Os tempos, eles estão sempre mudando
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 18 de março de 2008
A proliferação dos espaços onde se escreve, se lê, se fala e se ouve cultura
Somos testemunhas e protagonistas de uma era na qual todos os nossos referenciais tecnológicos e de disseminação de conhecimento são modificados em intervalos cada vez menos espaçados. Há duas décadas, tecnologia de vanguarda era sinônimo de disquetes de 3 e 1/2 polegadas e videogames de 8 bits como o Master System. Atualmente, não passam de itens empoeirados do que Cazuza descreveu, em uma música composta em 1988, como “museu de grandes novidades”. Que teve seu catálogo multiplicado, ao longo dos últimos vinte anos, por itens como laser discs, pagers e tamagotchis. Chega a soar quase inverossímil lembrar que o mercado ainda oferecia para venda computadores como o TK-85, da Microdigital, cujos programas eram gravados em fitas cassete comuns.
Há 20 anos, mal tínhamos idéia de que um dia computadores de todo o mundo estariam interligados por uma única rede (a World Wide Web, sistema de hipertexto que possibilita a troca de textos, imagens e arquivos por meio de links, grande responsável pela popularização da internet, só foi criada pelos pesquisadores Tim Berners-Lee e Robert Cailliau em 1990). Hoje, documentamos tempos nos quais não dependemos somente da mídia tradicional para sabermos das últimas novidades. Temos blogs, aplicações peer-to-peer, comunidades no Orkut, sites de compartilhamento de vídeos como Dailymotion, de veiculação de músicas como o Imeem e de conteúdo colaborativo como o Overmundo, dentre as muitas opções à disposição de qualquer internauta. É a era dos prosumers, palavra cunhada por Alvin Toffler a partir de conceitos pensados por Marshall McLuhan e Barrington Nevitt na década de 70, utilizada para descrever os consumidores que também produzem conteúdo e são early-adopters das novas tecnologias.
Para Alexandre Matias, editor-assistente do caderno Link do Estado de S. Paulo e criador do blog Trabalho Sujo, há dois motivos principais para que o antigo perfil dos consumidores tenha sido modificado: “a facilidade e o barateamento da tecnologia” e “o aumento nas velocidades dos processadores de computadores pessoais e das conexões de banda larga”. Ainda segundo Matias, esta é uma era de ouro para os ProAms, citando o conceito cunhado pelos ingleses Charles Leadbeater e Paul Miller: professionais-amadores que não conseguiram (ou nem desejam) ser cooptados pelo mainstream, e recorrem a meios como YouTube e MySpace para divulgar suas produções.
Pague quanto quiser
Os paradigmas mudam com a mesma velocidade vertiginosa dos 15 fugazes minutos de fama de Andy Warhol. No meio do olho do furacão de um cenário em permanente transição, artistas, produtores e jornalistas titubeiam em afirmar qual será o futuro da cultura. No cenário musical, por exemplo, vimos o recente caso do Radiohead, que ofereceu todas as faixas de seu álbum In Rainbows para download, dando aos fãs a opção de pagarem o quanto quisessem pelos arquivos. O resultado: 62% dos cerca de 1,3 milhão de internautas que baixaram as músicas não desembolsaram um níquel sequer. Os 38% restantes pagaram em média US$ 6 pelo álbum, rendendo à banda inglesa cerca de 2,7 milhões de dólares.
O que os músicos brasileiros têm a dizer sobre a experiência do Radiohead? Fábio Costello, vocalista do grupo Hereges e heavy user de sites como MySpace, Trama Virtual e YouTube, aprovou-a e afirma: “O meio digital prevalecerá porque soluciona e expande a produção e distribuição de músicas. Cada canção encontrará o seu valor, decidido pelo próprio consumidor como mandam as regras do marketing saudável”. Porém, é um roqueiro que sucumbiu a uma proposta de emprego no Canadá e mudou-se para lá no começo deste ano. “Música não é minha atividade profissional”, diz Costello. Mas pondera: “Se eu passar o resto da vida simplesmente soltando singles em mp3 na internet, serei um artista realizado. Se alguém se interessar em bolar um esquema comercial em torno disso, ótimo, mas não é minha preocupação”.
Beto Cupertino, da banda Violins, elogiada pela crítica especializada e por sites especializados como Scream & Yell, é outro músico que não nutre maiores ilusões: tornou-se funcionário público e mantém atividades musicais em paralelo. Explica Beto: “Banda independente no Brasil não tem renda estável pra sustentar seus integrantes, não há um circuito intenso de shows com bons cachês pra essas bandas. O dinheiro que o Violins ganha com um CD é reinvestido na gravação do próximo”. Mas ressalta a importância da música em sua vida: “Sempre trabalhei com outras coisas, nunca vivi a ilusão de ter meu sustento com a banda. Mas eu vivo de música, num sentido muito maior e significativo. Eu não dependo dela pra comer, então ela é livre. Eu faço a música que eu quiser, não preciso ficar pensando em fórmulas para vendê-la. Tenho meu salário com outra coisa e isso é maravilhoso pra mim como artista”.
