Um japaraguaio nos 100 anos de imigração japonesa
Por Alexandre Inagaki ≈ quarta-feira, 18 de junho de 2008
Volta e meia digo que sou um cara “japaraguaio”, uma vez que prefiro pizzas e hambúrgueres a sushis e sashimis, só namorei gaijins, do idioma só sei falar bonsai, Honda, sayonara, Yoko Ono e olhe lá, e das minhas raízes nipônicas só devo ter herdado mesmo meus olhos puxados. Lamento, porém, esse afastamento de minhas origens. Me incomodava muito, por exemplo, a dificuldade que eu tinha em conversar com meus avós, comunicação feita aos trancos, barrancos e mímicas, nas quais um tentava adivinhar o que o outro queria dizer, sem muito sucesso. E me ressinto, em especial, de não ter conseguido conversar mais a respeito das histórias que eles teriam para compartilhar acerca dos primeiros anos em que, distantes da terra natal, meus avós se aventuraram por um país muito diferente do Japão que eles deixaram para trás a fim de buscar uma vida melhor.
Não foi fácil, em especial naqueles tempos em que “globalização” era uma palavra que sequer existia, adaptar-se a uma língua diferente, costumes muito diversos, o clima, hábitos alimentares e as dificuldades financeiras daqueles que, feito os meus avós, vieram para o Brasil buscando novas oportunidades em uma terra ampla, sem os estreitos limites geográficos do arquipélago japonês ainda incapaz de propiciar as chances necessárias para todos os seus habitantes.
Meus avós maternos, os Shimomuras, vieram para o Oeste paulista trabalhar nas fazendas cafeeiras da região. Porém, sofreram uma perda irremediável logo no começo de sua estada neste país tropical. Minha tia-avó, já debilitada após dias exaustivos da viagem de navio para cá e enfraquecida com infecções, não conseguiu se habituar a uma alimentação que nada tinha a ver com os sushis e sashimis de sua terra natal. Nem teve tempo, aliás, de adaptar-se aos costumes alimentares brasileiros, e faleceu poucos meses depois, longe de sua terra natal e sem sequer ter vivido até os 30 anos de idade. Sueno e Shigueo, os pais da minha mãe, superaram muitos outros obstáculos árduos e doloridos. Mas, assim como os 781 japoneses pioneiros que estiveram a bordo do navio Kasato Maru, que em 18 de junho de 1908 chegou no porto de Santos trazendo os primeiros imigrantes que vieram ao Brasil, conseguiram, com muito trabalho e persistência, reconstruir suas vidas e deixar suas marcas por aqui.
Fumio e Satsumi, meus avós paternos, tampouco tiveram vida fácil quando chegaram aqui. Em especial o meu avô, que era jornalista e haicaísta e teve que deixar de lado suas atividades de escriba para vender carvão nas ruas da cidade de São Paulo. Quando lembro de meu pai contando a respeito de sua infância pobre, porém repleta de lembranças divertidas ao lado de seus seis irmãos, chego a ficar com os olhos marejados. Meu “ditian” Fumio foi quem me ensinou a ler e a escrever, aos 4 anos de idade, antes que eu começasse a freqüentar escolas. E ainda tenho nítidas na memória as recordações dos sábados que eu passava na casa de meus avós paternos, na rua Aimberé, no bairro paulistano de Perdizes. Eu, que desde pequeno me habituei a ficar lendo, volta e meia deixava de lado as brincadeiras com meus primos para me esconder em um canto atrás do sofá da sala, onde ficava folheando jornais e os volumes da enciclopédia Conhecer, a Wikipedia da minha infância. Não conseguia ver meus avós maternos com a mesma freqüência porque eles moravam em Inúbia Paulista, cidade localizada a 578 km de São Paulo. Mas também tenho boas recordações deles, assim como dos meus tios Michiko e Tsutomu (relatei uma história desses tempos em minha crônica “Pombos Urbanos”).
Passei muitas manhãs assistindo a programas como Japan Pop Show, uma espécie de karaokê televisionado, apresentado pelo simpático casal Nelson e Suzana Matsuda, e o inesquecível Imagens do Japão, revista eletrônica de variedades capitaneado por Rosa Miyake, talvez a principal embaixadora cultural do Japão no Brasil. Do programa de TV que ela apresentou por mais de 30 anos, lembro em especial do seu microfone que batia palmas. Mas Rosa também foi cantora de sucesso; na época da Jovem Guarda cantou com astros como Roberto Carlos, e ainda foi a intérprete do belo jingle da Varig em homenagem aos imigrantes japoneses, composto por Archimedes Messina em 1968, sobre um pescador chamado Urashima Taro.
Apesar de não ser um nikkei tão ligado às raízes nipônicas quanto eu gostaria de ser, sei que devo muito do que sou graças à cultura japonesa. E, é claro, a todos os ensinamentos dados por meus pais, avós e tios. Shigueo Shimomura, Sueno Shimomura e Fumio Inagaki já faleceram, mas ainda há um pouco deles vivendo em mim e em todos aqueles que os amaram. Já a minha avó paterna, minha querida “batian” Satsumi Inagaki, será uma das imigrantes que dançarão na solenidade com o príncipe herdeiro Naruhito, no Sambódromo do Anhembi.
Somos o que somos graças às nossas memórias. Eu tenho a sorte e o orgulho de pertencer a uma família maravilhosa, e de ser o fruto de um encontro entre as culturas oriental e ocidental. E, por mais desligado que eu seja das tradições nipônicas, não poderia deixar de render um pequeno tributo, neste centenário da imigração japonesa, à terra natal dos meus antepassados e de tantos nomes que admiro profundamente, como Kenji Mizoguchi, Matsuo Bashô, Hayao Miyazaki, Osamu Tezuka, Akira Kurosawa, Haruki Murakami e Yasujiro Ozu.
P.S. 1: A Abril.com produziu um belo site sobre os 100 anos de histórias da imigração japonesa no Brasil. Destaco em especial o Armazém 14, ótimo blog escrito por Alexandre Sakai, e os relatos de nikkeis falando sobre suas famílias.
P.S. 2: As músicas de Rosa Miyake, incluindo sua gravação do jingle da Varig, estão disponíveis para download no site Imagens do Japão.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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