caminho dela.
    Abraços.

  • Mônica Oliveira

    faça o favor de se identificar, caso seja um desses menininhos bonitinhos.
    mônica.

  • Diego Goes

    Sinto muito, Inagaki.

  • http://www.cintaliga.org Patrícia Köhler

    Ina, eu adoro a sua crônica Pombos Urbanos. Lembro de ter imprimido e dado pra um monte de gente ler, à época em que você a escreveu.
    Ah, o blog do Leo Lama é muito bom. Leio sempre que dá. :-)
    Paulo Autran, Paulo Autran… que coisa… fiquei bastante triste com a morte dele. E o Tuca me falando: “ah, mas ele viveu bem, fez o que gostava” e etc… Mas pra mim, ainda que concorde com isso, acho que pessoas como ele, tão produtivas e lúcidas (e se locomovendo bem), deveriam viver por muitos, muitos anos. Estava vendo há pouco o Roda Viva com ele (foi gravado em 2002) e em muitos momentos me deu um nó na garganta… que pessoa mais tudo de bom. Uma declaração melhor que a outra.
    Ah, sorte sua ter uma tia tão especial. Fique com as boas lembranças. :)
    Beijos. ;)

  • http://www.semprejosy.blogspot.com Josy

    Meus pesames…
    Voltarei depois…

  • http://avessoedireito.blogspot.com Clarice

    Ina, pode ter certeza de que ela sabia do seu carinho, mesmo não verbalizado. Tias sabem disso desde sempre! Imagine quantas alegrias você deu a ela!
    Partir sempre dói um pouco, não importa o tempo que ficaremos distantes. O melhor lugar para colocar quem se ama com essa ternura que li em suas palavras é exatamente ali onde você a colocou: no seu coração.
    Beijim.

  • http://www.meubanzo.blogspot.com Mariana

    “(…) Em suas casas eles não têm relógios. No lugar deles, ouvem as batidas dos seus corações. Eles sentem os ritmos de seus humores e desejos. Essas pessoas comem quando sentem fome, vão para o trabalho na hora em que despertam do seu sono e fazem amor a qualquer hora do dia. (…)”
    * Trechinho do livro Os Sonhos de Einstein, de Alan Lightman
    Esse é um tempo…
    Muito bom seus textos, parabéns!
    Mari

  • Julio Leal

    Salve! Achei seu Blog por acaso hoje. Mas, mesmo sem conhecê-lo e nem você a mim. Meus sinceros sentimentos a respeito de sua tia. Eu também já tive experiência semelhante, e sei como é. Mas ela não morreu, ela sempre estará viva na memória do seus entes que queriam bem. Tenha uma semana tranquila.

  • http://stulzer.net/blog Rodrigo Stulzer

    Tias que adoram crianças e avós são bençãos para crianças. E você só tem a grande visão disso quando vira pai e quando elas partem.
    Que ela esteja dando coca-colas para várias crianças lá no céu :-)

  • http://attu.typepad.com/universo_anarquico/ tina oiticica harris

    O tema “Tempo” aliado à inexorabilidade do Mal de Alzheimer invade o âmago de minh’alma. Onde você diz “amor” eu digo “paz”. Ao som de Macalé no “Movimento dos Barcos”.
    Ainda bem que tua tia partiu mas as lembranças ficam.
    Vida eterna foi a praga do Dorian Gray, não?
    Bom dia, Alexandre Inagaki

  • http://nao2nao1.com.br Gustavo Gitti

    “Amor é a religião definitiva.”
    É isso aí, Mr. Dalai Lama!!! Gostei de ver isso por aqui.
    Abraço!

  • Lucia Freitas

    Inagaki…
    Te ler é sempre descobrir um diamante, ouro e similares pela web. E lá foi mais um blog para o agregador… Santo homem!
    bj

  • http://metamorfosepensante.wordpress.com _Maga

    “O mundo inteiro teme a própria vida. A morte é coisa que não é nossa. Mas a vida, a vida é, e eu morro de medo de respirar.”
    [ Clarice Lispector ]

    “Descobri o amor agora. E amar é a maior emoção de um homem pode sentir na vida. Não quero morrer; quero viver muito. Quero ser eterno. Pra você, que não ficou sabendo o que é amar, a morte não é uma dor, nem uma perda.” p. 38, Alcione Araújo, Urgente é a vida

    “”Pois bem, então morrerei.” Mais cedo do que os outros, evidentemente. Mas todos sabem que a vida não vale a pena ser vivida. No fundo, não ignorava que tanto faz morrer aos trinta ou aos setenta anos, pois, em qualquer dos casos, outros homens e outras mulhres viverão, e isso durante milhares de anos. Afinal, nada mais claro. Hoje, ou daqui a vinte anos, era sempre eu quem morria. Neste momento, o que me pertubava um pouco no meu raciocínio era essa frêmito terrível que sentia em mim ao pensar nesses vinte anos que faltavam para viver. O que tinha a fazer era sufocar esta sensação, imaginando o que seriam os meus pensamentos daqui a vinte anos, quando, apesar de tudo, chegasse a hora. A partir do momento em que se morre, é evidente que não importa como nem quando.” p. 117-118, Albert Camus, O Estrangeiro.