Outro depoimento significativo é o de Fernanda Takai, do Pato Fu. O grupo produziu seu primeiro álbum por conta própria, depois foi contratado por uma grande gravadora e recentemente retornou à independência, mantendo com a Sony/BMG um simples contrato de distribuição de seus trabalhos. Recentemente, o Pato Fu disponibilizou seu oitavo álbum de estúdio, Daqui pro Futuro, para venda em formato digital na UOL Megastore antes de vendê-lo como CD. Apesar dos pesares, Fernanda ainda crê na sobrevivência dos CDs. Afirma: “Sempre tem os fãs que gostam do todo. Do encarte, das informações técnicas, do disco físico mesmo. Isso não deve acabar tão cedo. Há um tipo de ouvinte mais genérico que se satisfaz com o que baixa na internet, assim como existe o ouvinte intermediário que procura tudo sobre o artista na rede, e aquele fã que compra o disco, a camiseta, e vai ao show”.
Faca de dois gumes
Cineastas estão discutindo as mesmas questões. Um caso emblemático foi o vazamento de Tropa de Elite, longa de José Padilha amplamente baixado pela internet e visto em DVDs piratas antes de sua estréia nos cinemas. Mesmo assim, o filme atraiu em um mês quase 2 milhões de espectadores, arrecadando mais de R$ 16 milhões nas bilheterias. Paulo Miranda, diretor de três curtas-metragens premiados (dentre eles Faça Sua Escolha, exibido no Festival de Veneza), fala dos prós e contras da internet: “É uma faca de dois gumes. Enquanto consumidor, sim, os avanços permitem que se ache filmes raros na Web. Graças a ela, baixei raridades como The Seaferers e Day of the Fight, os dois primeiros curtas de Stanley Kubrick. Por outro lado, enquanto profissional, vivo um dilema. A internet me ajudou permitindo a divulgação de meus trabalhos no mundo todo. Porém, não ganho nada em cima dessa divulgação”. Questiona Paulo: “A médio e longo prazo todo esse processo pode vir a nos prejudicar, financeiramente falando. Como nós, os artistas, nos sustentaremos?”.
Enquanto isso, camelôs de todo o país usam a criatividade para faturar, vendendo DVDs piratas de Tropa de Elite 2 (o documentário Notícias de Uma Guerra Particular, dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund em 1999), 3 (trechos de vídeos filmados pelo BOPE, Batalhão de Operações Policiais Especiais), 4 (Quase Dois Irmãos, filme de 2004 de Lucia Murat sobre tráfico de drogas) e até um inacreditável Tropa de Elite 5, alardeado como a “versão pirata definitiva”. Ricardo Cavallini, diretor de mídia da agência de publicidade F/Nazca Saatchi & Saatchi, diz que o boca-a-boca gerado pela pirataria foi o melhor marketing que o filme poderia ter. E ressalva: “A falta de opções legais criou muitos consumidores ‘alternativos’. Para eles, o prejuízo foi causado não pela pirataria de Tropa de Elite, mas por uma indústria que ‘forçou’ consumidores a buscar alternativas ilegais para ter praticidade, conforto e o custo que eles julgam ser justo pagar”.
Mais do que respostas, os tempos atuais trazem novos questionamentos. Mas o sentimento geral, até entre os maiores críticos da internet, é de que o aumento de quantidade na oferta de produtores de cultura traz mais aspectos positivos do que negativos. Marcelo Forlani, jornalista que, após trabalhar nos sites da 89 FM, Abril Jovem e AOL Brasil, hoje dedica-se exclusivamente ao Omelete, página de cultura pop há mais de 7 anos no ar e acessada mensalmente por 700 mil visitantes únicos, resume a história: “Da quantidade se tira a qualidade. Com a internet, não há um agente limitador. Não ficamos mais restritos ao que sai no jornal, toca no rádio ou passa na TV”. E complementa: “Com os sites das bandas e serviços que indicam produtos por semelhança, como uma Last.fm, vivemos uma realidade em que apenas uma coisa pode nos parar: a falta de interesse por descobrir coisas novas. É comum ‘perder’ horas num Flickr, vendo fotos de pessoas que não conhecemos, ou assistindo a vídeos no YouTube. Os trabalhos que apreciamos são rapidamente enviados para os amigos, salvos nos del.icio.us da vida, enfim, compartilhados. O que é bom tem hoje muito mais chance de ser pulverizado por aí e se tornar conhecido por muita gente”.
Em 1964, Bob Dylan cantou: The Times, They Are A-Changin’. Neste cenário de fragmentação dos meios de comunicação e reverberação das vozes pela internet, a única certeza é de que ninguém pode ficar parado. Seja deixando comentários em blogs, escrevendo resenhas na Amazon, subindo vídeos no YouTube ou músicas na Trama Virtual, o momento é de interagir. Esta é uma era de novas oportunidades, e você é o grande responsável pelas suas. Boa sorte.
P.S.: Escrevi originalmente a reportagem acima para a revista Continuum Itaú Cultural, seguindo sugestão de pauta que me foi passada por seu coordenador Marco Aurélio Fiochi, e publico aqui uma espécie de director’s cut da matéria original. Parafraseando as palavras do meu amigo Marmota, posso dizer que é uma tentativa desastradamente atrasada de participar da “blogagem inédita”, bem-sucedida iniciativa do guru Edney Souza de incentivar a blogalera a tirar sua bunda gorda da cadeira, a fim de produzir artigos relevantes que não se limitem a publicar posts escritos com base em informações tiradas de matérias e reportagens produzidas pelos mesmos jornalistas costumeiramente criticados pelos representantes da tal “nova mídia”.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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