Tolos devaneios tolos
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 23 de julho de 2013
Um dos primeiros blogs que acompanhava diariamente era o Tolos Devaneios Tolos, que ficava hospedado em um site, o Tipos.com.br, que já não está mais no ar. Pena que, assim como a maior parte dos blogs brasileiros que surgiram no final dos anos 90 e começo de 2000, seus arquivos se dissiparam e só podem ser resgatados, de modo parcial, através do Archive.org. Infelizmente a internet é feito a Dory, aquele peixe abilolado de Procurando Memo que sofre de perda de memória recente. Se um dia algum pesquisador tentar escrever a história da blogosfera brasileira, penará para fazer isso.
Mas tergiverso, tergiverso. O que me fez lembrar do Tolos Devaneios Tolos foi a notícia da morte do jornalista e professor Rodrigo Manzano. Quando vi esse nome, lembrei imediatamente daquele recanto virtual descompromissado e saborosamente bem escrito por ele, representante clássico de uma época na qual ninguém sequer imaginava que um dia a atividade de blogueiro viraria profissão. Os posts saíam mais espontâneos e confessionais, não havia paranóia com números de audiência nem pressão para que blogs fossem atualizados diariamente. Era a época, enfim, dos “blogs-moleque, dos posts-arte”.
Parei de acompanhar o blog do Manzano quando ele anunciou o fim de suas atividades, em agosto de 2003. Citando palavras de seu post de despedida:
O Manzano não é isso. Nem aquilo. Aliás, o Manzano tenta saber quem é e este blog até ajudou durante algum tempo, mas agora virou estorvo e atrapalhamento. Sempre recebi e-mails mais ou menos “que lindo o modo como você vê a vida” ou “que olhar delicado sobre o cotidiano” ou “blá-blá-blá”. E eu ficava feliz porque também acreditava que eu via o mundo de maneira linda e tinha um olhar delicado. O que eu posso dizer? Delicado, o cacete! A vida é “luta renhida”, já disse Padre Antônio Vieira. E com esse olhar delicado não vou chegar a lugar algum. Precisamos de foices, de facões, de pistolas 38. Essa coisa de olhar delicado só me deu pancadas na nuca. Então aviso: esta é a derradeira despedida.
Só agora, anos depois, descobri que Manzano tinha honrado a lenda, cunhada por Nelson Moraes, de que não existe ex-blogueiro. Aliás, fui tolo. E deveria ter desconfiado do caráter definitivo daquela despedida. Afinal, Rodrigo havia anunciado o fim do blog uma primeira vez em março de 2002, quando escreveu:
Eu mesmo nunca soube o que um blog, pergunta que me atormenta até hoje. Hoje os blogs são muitos. Então me sinto desnecessário. Sou da segunda geração de blogueiros, aquela que tateou sem saber o que fazia. No escuro da web. E fez. Inventou alguma coisa. No caso, Tolos foi uma invenção-brinquedo. Uma forma de driblar as dores cotidianas, os medos e anseios da vida adulta.
Escrever por vezes é uma compulsão que não deixa o silêncio desejado em paz. Não é de se estranhar, pois, que mesmo envolvido nas atividades cotidianas de jornalista e professor, Manzano tenha criado um novo blog, além de compartilhar devaneios e desabafos no Twitter. Não o seguia lá, nem sabia de suas atividades posteriores ao fim do Tolos Devaneios Tolos, uma pena. Coisas desse mundão virtual admiravelmente novo e ao mesmo aparentemente tão véio, sem eira nem beira. Mas o sentimento estranho de saber do falecimento de alguém que jamais conheci, e com quem só troquei algumas palavras diretamente nos tempos dos blogs de várzea, me moveu a escrever a seu respeito. Pena que a vida, esta sim, é um rascunho definitivo que só permite uma única e derradeira despedida. Descanse em paz, Rodrigo.
Nem sempre é colorido. Nem sempre tem uma valsa no fundo. Mas a gente nunca perde a esperança de ter um final feliz.
— Senshô (@senshosp) April 18, 2013
P.S.: Posts relacionados: A um amigo que não conheci, Morte e vida digital e “Progressiva, degenerativa e irreversível”.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.