A melhor descrição de um beijo

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 05 de fevereiro de 2016

Como descrever um beijo? Machado de Assis, com a sabedoria de quem escreveu algumas das maiores obras-primas da literatura brasileira e mundial, afirmou que “a melhor definição do amor não vale um beijo de moça enamorada“. Mas vale aqui fazer a ponderação: os grandes escritores são aqueles que conseguem traduzir momentos, sentimentos, emoções, por meio das mais belas e precisas palavras.

De todos os beijos literários, creio que não há nenhum que seja capaz de bater a descrição feita por Julio Cortázar no capítulo 7 de O Jogo da Amarelinha. Se alguém souber de outro beijo mais arrebatador na literatura, por favor, deixe a transcrição do trecho nos comentários. A tradução para o português é de Fernando de Castro Ferro.

Como descrever um beijo? Aprenda lendo um trecho do capítulo 7 de Rayuela, de Julio Cortázar.

Não deixe de conferir o texto original em espanhol de Cortázar, meu escritor predileto. E de ouvir esta preciosidade na voz do autor de outras obras-primas como As Armas Secretas e Todos os Fogos o Fogo (que contém um de meus contos favoritos, “A Auto-Estrada do Sul”).

* * *

P.S. 1: Segundo a The Atlantic, que fez uma lista de 10 dos maiores beijos da literatura, mereceram citação livros como O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, Romeu & Julieta, de William Shakespeare, Lolita, de Vladimir Nabokov, e Middlesex, de Jeffrey Eugenides. Boas escolhas, mas ainda prefiro a minha. :)

P.S. 2: Clique aqui para ler um bom texto sobre Cortázar, cujo centenário foi celebrado em 2014.

P.S. 3: Curiosidade: em Portugal, a primeira tradução de Rayuela, feita por Alberto Simões, foi publicada em 2008, com o título de O Jogo do Mundo. Eis como ficou o capítulo 7 na versão lusitana:

Toco a tua boca. Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida entre todas as bocas, escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender, coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da que a minha mão te desenha.

Olhas-me, de perto me olhas, cada vez mais de perto, e então brincamos aos ciclopes, olhando-nos cada vez mais de perto. Os olhos agigantam-se, aproximam-se entre si, sobrepõem-se, e os ciclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam sem vontade, mordendo-se com os lábios, quase não apoiando a língua nos dentes, brincando nos seus espaços onde um ar pesado vai e vem com um perfume velho e um silêncio. Então as minhas mãos tentam fundir-se no teu cabelo, acariciar lentamente as profundezas do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de uma fragrância obscura. E se nos mordemos a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo do fôlego, essa morte instantânea é bela. E há apenas uma saliva e apenas um sabor a fruta madura, e eu sinto-te tremer em mim como a lua na água.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • Parabéns pelo blog, muito bacana! continue assim.

  • Realmente seu blog é muito irado, sempre que posso passo para dar uma olhadinha em seus post.

  • There is evidently a bunch to know about this. I suppose you made various good points in features also.

  • Hi I like your comment and it is so informational and I am gonna bookmark it. One thing to say the Superb analysis you have done is greatly remarkable.No one goes that extra mile these days? Bravo. Just another suggestion you canget a Translator for your Global Audience .

  • Bikes is something I enjoy. I don’t know if you know about the “Spanish Bicycle Tour” (vuelta ciclista to Spain). I viewed it few times and it is something I will not forget.

  • ler Cortázar é como comer um bom chocolate.

    -

  • Aninha

    Espero por um desses em casa.

  • Muito Romântico Este Livro, Sempre Gostei de Livros Assim, Acho que Vou Pegar Sua Recomendação.

