Top 5 músicas do Roberto Carlos
Por Alexandre Inagaki ≈ quarta-feira, 10 de março de 2010
Bastaram alguns minutos para fazer a constatação: a tarefa de selecionar as cinco melhores músicas do Rei não seria nada fácil. Mal recordava de algumas gravações, logo outras tão boas quanto surgiam no meu jukebox mental reivindicando seu espaço.
Sei que muitos me questionarão: como pude, por exemplo, deixar de lado “Outra Vez” (1977), composição de Isolda sobre “a mais estranha história que alguém já escreveu”? Ou “Cavalgada” (1977), talvez a melhor descrição de uma noite de sexo já feita por uma canção da MPB (“Vou cavalgar por toda a noite/ Por uma estrada colorida/ Usar meus beijos como açoite/ E a minha mão mais atrevida/ Vou me agarrar aos seus cabelos/ Pra não cair do seu galope”)? E o que dizer de outros clássicos como a balada “As Curvas da Estrada de Santos” (1969), o soul/gospel de “Jesus Cristo” (1970), a tristemente bela “À Distância” (1972), cuja versão em italiano fez parte da trilha sonora do filme Violência e Paixão, de Luchino Visconti, ou a catártica “Fera Ferida” (1982)? Enfim, que cada um faça as suas listas; o que importa mesmo é saudar a obra deste artista que está celebrando 50 anos de carreira.
5. “Quero que Vá Tudo pro Inferno” (1965) - Imagine o impacto de uma música como esta em um país conservador, reprimido moralmente e politicamente, recém-imerso na ditadura militar implementada pelo golpe de 64. Com a palavra, o cantor Zé Ramalho: “Eu me lembro de ver a polícia correndo atrás de estudantes na rua, carros revirados e ‘Quero que Vá Tudo pro Inferno’ tocando no rádio. Era um cenário louco, um apocalipse danado. E eu ali, inocente e besta, vendo estas coisas acontecerem e cheio de sonhos na cabeça”.
Rock’n'roll de fina lavra, com letra marcante e um arranjo pontuado pelo marcante teclado de Lafayette, “Quero que Vá Tudo pro Inferno” é uma música apolítica. E no entanto, como bem disse Erasmo Carlos, “durante a ditadura e aqueles movimentos políticos todos, caiu como uma luva na boca das pessoas que queriam falar alguma coisa”. Por muito tempo, esteve fora do repertório do Rei, que, por causa do seu transtorno obsessivo-compulsivo, evitava pronunciar palavras como “inferno”.
Ao ouvir esta canção, décadas depois de sua gravação original, posso entender o impacto causado em fãs como a minha mãe, que ainda guarda fotos em P&B de Roberto na fase da Jovem Guarda: é, ainda, uma tremenda música. É interessante saber que a inspiração de “Quero que Vá Tudo pro Inferno” foram as saudades que o Rei estava sentindo de sua namorada na época: Magda Fonseca, que estava em Nova Iorque estudando inglês. Romântico incorrigível, o Rei expiou suas saudades em grande estilo, compondo um clássico indiscutível da MPB.
4. “De Tanto Amor” (1971) - Você pode até me dizer que a música tem uma letra brega; não dou a mínima. Para mim, “De Tanto Amor” é uma das mais pungentes e emocionantes declarações de fim de relacionamento em forma de música de todos os tempos.
Inspirada pelas composições de Dolores Duran, que costumava usar a exclamação “ah!” em seus versos, a música originalmente se chamava “Despedida”, mas foi rebatizada para “De Tanto Amor” graças a uma boa sugestão da cantora Claudette Soares. E foi gravada no meu álbum predileto, que contém ainda clássicos como a obra-prima “Detalhes” (que não constará deste Top 5 porque é hors-concours pra mim; já dediquei um texto inteiro a ela), “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos” e “Todos Estão Surdos”.
Em tempo: o vídeo do post é uma sequência do filme Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora, dirigido por Roberto Farias, no qual o Rei interpreta Lalo, um mecânico de carros que sonha em ser piloto e é ajudado por Pedro Navalha (Erasmo Carlos), chefe da oficina.
3. “O Divã” (1972) - Roberto Carlos tinha 6 anos de idade quando sofreu o acidente que marcou sua vida, relembrado por esta canção, uma verdadeira sessão de terapia na forma de versos. Não à toa, seu refrão afirma: “Essas recordações me matam/ Essas recordações me matam/ Por isso eu venho aqui”. Era 29 de junho de 1947; dia de festa em Cachoeiro do Itapemirim, onde Roberto nasceu e passou sua infância, pois era dia de São Pedro, padroeiro da cidade. Distraído com as festas e os balões no ar, o menino Roberto tropeçou na linha férrea, que cortava todo o perímetro urbano daquela pequena cidade do Espírito Santo, e teve a sua perna direita atingida por uma locomotiva a vapor.
