Dia Mundial do Beijo
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 13 de abril de 2008
Não sei porque decidiram celebrar o Dia Mundial do Beijo no dia 13 de abril. Terá sido o dia em que Robert Doisneau tirou sua famosa fotografia do beijo de um casal numa rua de Paris? Foi esta a data na qual Rodin terminou sua clássica escultura? Ou o dia em que estreou nos cinemas “A Dama e o Vagabundo”, o desenho da Disney que mostra a cena na qual os cachorrinhos beijam-se acidentalmente ao compartilhar um prato de espaguete?
Bem, o caso é que a resposta não importa tanto. Afinal de contas, assim como um beijo roubado é mais instigante do que um previamente autorizado, os pretextos para que uma data tão interessante como esta seja celebrada pouco importam. E o fato é que falar sobre beijos, embora não seja tão gostoso quanto o ato em si, é ingressar em um universo de curiosidades capazes de fazer a gente perder uma tarde inteira navegando por aí. Por exemplo: vocês sabiam que, na Índia, beijar em público é considerado um ato obsceno que pode ser punido com até dois anos de prisão e 33 euros de multa? O ator Richard Gere, que cometeu a “indecência” de beijar uma atriz indiana durante um evento público em Nova Délhi no ano passado, aprendeu às duras penas que isso não se faz por lá.
Ironicamente, os mais antigos registros literários do ato de beijar provêm justamente da Índia. Trechos das Vedas, os mais antigos textos sagrados do Hinduísmo, escritos em sânscrito por volta do ano 1.500 A.C., e de outros livros hindus como o Mahābhārata, contêm trechos com descrições sensuais de bocas se unindo. Eis um belo exemplo extraído da Satapatha Brahmana: “Amo beber o vapor de teus lábios”. Outra obra seminal da literatura indiana, o famoso tratado sexual Kama Sutra, dedica um capítulo inteiro à arte de beijar, explicando, dentre outras valiosas lições, que “não há duração fixa ou ordem estabelecida entre o abraço e o beijo, o aperto e as marcas feitas com as unhas e os dedos”. Sábias palavras, que me fizeram lembrar de um provérbio chinês: “O beijo é como a água salgada; quanto mais se bebe, mais sede se tem”.
Se na Índia os beijos em público representam contravenções, você sabia que na Hollywood dos anos 30 cenas que fossem consideradas de “paixão excessiva” eram proibidas segundo o Código de Produção que regulou as produções cinematográficas até os primeiros anos da década de 60? Pasmem: nenhum beijo em cena poderia durar mais do que 3 segundos. Nenhuma regra, porém, que não pudesse ser burlada por um diretor do talento de Alfred Hitchcock. Ao dirigir Interlúdio, em 1946, Hitchcock filmou uma cena na qual Cary Grant e Ingrid Bergman passam quase três minutos trocando uma série de beijos curtos, entremeados com abraços, diálogos ao pé do ouvido e carícias. Os censores nada puderam fazer para cortar essa longa seqüência; afinal de contas, nenhum dos beijos ultrapassou os três segundos permitidos. Confiram o drible genial que Hitchcock deu na censura da época no vídeo a seguir.
Os protagonistas da sétima arte também renderam ótimos causos para serem compartilhados. Vide a história estrelada por Chico, um dos irmãos Marx. Reza a lenda que Chico foi flagrado pela esposa beijando uma corista. Em sua defesa, o irmão de Groucho proferiu a seguinte desculpa: “Querida, eu não estava beijando ela. Eu estava apenas cochichando na sua boca!”. Haja confidências… Segundo pesquisas feitas pela médica francesa Martine Mourier (citada em uma matéria clássica da revista Superinteressante), que escreveu uma tese de doutorado de mais de 200 páginas sobre os efeitos do beijo no organismo humano, um beijo carinhoso aciona 17 músculos, enquanto outro mais caliente movimenta 29. A pressão que o rosto de uma pessoa exerce sobre outra chega a 12 quilos, e pelo menos 250 bactérias fazem um intercâmbio de uma boca para outra. Incrível como a ciência por vezes tira o romantismo de certos atos…
Voltemos, pois, ao território da sétima arte. Os famosos beijos cinematográficos deram origem à mais bacana categoria do MTV Movie Awards: o prêmio de Melhor Beijo, que já foi concedido a cenas de filmes como Meu Primeiro Amor, Debi e Lóide e O Segredo de Brokeback Mountain. Se esta premiação, criada em 1992, tivesse surgido anteriormente, certamente teria laureado com louvor cenas antológicas como o beijo na praia de Burt Lancaster e Deborah Kerr em A Um Passo da Eternidade, ou o beijo da morte que Michael Corleone dá em seu irmão Fredo em O Poderoso Chefão II.
Encerro este artigo com aquela que considero ser a mais bela antologia de beijos: a seqüência final de Cinema Paradiso, a obra-prima que o italiano Giuseppe Tornatore dirigiu em 1988. O trecho a seguir mostra o momento em que Salvatore assiste a um rolo de filme deixado por seu amigo de infância, o projetista Alfredo, reunindo todas as cenas de beijos que haviam sido censuradas pelo padre do vilarejo em que morou quando era um garoto. Reveja essa seqüência, emoldurada pela trilha sonora de Ennio Morricone, e aproveite esta data como um pretexto para celebrar o Dia Mundial do Beijo dando razão às palavras de Ingrid Bergman, que disse: “O beijo é um truque maravilhoso que a natureza inventou para interromper a conversa quando as palavras se tornam supérfluas”.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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