It’s the End of the World as We Know It (And I Feel Fine)
Por Alexandre Inagaki ≈ quarta-feira, 24 de outubro de 2007
O vazamento do filme “Tropa de Elite”, o Radiohead dizendo que você pode pagar o quanto quiser (“it’s up to you”) para baixar o novo álbum deles, as discussões sobre a blogosfera realizadas pelos BarCamps e BlogCamps promovidos por todo o país, tudo está interligado a um novo cenário de mudanças que serão cada vez mais constantes daqui por diante.
Estes são tempos nos quais álbuns de canções já não precisam existir fisicamente. Mas será que a música e (principalmente) os artistas um dia independerão em definitivo de quaisquer suportes físicos, sejam eles CDs, vinis, fitas K-7 ou qualquer coisa que venham a inventar um dia desses? No excelente dossiê sobre música digital que Alexandre Matias e Marcelo Ferla escreveram para a Bizz (finada revista que, sinal dos tempos, só existe atualmente em formato de site) em novembro de 2006, o cantor Wado, que disponibiliza em sua página oficial todos os seus álbuns completos para download, afirmou: “CD é como uma festa de 15 anos, uma legitimação, um pedigree. Serve mais pelo status necessário para te levarem a sério. E no fim do show muita gente compra disco. Isto é um fato”.
A declaração de Wado me fez lembrar da experiência do pessoal do site de cultura pop Omelete. Há mais de sete anos no ar e com uma média de 700 mil visitantes únicos por mês, lançou sua versão impressa em março deste ano. Em entrevista concedida a Gustavo Miller para o jornal Estado de S. Paulo, a dupla de editores do Omelete, Érico Borgo e Marcelo Forlani, afirmou: “A revista deu mais status para nós. Muita gente que não acredita no poder da internet mudou de idéia assim que viu a versão impressa nas bancas de jornal”. Borgo comentou ainda que, com a revista, muita gente que ignorava o Omelete passou a convidar o staff do site para lançamentos e eventos: “Graças a ela, parece que só agora perceberam que a gente existe. É louco, mas a gente está jogando as regras do mercado”.
Não creio que esse estado de coisas descrito por Érico Borgo perdurará por muito tempo. A polêmica Estadão x blogs foi a face mais exposta de um embate que, na realidade, não possui razão de ser: o futuro reside na convergência e integração de mídias, e está intrinsecamente ligado à internet. Hoje em dia todos os principais sites de jornais como Folha de S. Paulo, O Globo e Zero Hora possuem sua área de blogs. Veículos que antes mantinham áreas fechadas a assinantes agora estão disponibilizando todo o seu conteúdo gratuitamente, vide o americano The New York Times e o espanhol El País. O periódico hispânico deu mais um passo adiante: também criou La Comunidad, serviço gratuito de hospedagem de blogs. Tolas e ultrapassadas serão as assessorias de imprensa ou distribuidoras de filmes que regularem credenciais para um Omelete, um Judão (audiência de mais de 3 milhões de pageviews por mês) ou um Jovem Nerd (visitado diariamente por cerca de 40 mil usuários únicos) “só” porque são blogs ou sites e não publicações impressas.
Julio Daio Borges, criador e editor do Digestivo Cultural, revista cultural eletrônica no ar desde setembro de 2000, é autor do artigo “Publicar em papel? Pra quê?”. Nele, Julio fala especificamente do desejo que jovens escritores possuem de ter um livro publicado por uma editora, mas creio que suas palavras podem ser aplicadas a blogueiros, músicos, videomakers e quaisquer outras pessoas que encontraram na rede virtual a interface ideal para a divulgação de seus trabalhos:
Desde os anos 90, existe um negócio chamado internet (não sei se você sabe…). E desde os anos 2000, ou desde antes, existe um negócio chamado blog. O autor, qual seja, não precisa mais esperar por um editor para ter seus escritos publicados. Nem precisa de alguém para distribuir, para divulgar. Só precisa ter leitores; ou seja, como qualquer escritor (publicado ou não), precisa ir conquistando leitores aos poucos. E esse é hoje o verdadeiro teste para dizer se um autor é bom ou não (se quiserem, publicável ou não): a audiência on-line. Na internet, no blog, ninguém está olhando para a embalagem que envolve seus escritos; ninguém está ligando para o local onde sua obra foi exposta. Se você for bom, você vai ter leitores, ponto.
