Entrevista com Arnaldo Jabor e promoção do filme “A Suprema Felicidade”

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 29 de outubro de 2010

Foi um longo hiato. Após ter passado duas décadas sem filmar, eis que finalmente Arnaldo Jabor está de volta aos cinemas brasileiros com seu novo longa-metragem, “A Suprema Felicidade”. Ou seja: toda uma geração sequer imagina que aquele colunista ranzinza do Jornal Nacional, que ficou mais conhecido por suas opiniões polêmicas sobre política, antes era conhecido como o diretor de filmes como “Toda Nudez Será Castigada”, provavelmente a melhor adaptação cinematográfica de toda a obra de Nelson Rodrigues, ou “Eu Sei Que Vou Te Amar”, filme de 1986 que levou 5 milhões de espectadores aos cinemas e rendeu a Fernanda Torres o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes.

Pois bem: ao sair da sessão de “A Suprema Felicidade”, um filme em que as músicas incidentais e a trilha sonora composta por Cristovão Bastos fazem parte essencial da trama, e a sexualidade com todos os seus conflitos e descobertas, também perpassa toda a história, lembrei de uma frase cunhada pela jornalista Lola Felix-James: “A vida é movida a porra e música”.

Não direi que “A Suprema Felicidade” é a obra-prima de Jabor; esse posto ainda pertence a “Tudo Bem”, a parábola contundente e divertida que Arnaldo dirigiu em 1978. O novo longa-metragem é um caleidoscópio de memórias revisitadas. E, por ser composto por fragmentos e cenas que nem sempre se articulam com a cadência desejada, é um filme irregular. Mas que merece, sim, ser visto e discutido. Porque trata-se, nitidamente, de uma obra feita com paixão e tesão.

Quem só conhece a faceta de jornalista e colunista de Arnaldo Jabor irá se surpreender com os devaneios amarcordianos do cineasta. E, se creio que coadjuvantes interpretados por atores do talento de Emiliano Queiroz, João Miguel, Maria Flor e Ary Fontoura poderia ter sido mais aproveitados, mas desafio qualquer um a não sair da sessão de cinema embasbacado com a atuação coruscante de Marco Nanini no papel do avô do protagonista do filme: Paulo, alterego de Jabor. Um jovem que, tal qual Frédéric Moreau no livro de Flaubert, viverá sua educação sentimental, em meio a padres repressores, pais infelizes, paixões arrebatadoras, reminiscências e devaneios.

Pena, porém, que o redivivo cineasta dificilmente conseguirá, em meio à estreia de seu novo filme, conseguir se desvencilhar da figura do articulista conservador, em especial nesta época eleitoral. Basta passar os olhos pelas diversas resenhas sobre “A Suprema Felicidade” para constatar que o longa-metragem inspirou muitas resenhas e comentários que, em vez de analisarem somente a obra, preocupam-se mais em criticar o colunista “reaça”. De fato, uma pena.

Tive a oportunidade de fazer algumas perguntas a Arnaldo Jabor, relembrando sua obra e questionando-o sobre sua atuação como jornalista, seu retorno ao cinema após tantos anos e sua recente imersão no universo das redes sociais. A seguir, uma entrevista exclusiva com Jabor.

* * *

Quando soube do seu retorno ao cinema, confesso que imaginei que, por causa de suas atividades mais recentes como jornalista e colunista, você faria um documentário sobre o Brasil de hoje, retornando aos tempos de “A Opinião Pública”. O que o motivou a voltar à atividade “masoquista” de cineasta brasileiro, após tantos anos afastado?

A fome de um pouco de arte e criação poética, depois de tantos anos como jornalista, vendo contradições e erros no país. Voltei a fazer filme pelo cansaço com Sarney, Renan, roubalheiras e mentiras. Em vez de só negar, afirmar, criar.

Em tempos de escândalos e campanhas políticas embebedadas em moralismos e catolicices, “A Suprema Felicidade” chega aos cinemas resgatando um Rio de Janeiro idílico. Lembrei de uma declaração dada por uma jovem em “A Opinião Pública”: “Quem vive de ilusão vive melhor do quem vive a realidade”. Pergunto: a nostalgia das memórias reinventadas é melhor do que a realidade contemporânea brasileira, este “Butantã” em que as cobras acabam te picando?