    R: É muito mais do que um livro romântico, Master Blogger. Vale a pena. :)

  • Ina,

    para você já colocar na sua wishlist. bjks.

    http://www.elpais.com/articulo/cultura/making/of/inedito/Rayuela/elpepucul/20100522elpepicul_1/Tes

    R: Márcia, ADOREI saber da notícia. Muito obrigado, mesmo, por ter se lembrado de mim e compartilhado o link dessa matéria do El País! :)

  • O “Jogo da Amarelinha” é anárquico do começo ao fim, tanto pela forma com diversos roteiros para a leitura quanto pelo conteúdo (indefinição de lugares, tempo, descrições enlouquecidas, intelectualismo e uma imensa vontade amar quase sempre refreada… sexo com conflitos existenciais & personagens desterrados…)uma boa lição de perda de gravidade - oscilação.
    Parabéns pelo incentivo à leitura no seu blog rapaz, não somos nada sem ela…

    R: Obrigado pelo comentário, Marcelo. Você lembrou de um dos muitos motivos pelos quais “Rayuela” é tão genial: a maneira como Cortázar constrói, destrói e reconstrói sua narrativa, permitindo que o leitor navegue pelos capítulos do livro como numa espécie de web em celulose, com hiperlinks avant la lettre. Um abraço e valeu pelas observações!

  • Adquiri por R$3,00 o ‘Todos os Fogos o Fogo” e é uma coisa, realmente.

    Aqui dá para ler outro conto dele.

    http://www.releituras.com/jcortazar_menu.asp

    R: El Torero, foram sem dúvida nenhuma os três reais mais bem gastos de toda a sua vida!

  • Carlos Alberto Bárbaro

    “Swann deslizava a outra mão ao longo da face de Odette; ela olhava-o fixamente, com esse ar lânguido e grave que têm as mulheres do mestre florentino com as quais lhe achara semelhança; à flor das pálpebras, brilhantes, rasgados e finos como os daquelas, seus olhos pareciam prestes a se destacar como duas lágrimas. Ela pendia o pescoço, como o vemos fazerem todas elas, tanto nas cenas pagãs como nos quadros religiosos. E, numa atitude que decerto lhe era habitual, que sabia ser adequada a tais momentos e que timbrava em não esquecer, de assumir, ela parecia ter necessidade de todas as suas forças para reter seu rosto, como se uma força invisível a atraísse para Swann. E foi Swann quem, antes que Odette o deixasse tombar, como sem querer, sobre os lábios dele, o reteve um instante, a alguma distância entre ambas as mãos. Queria Swann deixar a seu pensamento o tempo de acorrer, de reconhecer o sonho que tão longamente acariciara e de assistir a sua realização, como uma parenta a quem se chama para compartilhar do sucesso de uma criança a quem ela muito amou.

    Talvez Swann também fitasse naquele rosto de uma Odette ainda não possuída, e nem mesmo beijada,
    que via pela última vez, esse olhar com que desejaríamos levar, na hora da partida, uma
    paisagem que vamos deixar para sempre.”

    Marcel Proust, No caminho de Swann [Em busca do tempo perdido, vl. I],Rio de Janeiro, Globo, 1987, p. 229

    É o pré-beijo, mas acho que tá valendo.

    R: Carlos Alberto, obrigado pela excelente contribuição! Um abraço.

  • Adrian

    Describe, lo mas que se ofrece en un beso. La entrega de lo que se siente sin esperar, solo sentir la suavidad y trasmitir el deseo de brindar….
    Un propio sentimiento, que ofrece liberatad y encontrar vivir,…

  • Fabiana

    The best! Chego a sentir…

  • Rodrigo Lopes

    É fantástico.

  • Rodrigo Lopes

    É fácil ter um blog?… Não, não é. Por isso devemos todos admirar o esforço de nosso companheiro. Belas postagens.

    R: Obrigado, Rodrigo. Pois é, manter um blog por vários anos demanda bastante trabalho e disciplina. Mas, principalmente, amor ao que se faz. É por isso que não vejo futuro em blogs que são criados com o objetivo principal de ganhar dinheiro. Um eventual retorno financeiro vem com o tempo. Um abraço!

  • Cris

    Lindo…

  • Que delícia…! Adoro beijo + Cortázar ocupando o mesmo post.

    R: Combinação infalível, Fábia. :D

  • Mariângela

    ach……..lindíssima descrição de um beijo,de tirar mesmo o fôlego,e nestas horas o melhor de tudo é ter uma parceria para dar muitos beijos.Abraço!