    “Quero morrer com vida. Juro que só morrerei lucrando o último instante. Há uma prece profunda em mim que vai nascer não sei quando. Queria tanto morrer de saúde. Como quem explode.” p. 55, Clarice Lispector, Água Viva

    minha visão sobre o assunto:
    http://metamorfosepensante.wordpress.com/2007/07/01/o-que-e-morte/

    Falo demais hoje, porquê frente a morte não temos nada a dizer. Torno-me prolixo frente a ela, para fingir que ela não espreita cada gesto meu, cada gesto nosso. Para fingis que nas nossas cicatrizes são todos remédios paliativos: ela é a única cura definitiva para as nossas dores, e por isso mesmo ela é a única dor que importa.

    Deixo-te um abraço para que sinta-se, no aconchego da pausa da respiração de outro corpo, vivo e amado.

    Beijos

  • http://www.interney.net/blogs/hedonismos Donizetti

    O que posso dizer é que sinto mto, e que estamos aí para o que for preciso… Um grande abraço.

  • http://www.morroida.com.br Fabião Morróida

    Meus sentimentos e força, Ina :’(

  • http://www.saberebomdemais.com Ester

    Pessoas que amamos e que foram referência de nossa infância vão indo embora aos poucos. Torná-las vivas dentro de nós através de doces lembranças, pode não trazê-las de volta mas torna a dor da perda mais amena…
    Passei por isso há pouco tempo…
    Meus sentimentos Inagaki…
    Abraço!

  • http://www.zephyrusprana.worpress.com Marcelo Bueno

    “Engraçado”, acabei de voltar naquele post que copiei de você falando de D’us. Clico no crédito e fico sabendo que você hoje também perdeu uma pessoa querida.
    Sua tia era como a minha vó e a minha mãe: comida = afeto. Não há como entrar em casa e não ser empanturrado com o que estiver pronto ou com o que irá pesar na sua consciência por ter sido feito especialmente para você, o que sinaliza a impossibilidade de ser recusado.
    Você pode não ter expressado a sua gratidão antes, mas fez agora e certamente a mensagem chegou ao seu destino. É dito que a gratidão é a porta que dos dá acesso a D’us. Que Ele ofereça hoje para você o mesmo ombro que me ofereceu naquele dia primeiro.
    Grande abraço
    Marcelo

  • http://www.tarjapreta.org Luiz Jeronimo

    Esse ano, logo no início dele perdi um tio. E tão trágica quanto sua morte, foi o tipo de vida que o mesmo teve, talvez por opção ou pela falta de; não sei dizer com precisão.
    Até então não havia perdido alguém assim, próximo demais. E empiricamente falando, só posso concordar com o excerto de Paulo Autran, de que a vida é ainda mais magnífica por causa da morte. Não por fascínio, mas por supervalorização.
    Se precisar, força Inagaki.

  • http://www.ronaldocamacho.com.br Ronaldo Camacho

    Legal o texto dos pombos. Não conhecia a cidade, mesmo tendo nascido não muito longe dali.

  • Mariângela de POA

    Creio que estas lembranças da infância nas casas de tias queridas,dos avós, tomando porres de coca e brincando de montão com os primos são sempre as mais queridas e as mais doces também, apesar da perda sentida te desejo uma boa semana,um beijo!

  • Sphink

    Ainda sobre o Paulo Autran, vale a pena conferir este post no Mundo Gump:

    http://www.mundogump.com.br/2007/10/13/como-eu-aprendi-a-gostar-de-paulo-autran/

    Especialmente os links para os pacotes que o Nelson Antunes montou…

  • http://www.kraniokru.blogspot.com Marcos

    Que descanse em paz. Meus sinceros sentimentos.

  • http://ideiasnajanela.blogspot.com Kandy

    Entender (e aceitar) a morte não é fácil. Dá um nó todo apertadinho dentro da gente, causando uma angústia que copo de Coca-Cola nenhum dissolve. Lembrar-se com carinho da sua tia é eternizar essa saudade. Um consolo.
    Fique bem. Um beijo.

  • http://intensidade.wordpress.com Thahy

    nossa…
    casa da tia…algo inefável…
    a morte…nosso unico misterio.
    lindo, lindo.

  • Anônimo

    Meus pêsames, Ina. :(

  • http://http:/diariodelaoxitocina.blogspot.com Cíntia

    Sabe Alexandre, por mais natural que seja a morte acho que sempre vai ser difícil se confrontar deperto com ela, pelo menos para mim. Mas quando morre alguém especial na vida da gente, alguém que ensinou, que inspirou, acredito que o que se há de pensar é quanta sorte tivemos de que o acaso nos permitisse dividir parte da nossa existência com essas pessoas e esperar que possamos fazer bom uso desse aprendizado, afinal o que somos também se deve a elas. Eu vivo longe de grande parte das pessoas mais importantes da minha vida, e nao posso negar que esse seu post provocou muita emoçao em mim ao lembrar de todos os que eu nao tive nem terei a ocasiao de me despedir. Me resta desejar que a sua tia descanse e que você possa guardar o tesouro das memórias que ela deixou. E queria terminar com uma citaçao (é de memória, desculpe algum erro) do Mario Quintana que costuma me aliviar nesses momentos: “A morte é a liberaçao total, é quando podemos, por fim, estar deitados de sapatos”.
    Abraço

  • http://www.oficinadeestilo.com.br/blog Fernanda

    embriaguez de coca-cola na casa da tia é um clássico de toda infãncia, não?
    (e eu super acredito nessa religião.)
    =)

  • http://locutorius.blogspot.com simone

    as pessoas seguem sempre existindo dentro da gente…um beijo e um domingo tranquilo pra vc!

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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