Este filme não é propriamente nostálgico, porque a realidade antes também era cheia de sofrimentos e erros. Este filme é muito sobre nós hoje. A idéia de felicidade muda com os anos, mas o desejo por ela permanece. Não é um filme de “época”; é um filme sobre a educação sentimental e sexual de um jovem. Mesma coisa: a vivência sexual hoje é muito diferente de antes, mas sexo permanece como a força principal da vida.

Você é um diretor exímio em extrair o melhor de seus atores, como provam as atuações antológicas de Darlene Glória em “Toda Nudez Será Castigada”, Fernanda Torres em “Eu Sei Que Vou Te Amar”, Paulo Gracindo e Fernanda Montenegro em “Tudo Bem” e, agora, Marco Nanini em “A Suprema Felicidade”. Qual a sua opinião, pois, sobre a afirmação famosa de Hitchcock que dizia que atores deveriam ser tratados como gado?

Hitch gostava de frases de efeito. Não acho. O ator é a alma do filme. Se ele não respirar, não existir na tela, não há filme. A personagem de cinema é feita da alma e carne e defeitos e características do ator… A personagem nasce dele e não o contrário. Hamlet existia antes de Lawrence Olivier, mas quem lembra o nome de Clark Gable em “E o Vento Levou…?

Após o seu ingresso nas mídias sociais por conta da promoção de “A Suprema Felicidade”, qual é a avaliação que você faz das interações e trocas de ideias com seus fãs, detratores e seguidores no Twitter e Facebook?

Descobri maravilhado o outro mundo eletromagnético que existe no ar, estou adorando. Meu @realjabor ja está com 170 mil seguidores. Sinto falta apenas de mais conceitos, mais idéias, mais curiosidade e afirmações - malucas, ou utópicas, ou críticas, ou sei lá o quê, nas tweetagens. Muita gente escreve só: “hoje acordei de mau humor, etc…”

Em seu perfil no Twitter, você elogiou Felipe Neto, cujos vídeos no YouTube chegaram à marca de 55 milhões de visualizações. E cito outro exemplo significativo de uso de vídeos na internet: o octagenário Plínio de Arruda Sampaio, a grande revelação destas eleições, promovendo sessões de Twitcam para interagir em tempo real com internautas. Você pensa em, de alguma maneira, explorar os recursos da internet (do mesmo modo que, por exemplo, os cineastas Marcelo Masagão e Gustavo Steinberg fazem com o Festival do Minuto)? Não lhe interessaria, por exemplo, fazer algum trabalho com revelações da web como o Felipe?

Eu já sou um blog vivo, falando na TV duas vezes por semana, todo dia na CBN e em vinte jornais do país toda semana. O twitter será uma extensão do que faço, espécie de post-scriptum ou notas ao pé de pagina. Talvez pergunte aos seguidores o que gostariam de ler ou ouvir de mim.

Vaticinou Rubem Fonseca: “Amar é sofrer; não amar é sofrer mais”. Creio que a frase se aplica perfeitamente à sua obra e a filmes como “Eu Te Amo”, “Eu Sei Que Vou Te Amar” e, agora, “A Suprema Felicidade”. Pergunto a você: amar hemburresce?

Amar é alucinar sim… A frase do Rubem é genial.

Espero que, depois desse longo hiato cinematográfico, você não passe tanto tempo novamente sem filmar. Já tem algum novo filme em mente? O que você pode adiantar a respeito?

Depois desse filme, dá vontade de filmar um monólogo dentro de um elevador. Mas ainda não sei, vamos ver se A Suprema Felicidade emplaca ou não…

* * *

Recebi 2 pares de convites para o filme mais 2 pôsteres autografados por Arnaldo Jabor, a serem dados a leitores do Pensar Enlouquece. Interessou-se nos prêmios? Ôpa: premiarei os dois comentários que eu considerar mais bacanas, deixados aqui, que discorrerem sobre os assuntos levantados neste post: o filme, a obra do Jabor, a entrevista. Anunciarei os nomes dos vencedores na quarta-feira, dia 3, no retorno do feriado prolongado.

* * *

P.S.: Com certo atraso (mea culpa, sorry), eis os 2 vencedores da promoção: Ricardo Ribeiro Rodrigues e Richard Pajuelo. Parabéns!

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • marcelo

    Um belo filme, mas com excesso de simbolismos que só dizem respeito a ele, cutucões políticos e frases de amor óbvias. O Jabor é bem maior que este filme.