    R: Mariângela, de fato: parcerias para a vida fazer sentido. :)

  • Tava agora a pensar de um filme interessante que eu vi no outro dia e não lembro o nome, mas o beijo que ocorria nesse filme parece o que é descrito.

    R: Difícil descobrir com tão poucas informações. Seria My Blueberry Nights?

  • só de ler, dá sapinho.

    R: HAHA! Tome cuidado com o que você faz com a boca, Cláudio!

  • Renata

    Sobre sua resposta: Esse livro é realmente um perigo!(rs)
    Insubordinado. Ambíguo. Mas como você não é nenhum incauto, entendo perfeitamente seu desejo profano.

    R: Adjetivos bem escolhidos! E, de fato, os melhores livros são os insubordinados e ambíguos.

  • Renata

    Quando li “O jogo da Amarelinha” fiquei encantada com a mobilidade da obra, com a possibilidade de escolher o roteiro e mesmo assim perceber o elo entre os capitulos. Tanto encantamento com a forma me privou de apreciar adequadamente a qualidade do texto. Adorei reler aqui essa descrição inspirada.

    R: Renata, sei que eu já devo ter lido “O Jogo da Amarelinha” umas 6 ou 7 vezes, nas duas ordens sugeridas de leitura, e a cada vez que faço isso me reencanto novamente por alguma passagem, entrelinha ou insight do romance de Cortázar. É, sem dúvida, o livro que eu gostaria de escrever caso Louis Cypher sugerisse algum pacto comigo.

  • Barbara

    Adorei o post.

  • Muito bom! Parabéns pelo post! Vou ler o “O Jogo da Amarelinha”, valeu pela dica.

  • Caro Alexandre, visitei seu blog e achei o conteúdo bem interessante.
    Trabalho numa empresa ligada a educação e gostaria de enviar um material para que conheça o trabalho da mesma.
    Você poderia me enviar um email de contato?
    Muito obrigada,
    Karla

    R: Olá Karla, sinta-se à vontade para me escrever no email informado na coluna à direita deste blog: inagaki2 arroba gmail ponto com. Um abraço.

  • Oi Inagaki,

    Só passei para dar uma olhadinha, mas como você sabe no resisto a deixar uma opiniaozinha. Acho praticamente impossível alguém bater os detalhes e a preciosidade com que ele descreve esse beijo.

    Ainda tenho que ler Amarelinha, só li um livro de contos dele que adorei “Alguien que anda or ahi”. Mas a disciplina nao é uma das minhas maiores virtudes.

    Beijabraço ;-)

    R: Cintia, sempre bom te ver por aqui! :) A propósito, tenho inveja de você, viu? Porque você terá o privilégio de ler “O Jogo da Amarelinha” e outros livros fantásticos do Cortázar como “Todos os Fogos o Fogo” pela primeira vez. :D Um beijabraço!

  • lindo, muito mais bonito no original, tão mais economico e melodioso, e ainda mais lindo falado, ou antes sussurrado, por ele.

    R: Pois é, Christiana. Cortázar é o cara. Ótimo poder desfrutar da leitura dele, não?

  • Demais… ótimo post

  • realmente, esse é de colar na parede do quarto, ao lado de um trecho liiindo que eu tenho que descreve Florentino Ariza, do livro ‘amor nos tempos do cólera’ que tambm é arrebatador!

    R: Mayara, se você tiver esse trecho transcrito do livro do Garcia Márquez pra colar aqui, será muito bem-vindo!

  • Lindo beij… texto! :)

    R: Belo texto que (quase) vale por um beijo arrebatador, né Mirianne? :)

  • muito bom!

  • é um grande enredo mesmo!
    gosto muito de |Julio Cortaraz!
    parabéns pelo post!

    R: Nada como encontrar mais pessoas com bom gosto literário. :) Um abraço, Dimitri!

  • Lindo texto mesmo! Abração

    R: Com certeza, cumpadi Fabio. Aquelabraço!

