Artigos da categoria: Contos

Solidão Moderna

Por Mentor Muniz Netoquarta-feira, 08 de janeiro de 2014

Os dois se conheceram há uns 40 anos, ainda no tempo do Facebook.
Ele morava em Sidney, na Austrália.
Ela morava em Uruguaiana, no Brasil.
Ele apareceu para ela como sugestão de amizade.
Ela deu um trago no cigarro e clicou em sua foto, só de farra.
O perfil dele era aberto.
Escrevia em inglês.
Só depois de uma hora, ela decidiu clicar na solicitação de amizade.
Ela nunca tinha feito isso.
Pedir a amizade de um desconhecido.
Mas a rotina daquele dia tinha sido especialmente cansativa.
Foi a maior loucura que fez no dia.
Ela era tímida.
Sofria para se relacionar ao vivo.
A solicitação foi na velocidade da luz até os servidores do Facebook nos Estados Unidos e de lá, pulando diversos nós de rede, bateu na tela dele, que respondeu instantaneamente.
Ele não fumava.
Era extrovertido, adorava conhecer gente.
Raramente checava o Facebook antes de sair para o escritório.
Mas naquele dia teria tantas reuniões que resolveu checar ainda de casa.
Aceitou a amizade de uma brasileira desconhecida.
E foi assim que começou. Continue Lendo

Amar hemburresce

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 09 de março de 2012

Como todos sabem, homens não são muito providos de inteligência natural. Apaixonados, então, tornam-se mais abobados ainda. Quando Alechandre viu Sessília pela primeira vez, seus olhos foram imediatamente fisgados. Nada como um belo par de pernas, cabelo chanel, mamilos querendo rasgar uma blusa justa e um sorriso sugestivo para ruir toda a racionalidade de um homem. Quando Alechandre encontrou Sessília pela primeira vez na pista de dança daquele barzinho, ele poderia jurar que todas as bocas se calaram, todas as estrelas se apagaram, o mundo todo caminhou na ponta dos pés e todas as rádios interromperam suas programações só para tocar The Killing Moon.

Mas enfim, amar é decretar uma chacina de neurônios. Continue Lendo

Bons Amigos

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 06 de julho de 2007

Torneiras abertas à toa. Leila, eu ainda não tô bêbado, relaxa. Quando eu me levantar desta mesa e gritar pra todo mundo que encontrei a Resposta Definitiva, aí sim é motivo pra você começar a se preocupar, ok? Teve uma vez que bebi tanto que achei que tinha virado médium, incorporei o Nietzsche, a Rita Hayworth e o Wilson Grey na mesma noite. Meus amigos sentiram que era hora de me arrastar pra casa quando comecei a cantar Put the Blame on Mame e a fazer um strip no meio do velório. Mas eu tô bem, eu tô bem. Do que é que estava falando? Ah sim, torneiras.

O problema deste mundo são esses amores não-correspondidos e desperdiçados a toda hora, entende? Como paixões que são despertadas negligentemente, ilusões platônicas que acabam com gosto de soco na alma, noites de sexo mal interpretadas, amores exilados que não encontram seu lugar no mundo, como peças extraviadas de um quebra-cabeça. O problema todo se resume nisso: corações e cérebros não falam a mesma língua. A vida seria muito menos dolorida se a gente tivesse o dom de se apaixonar por aquela pessoa que nos oferece o coração. Deveria ser tudo questão de um clique, e pronto: aquele amigo que a gente só consegue enxergar como confidente assexuado se transformaria no príncipe encantado. Mas não, não neste rascunho porco de mundo em que vivemos. Quem sabe na versão 2.0. Continue Lendo

A Porta

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 24 de novembro de 2006

O post de hoje traz um conto escrito por Alex Castro. Responsável por um dos blogs mais conhecidos do Brasil, Alex mora atualmente em Nova Orleans, onde desfruta de uma bolsa de estudos. Segundo suas próprias palavras, ele é um cara feliz. Nas horas vagas, come, dorme, transa, faz pães, fuma cachimbos, beija pés, brinca com seu cachorro, lê, escreve, passeia, explora, transa e experimenta. O quê, eu não sei: melhor perguntar a ele.