Estes são tempos nos quais você precisa estar constantemente preparado para as mudanças. Basta lembrar, citando alguns exemplos de sites e gadgets que soam essenciais mas inexistiam há pouco tempo, que o iPod foi lançado em outubro de 2001, o MySpace surgiu no final de 2003, o Orkut em janeiro de 2004 e o YouTube, em fevereiro de 2005. É necessário, pois, saber se adaptar constantemente, e os músicos sabem bem disso. Os (bons) exemplos são muitos: Radiohead dando aos seus ouvintes a opção de pagarem quanto desejarem pelos downloads de seu álbum “In Rainbows” e faturando entre US$ 6 a 10 milhões com as vendas. Trent Reznor anunciando no blog do Nine Inch Nails que sua banda está livre de contratos com gravadoras após 18 anos de carreira. Prince distribuindo seu novo álbum gratuitamente aos leitores de um jornal inglês. Madonna largando a Warner após 25 anos para assinar com uma empresa organizadora de shows, a Live Nation.
Mas e se você não é nenhuma Madonna ou Radiohead? Bem, aí que tal se pautar nos cases de Lily Allen, cantora inglesa que ganhou reconhecimento por causa do seu MySpace, Ok Go, que graças ao clipe de “Here It Goes Again” no YouTube angariou fama mundial e mais de 23 milhões de visualizações de seu vídeo, Fresno, banda gaúcha que contabilizou mais de 250 mil downloads de suas músicas em mp3 no site Trama Virtual e hoje tem shows marcados em todo o Brasil, ou Terminal Guadalupe, que seguiu o exemplo dos canadenses do Barenaked Ladies e vende seu álbum mais recente “A Marcha dos Invisíveis” no formato de pen drive?
Estes são tempos nos quais independemos de intermediários. Escritores formam leitores através de seus blogs e publicam seus livros de forma independente, em iniciativas como a d’Os Viralata. Vídeos feitos por gente como a trupe brasiliense do VaiVc, ou o brasileiro mais visto no YouTube, Guilherme Zaiden, cujas nove produções foram visualizadas mais de 8 milhões de vezes, ganham reconhecimento sem necessitar de Rede Globo. Blogs sustentam-se prescindindo de patrocínios, evitando incorrer na mesma dependência financeira que decretou o final do No Mínimo. E assim são as coisas. Não adianta, pois, chorar por causa da pirataria derramada, como fez José Padilha, diretor de “Tropa de Elite”. Eu me pergunto por que os produtores do filme brasileiro mais visto e comentado dos últimos tempos não aproveitaram o hype, lançando produtos como camisetas e bonés (que muitos espectadores certamente teriam comprado se houvesse uma “barraquinha” próximo às bilheterias dos cinemas) ou o boneco do Capitão Nascimento concebido pelo Silveira.
Na mesma matéria em que Matias e Ferla falam da música na era pós-CD, Adriano Cintra, frontman da banda brasileira atualmente mais conhecida no exterior, Cansei de Ser Sexy, afirma: “Quero mais é que as pessoas troquem minhas músicas. Dinheiro eu faço com editora e show. Não com venda de disco”. E Gabriel, dos Autoramas, complementa: “Fazemos shows em lugares onde nossos CDs nunca chegaram e todo mundo cantou as músicas. Quando ficou mais fácil o acesso ao nosso som, a quantidade de shows aumentou muito”.
Inspire-se no exemplo do movimento punk: “do it yourself”. O mundo definitivamente mudou, e eu me sinto muito bem com isso.
P.S. 1: Publiquei no Overmundo um texto que fala especificamente sobre a mudança do status quo musical: “O CD Agoniza, Viva a Música!”.
P.S. 2: O título deste artigo foi surrupiado de um clássico do R.E.M., faixa 6 do álbum “Document”, gravado e lançado em 1987. Confira aqui um vídeo no YouTube que exibe a letra de Michael Stipe, certamente uma das mais difíceis de se cantar em todos os tempos.
P.S. 3: O Digestivo Cultural promoveu uma série de quatro mesas de debate intitulada “A Palavra na Tela: Jornalismo, Literatura e Crítica Depois da Internet”, com a intenção de discutir os impactos da internet na produção escrita do Brasil. O último encontro ocorrerá hoje, a partir das 19 horas, na Casa Mario de Andrade. Clique aqui para ouvir o áudio dos três debates já realizados e informar-se sobre como participar da mesa de discussões desta noite.
P.S. 4: Edney e Knuttz já clicaram aqui e votaram em Pensar Enlouquece como Melhor Weblog em Português no prêmio The BOBs. E você? ;)
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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