A música, embora não seja das mais conhecidas do Rei, marcou a ponto de fazer com que um ex-zagueiro do Vasco da Gama e da Seleção Brasileira tenha sido batizado com o nome de Odvan. Quanto à sua letra, é preciso ter alma de pedra para não se emocionar com a melodia triste e os versos contemplativos de RC: “Relembro a casa com varanda/ Muitas flores na janela, minha mãe lá dentro dela/ Me dizia num sorriso mas na lágrima um aviso/ Pra que eu tivesse cuidado/ Na partida pro futuro eu ainda era puro/ Mas num beijo disse adeus”…
2. “Sua Estupidez” (1969) - Roberto despediu-se dos anos 60 com um baita disco, que inclui clássicos como “As Curvas da Estrada de Santos” e “As Flores do Jardim da Nossa Casa”. Porém, eu não poderia deixar de lado uma canção de amor no qual o autor tem a manha de chamar sua amada de estúpida (e na mais deslavada das caras duras, em versos como: “Meu bem, meu bem/ Use a inteligência uma vez só/ Quantos idiotas vivem só/ Sem ter amor”) e nem por isso deixa de ser arrebatadamente romântico.
A composição foi escrita na época em que o casamento de Roberto com sua então esposa Nice passava por uma séria crise. E o Rei, como sempre fez em toda a sua carreira, usou a música como válvula de escape emocional, transformando suas dores e alegrias em canções como esta, que mantém-se poderosa mesmo em outras vozes e arranjos. Bons exemplos do que digo são as regravações de “Sua Estupidez” feitas por nomes tão diversos como Gal Costa, Ná Ozzetti, Vania Abreu & Daniela Mercury e Alcione.
1. “O Portão” (1974) - Por muitos anos fiquei encasquetado com este verso: “O cachorro me sorriu latindo”. Depois, ao ler a biografia de Paulo Cesar de Araújo, soube que a inspiração foi um cachorro vira-lata chamado Axaxá, nomeado assim por causa de um livro que Roberto leu quando criança. Dudu Braga, filho de RC, recorda que Axaxá ficava fazendo festinhas e dando voltas em torno de Roberto toda vez que ele voltava de alguma viagem. E que, toda vez que alguma canção do Rei tocava, o vira-lata ficava uivando, como se acompanhasse a voz do seu dono. Axaxá, o cachorro que sorria latindo, morreu velhinho, com 12 anos, em 1981. Relembra Dudu: “Eu fui o primeiro a saber da morte dele. Liguei para meu pai, no Rio, dando a notícia. Ele também chorou muito, e ficamos os dois chorando pelo telefone a morte de Axaxá”.
Sei que devo ter ouvido “O Portão” pela primeira vez em uma esquete dos Trapalhões; desde então esta canção me acompanha. É a música definitiva sobre a volta ao lar. E uma das muitas provas da capacidade que as composições de Roberto Carlos possuem de traduzir o inconsciente coletivo, transmitindo emoções como poucos são capazes de fazer. Você nem precisa saber o nome desta canção para reconhecer que um dia já ouviu - e cantarolou - seus versos iniciais: “Eu voltei, agora pra ficar…”. Toda vez que volto de alguma viagem e retorno para casa, a fim de reencontrar meus pais, meus amigos ou alguém querido que eu sei que me receberá com dois braços abertos, penso nesta música do Roberto.
Sim, eu sei que “O Portão” não é a composição mais rica, melodicamente falando, nem possui a letra com as rimas mais originais ou os versos mais complexos. Mas posso dizer que “O Portão” é a música número 1 na minha lista de canções capazes de resgatar lembranças, reminiscências, emoções. E não apenas dos brasileiros, como demonstram os comentários deixados neste vídeo do YouTube com a versão em espanhol. Graças a essa capacidade ímpar, de traduzir em versos e melodias toda a gama de sentimentos que se passam no coração da gente, que Roberto Carlos Braga é chamado, com toda justiça, de Rei.
A blogosfera, felizmente, está repleta de fãs de Roberto Carlos. E, para dar continuidade a este meme das melhores músicas do Rei,convidei os seguintes blogueiros a publicarem posts com suas cinco prediletas:
Anabel Mascarenhas
Flávia Penido
Ian Black
Liv Brandão
Luiz Afonso Alencastre Escosteguy
Magaly Prado
Marcelo Tas
Pedro Neschling
Perseu Evans
Sam Shiraishi
Tiago Andrade
P.S. 1: Encontrei as imagens com declarações de Roberto Carlos sobre as músicas “De Tanto Amor” e “Sua Estupidez” no excelente blog Comunidade do Rei, que digitalizou páginas do livro “As Canções Que Eu Mais Gosto”, lançado em 1971.
P.S. 2: Sim, eu sei que não deveria deixar o blog tanto tempo sem atualizações. Mas saiba que, enquanto ando sumido deste espaço, estou com uma coluna quinzenal no portal Yahoo! falando de tecnologia. E, diga-se de passagem, dois textos meus já foram publicados lá: Geração F5 e Como usar o Twitter sem perder (muito) a sanidade.
P.S. 3: Já publicaram posts sobre Roberto: Anabel Mascarenhas, Ian Black, Luiz Afonso Alencastre Escosteguy, Pedro Neschling, Karina Cabral, Tiago Andrade, Magaly Prado, Perseu Evans, Dauro Veras, Flavia Penido, Liv Brandão, Flávia Durante, Ju Dacoregio e Bruno Ribeiro. À medida em que outros blogueiros postarem suas listas, os devidos permalinks serão incluídos aqui. E, hey, se você quiser participar também da brincadeira, não se avexe: deixe o link do seu post aqui para que eu o inclua na próxima atualização!
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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