Mas, como você poderá constatar alguns scrolls abaixo, Alex também é um escritor que conhece como poucos seu ofício. “A Porta” segue à risca os ensinamentos de mestre Júlio Cortázar, que dizia: “Enquanto no romance você conquista o leitor por rounds, no conto você deve abatê-lo por nocaute“. E, de fato, Alex Castro leva à lona seus leitores. Não apenas em “A Porta”, como também nas quatro outras narrativas que compõem o livro Onde Perdemos Tudo, à venda de forma pouco usual no Brasil, onde são raros os internautas dispostos a pagar algo por conteúdo (por melhor que ele possa ser): e-book, em formato PDF, por meros 7 reais ou 3 dólares (procedimentos devidamente explicados nesta página). A seguir, uma amostra grátis deste autor que, como disse Zander Catta Preta, é um filho da puta que escreve bem, desgraçadamente bem. Bom nocaute.

* * * * *

A Porta

Jesus respondeu: Façam todo o esforço possível para entrar pela porta estreita, porque eu lhes digo: muitos tentarão entrar, e não conseguirão. Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar a porta, vocês vão ficar do lado de fora. E começarão a bater na porta, dizendo: ‘Senhor, abre a porta para nós!’ E ele responderá: ‘Não sei de onde são vocês’. E vocês começarão a dizer: ‘Nós comíamos e bebíamos diante de ti, e tu ensinavas em nossas praças!’ Mas ele responderá: ‘Não sei de onde são vocês. Afastem-se de mim‘”. Lucas 13, 23-27

A most melancholy voice sobbed, ‘Let me in - let me in!’ ‘Who are you?’ I asked, struggling“. Lockwood, em Wuthering Heights, de Emily Brontë

Amanda e eu nos conhecemos na boate. Não dentro: na porta.

Eu pastoreava uma matilha de amigos, todos pavlovianamente vestidinhos no melhor estilo da estação, e só eu de roupas coloridas. Amanda nos relanceou um olhar e sentenciou: todos entram, menos o aloha. Camisa florida aqui, nunca.

Eles escorraçaram-se para dentro e eu não ranqueei um segundo olhar de Amanda. Resignado, carreguei minhas frustrações para casa.
Correram algumas semanas e a tribo decidiu, num supetão, voltar à boate. Como sempre, eu estava fantasiado de eu-mesmo e carimbei: aquela ruiva vai me deixar na porta de novo. Eles me tranqüilizaram: imagina!, se eu fosse barrado, iríamos todos para outro lugar, e muito melhor!

Amanda me farejou de longe e não tirou as narinas de mim. O pessoal pressentiu: a ruiva da porta está toda aberta pra você. Assentamos mais de hora na fila e Amanda sempre me desviando olhares sonegados. Quando chegou nossa vez, chicoteou: os amiguinhos com estilo, entram, o camisa-florida, fica. E não me olhou mais.

Os amiguinhos, aqueles putos, nem tossiram: tinham esbarrado com a Alicinha na fila, combinaram de se esbarrar mais lá dentro, e você viu a bunda da Alicinha hoje?, não podiam deixar a bunda da Alicinha na mão!, e entraram. Eu, mais uma vez, me deportei de volta pra casa.

No mês seguinte, meus mui-amigos planejaram com antecedência uma nova ida à boate. Eu não queria participar, mas houve pressão. Aparentemente, a bunda da Alicinha estaria lá. Por sorte, tia Eulália morrera no ano anterior e eu tinha algumas roupas escuras no armário.

Depois da hora ritual de fila, os suplicantes chegaram diante do oráculo. Os olhos de Amanda sussuraram, discretíssimos, que me reconheciam, mas o resto de seu corpo preferiu não se comprometer. Fez um gesto soberbo e ganhamos entrada, sem burocracias.

Tirando o bundão da Alicinha - realmente fenomenal, mas melhor apreciado diariamente, de nove às onze, no posto seis - a boate era a estampa de qualquer outra: escura, ensurdecedora, emaranhada, esfumaçada.

E, por entre a fumaça, logo vi o cabelo malagueta de Amanda marchando com diligência, olhando para o escuro, estalando os saltos. Pensei: está a minha espreita! Mas não: ventou por minha mesa duas vezes e não fez nada. Por fim, fez. Ocupou a cadeira à minha frente e desferiu: eu não devia ter te deixado entrar. Você nessas roupas é a profanação de um lugar sagrado. E a culpa é minha. Daqui a duas horas, o movimento some e eu estou liberada. Me espere aqui e vamos entrar em um lugar muito melhor. E entramos.