  • http://www.dicasmecanicas.com Mecanica Automotiva

    Filme, realmente é muito bom. E deixa claro o jeito jabor de ser.

  • http://www.avesso.com.br ricardo rosa

    Olá,
    Meu nome é Ricardo, trabalho na Produção On-Line do Avesso, uma TV 2.0 que mostra os bastidores da comunicação. ( http://www.avesso.com.br).
    Fiz uma visita ao blog, parabéns pelo trabalho.
    Nós desenvolvemos parcerias com diversos blogs da área de comunicação, socioambientais, moda, design, esportes entre outros, e gostaríamos de ter seu blog como parceiro Avesso.
    Acesse o nosso site http://www.avesso.com.br , e assista aos programas.
    Caso tenha interesse, por favor entre em contato.
    Um grande abraço.
    Obrigado!
    Ricardo Rosa
    [email protected]
    Tel. (11) 3578-0777
    ____________________
    http://www.avesso.com.br

  • http://www.sovimpraescrever.blogspot.com Petit Gabi

    Nunca assisti nenhum filme do Jabor, mas fiquei curiosa a respeito de Toda Nudez será castigada, porque amo Nelson Rodrigues. Quanto A Suprema Felicidade, eu já tinha ouvido sobre há algum tempo atrás, mas acabei não me aprofundando na questão. Pelo que li aqui, parece interessante, visceral até. Gosto de filmes que abordem a descoberta da sexualidade. É uma questão que dá muito pano pra manga, principalmente quando ocorre sob o viés de repressões. É muito assunto para discutir e entender as motivações que levam as pessoas a reprimir algo tão natural ao ser humano.
    Quero ver esse filme!
    Beijos, Ina!

  • http://metamorfosepensante.wordpress.com _Maga

    Eu vi o filme do Jabor e, depois de ter tomado um pequeno susto, sobre o qual te conto depois, fui raptada para um mundo de poesia. Primeiro pela Marco Nanini, um dos primeiros atores que aprendi a admirar e do qual tenho lembranças de personagens geniais. Mas fui realmente rendida por completo pela trilha sonora. O Cristovão Bastos acertou em cheio, com canções belas e emblemáticas. Como deixar de notar e quase explodir de felicidade ao ouvir a belíssima Todo Sentimento, do próprio Cristovão com o Chico> Teve outra (que acabei de esquecer o nome) que me peguei cantando baixinho no cinema (mas não conta pro lanterninha…). O filme também tem a paisagem, a cidade maravilhosa (naquela época ainda mais maravilhosa) ao fundo foi muito bem fotografada. Gostei também da valorização da relação avó/neto, hoje tão desgastada e neste filme aparece como um laço de amor e aprendizado incrível. A nossa striper de cabelo curtinho remete um pouco a aquela outra, de Closer.
    Pena que faltou um lastro para dar mais força a história do filme.
    Um abraço

  • claudio

    Arnaldo de tanto que vc é negativista acho que vc perdeu a virgindade foi com um “negão” e não com uma gostosa como aparece no filme, marcou profundo não foi ??????

  • http://oficiodeescrever.blogspot.com Sueli Aduan

    Bela matéria!

    Maravilha o pensamento desse homem, Arnaldo Jabor, é de quebra ainda é um charme, uma delíciaaaaa (de se olhar)e com todo o respeito ,claro.:o)

    Sou uma admiradora incondicional do trabalho dele.

    forte abraço

  • http://incautosdoontem.opsblog.org/ Ulisses Adirt

    :-)
    Alexandre, gostei muito do artigo. Não vou entrar na competição de comentários para ganhar, só vou entrar para - tal qual vc fez com o Jabor na entrevista - rasgar seda.
    Leio tanta entrevista por aí, mas é tão raro ver citações tão legais para formular as perguntas. Acaba me lembrando uma mistura de Truman Capote com Ernesto Varela. Parabéns pelo trabalho.

  • Sérgia

    Aabei de voltar do cinema onde assisti A Suprema Felicidade [porque "comer, amar rezar" estava lotado] … o filme me surpeendeu, caleidoscópio de memórias, um RJ onde se andava a noite, as pessoas se conheciam na rua, o pipoqueiro era amigo e não traficante … como disse Noel: o filme é …..foda!

