Rogério Duprat (1932 - 2006)
Por Alexandre Inagaki ≈ sexta-feira, 27 de outubro de 2006
Quando fiz, em março de 2004, uma lista dos 10 melhores discos de música popular brasileira de todos os tempos, citei o nome do maestro Rogério Duprat, falecido na noite de ontem, nos textos que escrevi sobre aqueles que elegi como os dois melhores álbuns de MPB, a saber:
1) “Tropicália ou Panis Et Circencis” (1968). Ouça uma balada com a beleza de “Baby”. Pense nos recortes justapostos das letras de Capinam, Torquato Neto, Tom Zé, Gil e Caetano, retratos do contexto conturbado de tempos imediatamente pré-AI-5. Viaje com os fantásticos arranjos de sopros e cordas criados pelo genial Rogério Duprat. Deleite-se, com sorriso nos tímpanos, ao ouvir as subversivas regravações de “Coração Materno” (de Vicente Celestino) e do Hino do Senhor do Bonfim, e a maviosa voz de Nara Leão em “Lindonéia”. E desfrute, enfim, de um álbum-conceito que consegue ao mesmo tempo soar assombroso e acessível, experimental e pop, caótico e coerente, renovador e assobiável.
2) “Construção” (1971) - Chico Buarque. Um dos maiores, senão o melhor de todos os letristas da MPB, imortaliza aquela que talvez seja sua obra-prima em versos na música que dá nome ao álbum. Em plena era Médici, “Construção” traça um retrato concreto (e, ao mesmo tempo, um desenho mágico) da realidade embotada do trabalhador brasileiro, em versos proparoxitonamente antológicos. Mas, para além de “Construção” e de sua canção-irmã “Deus lhe Pague” (ambas com arranjos do mestre tropicalista Duprat), Chico gravou ainda outras canções que merecem lugar garantido no cânone de sua obra, como “Cotidiano” (“Todo dia ela faz tudo sempre igual/ Me sacode às seis horas da manhã/ Me sorri um sorriso pontual/ E me beija com a boca de hortelã“), “Desalento” e “Valsinha”.
Rogério Duprat, nascido no Rio de Janeiro em 7 de dezembro de 1932, tornou-se regente e compositor na cidade em que se radicou desde os anos 50, São Paulo. Estudou música no exterior com nomes renomados como o maestro francês Pierre Boulez e o compositor alemão Karlheinz Stockhausen. De volta ao Brasil, ganhava a vida lecionando música, tocando violoncelo no Teatro Municipal e compondo trilhas sonoras para filmes (é dele, por exemplo, a trilha de “Noite Vazia” de Walter Hugo Khoury), até que, em 1967, foi apresentado a Gilberto Gil pelo maestro Júlio Medaglia. Do encontro com Gil, surge sua primeira colaboração com os tropicalistas: o arranjo de “Domingo no Parque”, apresentado no 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record.
Além de participar do histórico álbum “Tropicália ou Panis Et Circencis”, Duprat colaborou em discos de artistas como Caetano Veloso, Mutantes, Rita Lee, Nara Leão, Gal Costa, Alceu Valença e Gilberto Gil. Também realizou trabalhos menos conhecidos como os arranjos que fez para o excepcional álbum que Erasmo Carlos gravou em 1971, e que contou com a participação de músicos como Liminha, Sérgio Dias e Lanny Gordin.
Outro trabalho marcante de Duprat foi a produção do álbum de estréia de Walter Franco, conhecido como “Ou Não” ou o “disco da mosca”, lançado em 1973 e definido, pelo crítico Tárik de Souza, como “o mais ousado projeto sonoro autoral de nossa música popular, inclusive em nível de vanguarda internacional“. Depois passou um período compondo jingles, fundando ao lado de nomes como Guarabyra e Luiz Carlos Sá o estúdio Vice-Versa. Por conta de uma progressiva perda de audição, Duprat afastou-se da cena artística (sobre esse problema de saúde, Júlio Medaglia comentou, ironicamente: “infelizmente ele se desencantou com a porcaria que a música brasileira virou depois dos anos 60 e 70, e preferiu ficar surdo. Foi um protesto contra a barbárie“).
Os últimos trabalhos de Rogério Duprat foram os arranjos para “Tempo/Espaço” (música gravada por Lulu Santos no álbum “Liga Lá”, de 1997) e “O Gosto Azedo” (do “Acústico MTV Rita Lee”, de 1998). O maestro morreu aos 73 anos de idade, deixando um legado como poucos na história da MPB. Faço minhas as palavras de Carlos Calado: “sem Duprat a música brasileira vai ficar mais óbvia e careta“.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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