Nossos dois anos de casamento foram delirantemente felizes, até o dia em que eu estava tomando banho e ouvi, por entre a água, o som da chave na fechadura. Só Amanda tinha a chave. Fechei a água e chamei: Amanda? Ela uivou: sou eu, sou eu, abre a porta, por favor, me deixa entrar. Tudo bem?, eu quis saber, ainda no chuveiro. A essa hora, ela deveria estar no trabalho. E por que sua chave não funcionava? A resposta veio num estalo: abre essa porta agora, rápido.

Pinguei pelo banheiro, correndo, mal encostando a toalha no corpo, tocou o telefone e nem atendi, mas a secretária atendeu:

Alô? Tem alguém em casa?, implorou a voz. Era Norma, colega de trabalho de Amanda. Atende, por favor, suplicou e, então, desabou: meu deus, não sei o que fazer, a Amanda, ela, nós estávamos tentando entrar no ônibus, o motorista não parou, ela foi correr atrás, tentou pular pela porta aberta e o motorista fechou a porta na hora, ela ficou com o braço preso, foi sendo arrastada, meu deus, meu deus!, e eu, já enxuto, me aproximei do telefone, mas não atendi, olhei a porta, mas não abri, coloquei a mão sobre a secretária e senti sua vibração: eu corri atrás do ônibus, não acredito que estou contando isso para uma secretária, você não está aí?, não sei o que fazer, eu corri atrás do ônibus, vi a Amanda sendo arrastada pela rua, ela gritou o tempo todo, eu também, os passageiros gritaram, mas o motorista não parava, não parava, até que parou, parou e fugiu, mas ela já estava morta, morta, e estou aqui do lado do corpo, preciso de voc-clique.

No silêncio, ouvi a respiração canina de Amanda do outro lado e caminhei até lá. O som do meu celular tocando chamou sua atenção e ela se achegou à porta, me deixa entrar, por favor, eu preciso entrar, eu preciso te ver, e passou os dedos sensualmente em volta do olho mágico, como se alisando meu rosto, aqueles dedos de unhas longas e negras que sempre me excitaram.

Acariciei a maçaneta, que soluçou mecanicamente ao meu toque. Amanda eriçou as orelhas e ganiu: por favor, eu não quero ir embora, você prometeu que iríamos ficar juntos pra sempre, que me protegeria e me acompanharia, não pode me largar aqui fora, eu te peço.

Me espalmei contra a porta como uma lagartixa e fiquei apreciando Amanda, registrando cada poro, cada pestana, sentindo ainda o aroma cítrico do seu sabonete de limão, embalado pelo som frustrado da chave na fechadura, chorando lágrimas secas.

Algum tempo depois, sumiu. Só fui vê-la de novo quando reconheci o corpo.

Praia do Meio, Trindade, Paraty, 2 de agosto de 2004

Os Outros, Os Outros Anos, O Mesmo Sonho

Por Alexandre Inagakidomingo, 19 de novembro de 2006

Antes de mais nada, é bom explicar que o texto abaixo não é de minha autoria, e sim de Carlos Eduardo Lima, que acaba de lançar seu romance de estréia. Enquanto não aterrissa nas livrarias, “Vestido de Flor” já pode ser adquirido através de seu site, com a vantagem especial de ser enviado para a sua casa com uma dedicatória do autor. Eu, que tive o privilégio de escrever o prefácio do livro, decidi postar a crônica abaixo (publicado anteriormente no Scream & Yell) como uma espécie de aperitivo para aqueles que ainda não conhecem os textos deste cara que, além de crítico musical, é escriba de mão cheia e autor de um dos melhores romances de estréia que li nos últimos anos. Não à toa, encerrei meu prefácio a “Vestido de Flor” com esta frase: “Carlos Eduardo Lima é um cara que escreve com a paixão de quem ouve uma música com os olhos fechados, as asas abertas feito um coração dependurado na corda bamba“. Aprecie sem moderação.

* * * * *

Houve um tempo em que um dos meus sonhos mais acalentados era receber uma fita-cassete gravada de uma ex-namorada que tivesse me feito sofrer bastante. E nesta fita deveriam estar algumas canções importantes dos tempos idos, alguns pedidos de perdão implícitos, sendo que a primeira música do lado A deveria ser Os Outros, do Kid Abelha. Sim, é isso mesmo.

