Futebol
Por Alexandre Inagaki ≈ sexta-feira, 09 de junho de 2006
O tempo passa no cronômetro e no placar eletrônico;
na aflição do time em busca do gol premente;
nas rugas do jogador que sai vaiado pela torcida;
na tensão do atacante na hora do pênalti;
no nervosismo do treinador alinhavando desculpas amarfanhadas;
no desconforto do artilheiro que não marca há várias derrotas;
na dor do torcedor que volta para casa envelhecido
carregando em cada perna o peso indelével da frustração.
Instável como técnico no cargo ou juvenil no time titular,
a vida ignora qualquer tática ou esquema de jogo.
E não adianta designar volante para marcação homem-a-homem
porque ela nos escapa, feito bola molhada nas mãos do goleiro,
com a graça de moleque que dribla toda a defesa:
desenho de luz no verde gramado.
Subterfúgios também não vão colar, colega.
Fazer cera, retardar os tiros-de-meta,
simular contusões com artes de canastrão,
trocar passes estéreis de um lado para outro afirmando “valorizar a posse da bola”.
Cada momento será devidamente compensado nos descontos.
(O bandeirinha delator, o goleiro solitário,
o dirigente exaltado, o treinador teórico,
o gandula torcedor, o reserva conformado,
todos tecem vasta confusão de pernas, socos e palavrões no espaço,
estranha cerâmica no meio-de-campo.)
Esta competição, amigo, tem regras rígidas:
tão criticadas, tão vilipendiadas,
mas inevitavelmente obedecidas por todos.
Neste regulamento não há tapetão.
Futebol é paciência.
Agüentar as vaias uníssonas de hormônios desafinados.
Jogar sob a chuva pesada, o gramado pesado, a cabeça pesada.
Aturar as contas atrasadas e os bichos pagos com cheque sem fundo.
A semana na concentração longe da família.
O papo arrastado das preleções, o banco de reservas,
as perguntas imbecis dos repórteres.
Mas tudo logo se olvida e se justifica.
E como dá gosto de ver as arquibancadas lotadas,
as bandeiras tremulando, os fogos estralejando no céu.
O juiz já lançou a moeda pra o alto,
é hora de acabar o aquecimento
e entrar em campo com o pé direito.
Agora é hora de beijar a chuteira, fazer o sinal da cruz,
posar para as fotos do pôster,
rezar com os companheiros
e aguardar infinitamente pelo minuto de silêncio
que ninguém sabe por quem é.
Boa sorte, irmão.
E que tarde muito até que chegue o temido, o inevitável,
o inapelável Apito Final.
P.S.: Eis a minha nova coluna na Rock Press: Caiu na rede é gol!
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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