  • http://www.twitter.com/kllinne Kalline Soares

    É apartir dessa entrevista com Arnaldo Jabor que percebo como o Brasil é pequeno em termos de criatividade e percepçao em relaçao ao que realmente importa nos dias de hoje ,mas afinal nunca foi muito facil ou satisfatorio lidar com o real. A suprema felicidade talvez seja a busca por aquilo que nos mantem em pé na tentativa de que um dia vamos acordar e enchergar as coisas e pessoas na sua essência mais profunda e onde enfim a inteligencia sera o bem mais precioso que alguem pode ter, bem esse que ninguem pode tirar mas que nos dá poder suficiente pra tirar aquilo que nos faz mal.

  • http://www.dorlyneto Dorly Neto

    Num dado momento de um país, quando a política (com letra minúscula) sendo rebaixada a promessas vagas e personagens maquiados, talvez nadar contra corrente seja a melhor força. Nadar contra a corrente é não falar de política, e sim de Política, e nada mais político do que nossas relações sociais.
    Para Aristóteles, a Política era a arte suprema, e sua recompensa era a Felicidade, ou a suprema felicidade, que vai além de qualquer picuinha politiqueira. Talvez esse seja o único caminho quando a onda nos levará para um lugar obscuro e sem saída.

  • http://www.twiiter.com/tclezar Tiago

    Desde pequeno assistia o Jabor falar, sentia medo dele, até quando em um dos seus comentários bateu palmas e cantou parabéns, se não me engano até assoprou uma vela, hoje em dia não sinto mais medo de Jabor, lamento pelos seus cabelos não terem o gel e o penteado para trás, mais isso não tira suas falas degustáveis, que alimentam, que sustentam ou causam náuseas, a suprema felicidade já é uma obra digna de aplausos (não de aniversário) alem disso a suprema felicidade é poder ter as duas letras iniciais de seu nome todos os dias, ou para quem preferir suspirar.

  • Richard Pajuelo

    Sou admirador do trabalho do Jabor.
    O Jabor jornalista com suas observações carregadas de beleza e crítica como uma esbofetada na cara e o Jabor cineasta utilizando sua câmera como metralhadora de imagens, uma arma de fuga do espectador.
    Estou escrevendo um filme de ficção sobre violência urbana em São Paulo e a última cena escrevi para o Arnaldo como um cameo especial, combinando duas grandes pessoas no ápice final, de que o que vemos não é ficção, é a realidade.

  • http://www.twitter.com/ricardovideira Ricardo Ribeiro Rodrigues

    Arnaldo é um diretor de mão cheia, um critico que não produz somente a acidez e sim atordoamento a quem é dirigida se tiver inteligencia para perceber, e um despertar em nós que o ouvimos, sedentos de nos expressar como ele, com maestria.
    O filme A Suprema Felicidade vem preencher a saudade de Eu sei que vou amar, que tanto li e vi em video, e que tem alimentado meus sentimentos e a certeza de que existe esperança sim para o cinema nacional que saiu da U.T.I. e agora anda por ai livre e leve nos corações e mentes.

  • http://rionavegante.blogspot.com Jonathan Caroba Martins

    Como disse o Jabor, muita gente transforma as novas mídias, ou redes sociais, em um diário pessoal. Há uma frase que circula pela internet que diz o seguinte: “As pessoas não gostam de twitter porque é em inglês e não tem joguinho”.
    Discordo. Porque estas mesmas pessoas não têm dificuldade alguma ao acessar sites pornográficos ou “desinteressantes” e usá-los, sendo estes todos em inglês? Falta comunicação de qualidade, falta ideias boas rolarem além do Felipe Neto, que é uma exceção da internet.
    Ele não fez nada incrível como a descoberta da pólvora, apenas expôs sua opinião e a maioria dos jovens brasileiros aceitou. A maioria dos críticos elogiou. A maioria de internautas que viu “com olhos de produtor” não acessou.
    O brasileiro se acostumou à burocracia, e ainda não gosta de nada que venha fácil. O twitter chegou e dominou, mas o seu espaço na informação de qualidade não é tão amplo quanto o da informação desnecessária. Porque alguém tuita seu horóscopo canceriano, sendo que 2/3 dos seus seguidores são de capricórnio?
    Só quando a população virtual começar a refletir sobre isso, aí sim, “hoje acordei cedo…” vai ser o menor problema!
    @Caroba - Twitter

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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