Timidez e o romantismo kamikaze dos gritadores
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Luis Fernando Veríssimo, sempre ele, foi bastante preciso ao descrever alguns dos sintomas mais frequentes do estado de horror pelo qual um membro da imensa confraria dos Introvertidos Anônimos passa toda vez que está em um evento público: “O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.”
Lembrei desse texto do Veríssimo quando assisti ao sensacional curta-metragem Los Gritones, dirigido pelo cineasta espanhol Roberto Pérez Toledo. Que mostra, em pouco mais de um minuto, um dos maiores momentos que angustiam os pensamentos de pessoas irremediavelmente tímidas feito eu. A fim de não estragar o prazer de quem ainda não viu o filme, recomendo que a leitura deste post prossiga somente depois que você se divertir com Los Gritones.
O filme de Pérez Toledo ganhou o Prêmio Especial do Júri do Notodofilmfest, festival de curtas-metragens no mesmo estilo do Festival do Minuto, e que acabou me distraindo horas a fio com as dezenas de trabalhos bacanas que encontrei por lá. O júri do Notodofilmfest (composto por cineastas do naipe de Lucrecia Martel e Isabel Coixet) justificou o reconhecimento dado a Los Gritones da seguinte maneira: “Por su impagable romanticismo kamikaze, por tratar de convencernos de que un grito puede ser tan efectivo como la flecha de Cupido, por ilustrarnos casi a modo didáctico de la cantidad de deliciosas tonterías que somos capaces de hacer por amor”.
E, no entanto, Los Gritones fala de uma cantada que não deu certo. Situação terrível para tímidos que, feito eu, só ousam desferir um xaveco se tivessem 101% de certeza de que não levarão um fora. Sim, eu sei que é algo que foge do racional. Mas vá convencer um tímido de que uma resposta negativa a uma cantada não é o fim do mundo. Entre a segurança covarde da incerteza amorosa e a implacabilidade de um possível “não”, não tenha dúvida de que a sociedade dos inibidos, acanhados e encafifados da paixão prefere ficar com a primeira opção, amarelando vexaminosamente diante do primeiro e mais ousado dos passos.
Não posso deixar de resgatar, pois, os versos de uma música bastante significativa: “O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre”, composta por Beto Guedes e Fernando Brant. E, em especial, os versos finais que deveriam estar na cabeceira de todos que hesitam antes de pular de paraquedas no gesto de declararem seu interesse por alguém: “O medo de amar é não arriscar/ Esperando que façam por nós/ O que é nosso dever/ Recusar o poder/ O sol levantou mais cedo e cegou/ O medo nos olhos de quem foi ver/ Tanta luz”.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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