Por quê? Porque Os Outros é, sem dúvida nenhuma, um dos mais intensos e fiéis retratos de uma relação de namoro que já foram feitos na língua portuguesa em muito tempo. Exagero? Pode ser, mas vamos entender os fatos. Continue Lendo

This is love

Por Alexandre Inagakisegunda-feira, 06 de novembro de 2006

Hoje não quero mais pensar, e imagino como seria bom estar na pele daqueles hare krishnas que passam o dia inteiro entoando aqueles mantras hipnóticos, hare hare hare hare, esvaziando a cabeça de qualquer manifestação supérflua dos neurônios, esses bichos amaldiçoados que jogam squash na quadra do meu crânio. Ah, que inveja dos cachorros que sorriem como naquela canção do Roberto, arfando com a língua de fora, despreocupados feito velhos hippies emaconhados, pedindo migalhas de brownie em troca de carinho ilimitado, sem aquelas cobranças exasperantes, “você me ama?”, “você me ama?”, maldito mantra dos amantes inseguros. Elos de ligação, chuvas molhadas, monopólios exclusivos, amantes inseguros, minha mente enfileira uma série de redundâncias pleonasticamente repetitivas, e eu sei que tudo não passa de subterfúgio barato para driblar essa saudade que me come por dentro feito um Alien recém-nascido. Mas eu só sei que nada sei, baby.

O café já esfriou, a piada perdeu a graça e as batatas fritas murcharam. A noite está tão quieta que chego a ouvir o ponteiro dos segundos se arrastando no relógio. Ligo a tevê para abafar o barulho do silêncio, recordando com saudade dos tempos em que assistia a comerciais de facas Ginsu e meias Vivarina, nada poderia ser mais eficaz para desligar as tomadas da minha cabeça, bastava sentar na poltrona, relaxar e acionar o screen saver do meu cérebro. Mas agora está passando um filme do Truffaut, e o que menos quero é pensar no delírio consciente da paixão. Continue Lendo

Futebol

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 09 de junho de 2006

O tempo passa no cronômetro e no placar eletrônico;

na aflição do time em busca do gol premente;

nas rugas do jogador que sai vaiado pela torcida;

na tensão do atacante na hora do pênalti;

no nervosismo do treinador alinhavando desculpas amarfanhadas;

no desconforto do artilheiro que não marca há várias derrotas;

na dor do torcedor que volta para casa envelhecido

carregando em cada perna o peso indelével da frustração.

Instável como técnico no cargo ou juvenil no time titular,

a vida ignora qualquer tática ou esquema de jogo.

E não adianta designar volante para marcação homem-a-homem

porque ela nos escapa, feito bola molhada nas mãos do goleiro,

com a graça de moleque que dribla toda a defesa:

desenho de luz no verde gramado.

Subterfúgios também não vão colar, colega.

Fazer cera, retardar os tiros-de-meta,

simular contusões com artes de canastrão,

trocar passes estéreis de um lado para outro afirmando “valorizar a posse da bola”.

Cada momento será devidamente compensado nos descontos.

(O bandeirinha delator, o goleiro solitário,

o dirigente exaltado, o treinador teórico,

o gandula torcedor, o reserva conformado,

todos tecem vasta confusão de pernas, socos e palavrões no espaço,

estranha cerâmica no meio-de-campo.)

Esta competição, amigo, tem regras rígidas:

tão criticadas, tão vilipendiadas,

mas inevitavelmente obedecidas por todos.

Neste regulamento não há tapetão.

Futebol é paciência.

Agüentar as vaias uníssonas de hormônios desafinados.

Jogar sob a chuva pesada, o gramado pesado, a cabeça pesada.

Aturar as contas atrasadas e os bichos pagos com cheque sem fundo.

A semana na concentração longe da família.

O papo arrastado das preleções, o banco de reservas,

as perguntas imbecis dos repórteres.

Mas tudo logo se olvida e se justifica.

E como dá gosto de ver as arquibancadas lotadas,

as bandeiras tremulando, os fogos estralejando no céu.

O juiz já lançou a moeda pra o alto,

é hora de acabar o aquecimento

e entrar em campo com o pé direito.

Agora é hora de beijar a chuteira, fazer o sinal da cruz,

posar para as fotos do pôster,

rezar com os companheiros

e aguardar infinitamente pelo minuto de silêncio

que ninguém sabe por quem é.

Boa sorte, irmão.

E que tarde muito até que chegue o temido, o inevitável,

o inapelável Apito Final.

* * * * *

P.S.: Eis a minha nova coluna na Rock Press: Caiu na rede é gol!

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.
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