Sobre o final de Lost
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 31 de maio de 2010
Saca aquela frase surrada do Lennon, sobre vida ser o que acontece enquanto fazemos planos? Pois bem, ela meio que resume minha filosofia. Toda vez que me perguntam onde pretendo estar daqui a dez anos, não tenho uma resposta pronta. Tal como um jazzista, vou improvisando notas enquanto procuro acompanhar a música da vida. Provavelmente por causa disso, não liguei para a suposta falta de respostas a todos os enigmas exibidos nas seis temporadas de Lost. Simplesmente apreciei a viagem durante todo o tempo que ela durou.
Em um primeiro momento, imagino que as pessoas que odiaram o fim de Lost são as mesmas que lêem livros de Agatha Christie com o intuito de adivinhar a identidade do assassino. Ao invés de se preocuparem tanto com respostas - como se a vida desse respostas definitivas para todas as perguntas que temos -, deveriam conhecer melhor o conceito de MacGuffin cunhado por Alfred Hitchcock: um elemento na trama que serve para distrair a atenção dos espectadores e alavancar a ação do filme, mas que não passa de um pretexto para que o verdadeiro tema da obra seja abordado pelo autor.
Lost foi um seriado sobre fé vs ciência, livre-arbítrio vs destino, mas, principalmente, sobre redenção, esperança e amor. É difícil falar sobre esses temas sem resvalar no piegas, e entendo perfeitamente as críticas ranzinzas que compararam o fim de Lost a um capítulo final das novelas de Manoel Carlos ou à cena do reencontro de Jack e Rose em Titanic. Mas eu, que embarquei nas tramas envolvendo eletromagnetismo, viagens temporais ou aparições de mortos sem ansiar por respostas, me preocupei mais com o destino de cada um dos personagens do seriado. E, por isso mesmo, fiquei tão satisfeito com o episódio final, que me fez cair em lágrimas pelo menos quatro vezes, nas emocionantes cenas de reconhecimento e reencontro; porque as pessoas importaram muito mais do que quaisquer interrogações que foram feitas ao longo de seis anos.
Ainda que respostas fossem dadas para cada mistério, não creio que elas seriam satisfatórias. Alguém gostou de saber que a Força no universo de Star Wars nada mais é do que excesso de Midi-chlorians no sangue dos jedis? Ou ficou satisfeito com a explicação didaticamente modorrenta que o Arquiteto deu naquela cena longa e soporífera de Matrix Reloaded? Bah.
Em vez disso, prefiro admirar as entrelinhas que os roteiristas de Lost deram para que cada um de nós use seu livre-arbítrio e suas crenças pessoais a fim de teorizar sobre a ilha, a igreja e o significado de seu belíssimo episódio final. Pois sábias foram as palavras proferidas por Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas: “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”.
Há teorias muito boas sobre Lost pululando na rede. Dentre elas, destaco os textos que li nos blogs TV Squad, Dark UFO, Let’s Blogar e Trabalho Sujo, que jogam alguma luz nos mistérios. Mas que, no final das contas, são substratos para que cada um de nós espelhe-se em sua resposta pessoal.
Não me apego a nenhuma religião em especial. No entanto, creio que exista algo além desta vida. Não tenho motivos racionais para crer nisso; simplesmente tenho esperanças. E é pautado na minha crença pessoal de que a vida é boa e cheia de possibilidades que eu prossigo, movido pelo pensamento de que estamos todos neste mundo louco por algum motivo que nos transcende. Em um poema que escrevi há alguns anos, digo:
Carrego dentro de mim sonhos e sentimentos que morrerão comigo,
momentos que não existem em nenhum lugar mais
além do meu coração:
pôr-de-sol, brisa no rosto, conversa com amigos, sorriso de mulher.
Instantes que valeram por uma vida inteira,
rastro de estrelas num céu poluído e aparentemente vazio.
Não posso deixar de lembrar que o último episódio de Lost, “The End”, tem o mesmo nome de uma canção dos Beatles cujo verso derradeiro resume, para mim, o espírito de todo o seriado: “E, no final, o amor que você recebe é igual ao amor que você doa”. Que assim seja.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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