Quando eu era criança, eu acreditava em…
Por Alexandre Inagaki ≈ quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Se “tudo que é sólido desmancha no ar”, como diziam Marx (não o Groucho) e Engels, o que dizer da Internet, esta interface efêmera por natureza? Um exemplo: ainda guardo em meu winchester um arquivo com meu bookmark de 1998, gerado pelo Netscape, na época o navegador utilizado por cerca de 70% dos internautas. Hoje em dia quantos o utilizam? E quantos ainda têm o costume de salvar páginas de Web, nestes tempos de Delicious e StumbleUpon?
Embora não seja prática recorrente, devo dizer que foi bom ter feito backup de alguns sites que não deixaram nenhum resquício digital de sua existência, nem no cache do Google, nem no Internet Archive. Web é um cemitério sem ossos, implacável com o volátil legado virtual de sites que saiam do ar.
Mas tergiverso, tergiverso. O fato é que fiquei matutando sobre esses assuntos quando encontrei no Jacaré Banguela um post sobre uma promoção do Centro Universitário Belas Artes, intitulada “Sua História Passa por Aqui”, que premiará os melhores moviecards produzidos em cima desse mote com uma viagem para a Espanha, uma câmera digital e um iPod. Pois bem: o tema dessa promoção é, justamente, lembranças. Nestes tempos em que, graças ao YouTube, é possível cavoucar reminiscências até de coisas que a gente sequer recordava que existiam, pensei no encontro entre a tecnologia que digitaliza tudo, e no entanto em um meio no qual tudo, no dia seguinte, pode ficar simplesmente fora do ar.
Um bom exemplo: o blog Eu Acreditava, que reunia todas as historinhas engraçadas e inusitadas baseadas em crenças que alimentávamos quando éramos crianças. A página, criada em meados de 2003, teve seu endereço original sumariamente apagado pelo Blogger Brasil. Menos mal que Cássia, a criadora do blog, havia feito um backup de alguns de seus posts em um endereço no UOL. Ainda assim, todos os comentários e boa parte dos textos desapareceram para sempre, em algum lugar no limbo virtual. Algo pra lá de irônico, principalmente porque tratava-se de um blog que compilava lembranças.
Por sorte, nessa época eu ainda tinha o hábito de salvar algumas páginas em meu winchester. Graças a isso, retive alguns posts genuinamente poéticos, enviados pelos leitores do Eu Acreditava. A seguir, alguns belos exemplos que não me deixam mentir.
“Quando eu era pequenininha e devia ter uns 4 aninhos, eu acreditava que a Lua me seguia! Eu saía da casa da minha avó, de noite, e deitava no banco do carro do meu pai virada para o lado no qual pudesse ver a Lua… E o mais engraçado é que eu achava que ela me ‘acompanhava’, porque durante todo o caminho ela estava lá, nos seguindo até em casa… Mas como, se eu a tinha deixado na casa da vovó? E eu achava o máximo porque a Lua sabia meu endereço! Quando chegava em casa, olhava pela janela e agradecia a Ela por ter nos seguido até lá!” (Samantha)
“Quando eu era pequeno, eu acreditava que podia voar. Mas só em situações especiais, como quando meu pai chegava em casa depois de suas longas viagens trabalhando. Era só fechar os olhos, pular e deixar as pernas o mais dobradas possível… e flutuar pelo espaço entre a porta da frente e o colo do meu velho…” (T Boca)
“Juro por Nossa Senhora da Bicicleta que até hoje, com os meus 25 anos de vida, lembro de minha amiga imaginária e do dia em que ela se despediu de mim e foi embora. O nome dela era Sandra. Ela tinha pouco mais de 20cm, usava tranças com uma faixa vermelha na testa, vestido vermelho com flores amarelas e adorava comer casca de pão. Minha mãe diz que eu ficava horas brincando e falando com a Sandra, e que chorei muito quando ela foi embora. O que não faltou foi gente falando que eu via espíritos, duendes ou era um pouco retardada, mesmo tirando ótimas notas na escola. Quando a Xuxa disse que via duendes, pensei: será que a minha Sandra era um?” (Raquel)
Ao resgatar alguns desses causos de um blog que desapareceu no ciberespaço, resolvi subir algumas de minhas fotos pessoais na hora de fazer o meu vídeo da promoção do Belas Artes (já que a oportunidade de ganhar uma viagem para Málaga ou, no mínimo, um iPod, não é coisa que a gente simplesmente despreza e dispensa), criando um moviecard que reúne imagens vexaminosas do passado que me condena. Clique aqui, pois, se você for xereta o suficiente para conferir alguns dos enésimos micos que cometi diante de câmeras (as fotos que ilustram este post são apenas amostras do meu vídeo). :P Afinal de contas, o passado nunca passa; ele permanece aqui, retido em algum lugar dentro da gente, como rastro vivo de todas as experiências que vivenciamos até chegarmos aqui e agora.
P.S. 1: Por falar em memória, recomendo a leitura de “Funes, o Memorioso”, história de um homem que, após sofrer uma queda, passou a recordar de absolutamente todos os instantes vividos por ele. Sem o dom do esquecimento, era capaz de lembrar de todas as formas das nuvens austrais do amanhecer de 30 de abril de 1882, por exemplo. Não carecia de escrever qualquer coisa, pois, uma vez que absolutamente tudo era retido em sua memória. Dá para imaginar algo do tipo? Jorge Luis Borges, autor do conto, sim.
P.S. 2: E por falar em Borges, Idelber Avelar está organizando um clube online de leituras do escritor argentino em seu blog.
P.S. 3: E por falar em promoções, você já conhece o blog Promoções na Internet? Parada obrigatória para aqueles que não resistem à tentação de concorrer a algum prêmio. Visto totalmente essa carapuça. :>>
P.S. 4: Parece-me que a Cássia está tentando retomar as atividades do Quando Eu Era Criança, Eu Acreditava neste novo endereço. Por favor: deixem comentários no blog incentivando-a a prosseguir com a idéia!
P.S. 5: Eis o link para o texto que inspirou a Cássia a criar seu blog: “Quando eu era criança…”
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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