Segredos de liquidificador
Por Alexandre Inagaki ≈ quinta-feira, 08 de março de 2007
Em 1985 Cazuza gravou “Exagerado” seu primeiro álbum solo após a saída do grupo Barão Vermelho. Além da faixa-título, o grande destaque do disco foi “Codinome Beija-Flor“, música composta junto com Reinaldo Arias e Ezequiel Neves. Esta belíssima canção, além de surpreender os roqueiros da época com seu arranjo a la bossa nova, chamou a atenção por alguns versos que até hoje intrigam os ouvintes: “Que só eu que podia/ Dentro da tua orelha fria/ Dizer segredos de liquidificador“. O que cargas d’água Cazuza queria dizer com a expressão “segredos de liquidificador”?
Teses e teses a respeito do seu significado pululam pela Internet. Segundo Valdir Mengardo, é uma metáfora que pretende mostrar a “incompatibilidade entre a sociedade de consumo e a poesia“. Já Fernando Toledo considera que a expressão é o “equivalente urbano/industrializado para ‘segredo de polichinelo’“. E explica a sua viagem: “simplesmente não existem liquidificadores sutis. Os bichos fazem um barulho dos diabos quando acionados. Logo, seria um segredo que não seria um segredo“.
Os participantes do Yahoo! Respostas dão explicações mais, hmm, rasteiras. Um deles afirma: “faltou uma boa rima pra ‘beija-flor’. Parece um desses casos em que o poeta não está nem um pouquinho inspirado e doido pra acabar a letra. Tal como acontece (com todo o respeito a Gil), na letra de rimas ridículas de ‘Sítio do Pica Pau Amarelo’“. Outro internauta sem muita noção (des)explica: “Acho que o Cazuza tava drogado quando disse isso, deve ter enfiado a mão dentro do liquidificador“.
Depois dessas abobrinhas, não há nada mais esclarecedor do que ouvir a voz do poeta. Pouco antes de cantar “Codinome Beija-Flor” em um dueto com Simone, durante um especial exibido pela TV Globo em 1989, o ex-vocalista do Barão diz que a expressão se refere a “uma coisa de língua no ouvido“, exemplificando, com a própria língua, os movimentos circulares que dão sentido à metáfora. Enfim: melhor assistir ao vídeo (thanks, YouTube!):
Mas enfim, como verso bom é aquele que permite as mais diversas leituras, independentemente das eventuais explicações dadas pelo próprio poeta, fico com a explicação cunhada por Luccia em seu blog Doce Luçidêz: “Segredos contados ao pé do ouvido que causam aquele tremor no corpo como um liquidificador“. Alguém arrisca tecer uma definição melhor?
P.S. 1: A metáfora de Cazuza é tão expressiva que foi reaproveitada na letra de outra música: “Carnalismo”, faixa 7 do álbum dos Tribalistas, dos versos “Me abraça e me faz calor/ Segredos de liquidificador/ Um ser humano é o meu amor/ De músculos, de carne e osso/ Pele e cor“.
P.S. 2: Considero um contra-senso cumprimentar as mulheres em apenas um dia do ano. Mas enfim, qualquer efeméride que sirva de pretexto para dar um abraço em uma mulher é mais do que bem-vinda. Não vou percorrer a estrada dos clichês e ser mais um a levantar todo o pó possível a respeito da importância fundamental das mulheres em nossas vidas, nem repetir a fala de um amigo meu que disse: “No Dia Internacional da Mulher minha patroa não cozinha. Hoje vou pedir pizza!“. O.o Atenho-me, pois, a dizer: muito obrigado a todas vocês!
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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