  • Lindo! E perfeito! Parei pra pensar ( coisa rara… risos) e realmente não me lembro de ter lido algo melhor para descrever um beijo que esse texto do Júlio. só no cinema vi coisas assim, perturbadoras… Queria praticar, também, mas tá difícil…risos… sou homossexual e mesmo com os tênues avanços na luta contra o preconceito, ainda é difícil arrumar parceiro…
    Abraços,
    Ricardo
    [email protected]
    http://dividindoatubaina.wordpress.com/

    R: Ricardo, menos mal que, desde que Oscar Wilde definiu o amor homossexual como aquele que “não ousa dizer seu nome”, tivemos avanços de lá para cá. Ainda há muito preconceito, por certo, mas espero que, paulatinamente, esse cenário mude. Um abraço!

  • Ina,
    vim conferi mas já suspeitava desde o início: ninguém pensou melhor descrição de beijo que essa.E que bom que o post contaminou um monte de gente que vai ler Cortázar!
    Um….beijo!

    R: Márcia, se fizer com que pelo menos um visitante do meu blog passe a ler Cortázar após este post, sinto que cumpri com meu dever. :) Um beijo!

  • Que cena perfeita!!! Me deu não só a vontade de um beijo, mas tbm a vontade de ler o livro.

    Parabéns pelo blog, muito bacana! E já está na minha lista de blogs queridos! Abraços!

    R: Isabele, não refreie suas vontades! :) Valeu pelo comentário e pela visita. Um abraço!

  • f_lip_

    Fiquei literalmente com água na boca.
    Vou ligar pra minha namorada.

    R: No que faz muito bem, Felipe. Bons textos inspiram boas ações. :)

  • Marina

    bah, tem frases que tão pertinentemente tiram o fôlego nesse trecho!
    Legal :)

    R: Marina, pra você ver que é, de fato, a melhor descrição literária de um beijo. Tal qual os melhores beijos, também perdemos o fôlego com as frases de Cortázar. :)

  • Olá, Inagaki!

    Seu blog é irado e o conteúdo é sensacional. É, sem dúvidas, um dos meus blogs que venho para dar uma conferida e expirada. É ai que surge a inspiração.

    Dá uma olhada lá depois. Deixe sua opinião sobre mudanças (o que melhorar, etc)

    o twitter é @dedenb

    R: Olá André, obrigado pelo comentário! E parabéns pelo seu blog, gostei bastante da proposta e vi que está seguindo por um caminho bacana. Para o alto e avante! :D

  • uau. realmente, uma descrição e tanto! não é qualquer um que descreve algo tão íntimo como um beijo.

    nunca li Julio Cortázar, mas deu até vontade de ler Todos os fogos o fogo, que tenho aqui.

    fico feliz de te ver mais ativo aqui no blog!

    R: Nathália, o que a senhorita está esperando para devorar seu exemplar de “Todos os Fogos o Fogo”? Já para a leitura, mocinha! :D

  • Há tempos ando com uma vontade enorme de ler Cortázar - diria até uma necessidade, mesmo. Para aumentar essa vontade, uma amiga está lendo O Jogo da Amarelinha e não para de falar no livro. E, agora, essa descrição perfeita do beijo! Acho que desse fim de semana não passa, vou ter que achar esse livro!

    R: Juliana, espero que, no momento em que respondo ao seu comentário, você já esteja com seu exemplar de “O Jogo da Amarelinha” nas mãos!

  • Alaide

    Lindo! Com uma “cantada” dessa um homem não precisa nem lembrar mais o aniversário da amada. :P

    R: Com certeza trata-se de belo salvo-conduto para ser perdoado de certos esquecimentos, Alaide. :)

  • Mancada… e como ficam os encalhados nessa? #sónavontade

    R: Eita. Lety, que fique a (ins)piração para que os encalhados saem dessa situação o quanto antes! :D

  • Enquanto lia o texto, me passava um filminho na cabeça… e aquela vontade!
    Fantástico!

    R: Belo exemplo de literatura sinestésica, né Renata? :)

  • A auto estrada é um dos meus favoritos tb. Cortazar é mestre.

    R: É a palavra exata, Luciana: mestre. E “O Jogo da Amarelinha” é meu livro de cabeceira. :)

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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