Quando o assunto é Natal, dois clichês justapõem-se e aparecem de forma onipresente nas conversas: de um lado, pessoas que genuinamente acreditam no espírito natalino e aproveitam a época de ruas e árvores iluminadas para resgatarem suas esperanças no gênero humano; de outro, rabugices sobre “consumismo, comilança e sentimentalismo” (como bem resumiu Gabriel Priolli).
De minha parte, posso dizer que, apesar de me exasperar com panes de máquinas de cartões de crédito sobrecarregadas nestas semanas de incentivo extra ao espírito capitalista, rádios tocando certas músicas natalinas ad nauseam, mensagens padronizadas e arquivos em Power Point com frases tão edificantes quanto solos de saxofone do Kenny G., eu gosto desta época do ano. E creio que toda ocasião que serve como pretexto para que a gente reencontre os amigos, os parentes e as pessoas que nos são importantes tem mais é que ser celebrada e valorizada.
Se tudo mais der errado, que haja sempre ocasião para um sorriso. Nesta véspera do nascimento de Jesus, tomei emprestadas tiras de Laerte Coutinho, Ryot e Bill Watterson para desejar a você que me lê um dia livre de indigestão por causa de overdoses de chester com rabanada. E, claro, um Feliz Natal! ;)
Joseph Campbell, em um trecho de “O Poder do Mito”, afirma: “A vida é dor; e o amor, por ser a mais intensa manifestação da vida, é responsável por nossas maiores alegrias e tristezas.” Não posso tirar essa definição da cabeça quando penso nas famílias que, ao sabem que um parente querido já não está mais neste mundo, consentem que seus órgãos sejam destinados a outras pessoas que necessitam deles.
Haverá um dia em que não estarei mais neste mundo. Não terei a oportunidade de ver as cores se digladiando no céu de um pôr-de-sol. De sentir o frescor de uma brisa no rosto, de ganhar horas conversando com amigos sobre a Vida, o Universo e Tudo Mais, de ter o coração aquecido com a visão de um sorriso de mulher. Ao menos não neste corpo físico. Pensando sobre essas questões, uma pergunta me veio à cabeça: qual é o legado que deixaremos a este mundo? Há quem não dê a mínima, há que ache que sua permanência neste mundo será naturalmente continuada por seus filhos, há quem sonhe em perpetuar seu nome em uma praça, uma rua, um parque. Carlos Drummond de Andrade, em um soneto sobre essa questão, escreveu em um arroubo de humildade: “De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho.”
É inevitável recordar o chavão de que uma pessoa totalmente realizada é aquela que teve um filho, plantou uma árvore e escreveu um livro. Notem: são três atos que simbolicamente transcenderiam as limitações da minha existência física. Um filho asseguraria a transmissão de meus genes. Com uma árvore, perpetuo a vida em si mesma. E o livro garantiria a permanência de meus pensamentos. Mas tudo isso na teoria, é claro. Nada garante que meu rebento não poderia se tornar um misantropo egoísta e apolítico, que a tal árvore não tombaria no cocoruto de um desavisado ou que meu futuro romance não desembocaria num balcão empoeirado de encalhes. Recordo a excelente paráfrase de Stanislaw Ponte Preta sobre o assunto: “Tinha um filho, plantou uma árvore, o filho trepou na árvore, caiu e morreu. Só lhe restou escrever um livro sobre isso.”
Porém, à equação filho/árvore/livro acrescento um novo elemento, tão significativo quanto os anteriores: a doação de órgãos. É um gesto simples, mas capaz de salvar a vida de outras pessoas: basta avisar os seus pais, irmãos, esposa ou companheiro que você deseja que seus órgãos sejam destinados para doação. Uma atitude de amor, talvez a maior transcendência que podemos almejar neste mundo doido e por vezes sem sentido. E um ato heróico, no sentido cunhado por Campbell no livro que citei no primeiro parágrafo deste post, por ser capaz de salvar outras vidas.
Tenho poucas certezas nesta vida, mas uma delas é esta: amor é presença perene no coração. Porque há ocasiões em que dói, como se o coração fosse comprimido pela mão da ausência. Porém, penso que o amor será, sempre, um acalanto; a certeza de que existe alguma coisa além da fugacidade deste mundo, que seja capaz de perpassar o pó do qual viemos e ao qual voltaremos. Pois as pessoas que amamos permanecem em nossas lembranças. E, a cada instante em que evocamos um certo sorriso, um gesto de carinho ou o gosto ensolarado de uma tarde compartilhada de felicidade, elas tornam-se mais vivas ainda dentro de nós.
Amar é estender a mão aos que precisam. E falar de amor, para mim, é recordar a lição irretocável dos Beatles: “And in the end/ The love you take/ Is equal to the love you make.” Lembrando que, para cada fim, há também um recomeço.
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P.S. 1: Dia 27 de setembro é o Dia Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos. A fim de divulgar esta campanha a favor da doação de órgãos, eu e diversos outros nomes estamos compartilhando conteúdo com outros blogs. Visite o site da campanha para saber como se tornar um doador, avisar amigos e parentes sobre sua decisão e buscar mais informações sobre o assunto.
P.S. 2: Aos leitores que não visualizarem o post doado por Rafael Losso, cliquem aqui.
Há tempos estou para escrever um texto sobre o ato de procrastinar. Mas se há uma coisa que a gente não costuma adiar é o hábito de postergar, enrolar, deixar certas tarefas para o dia seguinte. Outro dia mesmo, ao pensar sobre o assunto, acabei tuitando uma frase que sintetiza bem essa história: “Procrastinação é como masturbação. No começo é bom, mas depois vc percebe que só está fodendo a si mesmo”. Continue Lendo
Quem diria que, antigamente, as camisetas eram usadas apenas como peças de baixo, feito cuecas e calcinhas, para proteger o corpo das marcas de transpiração e mudanças de temperatura? Paulatinamente, a camiseta, feito um daqueles coadjuvantes que roubam a cena dos protagonistas em um filme, foi ganhando mais e mais destaque no vestuário cotidiano, com o auxílio de formadores de opinião como Coco Chanel, pioneira em fazer da camiseta marinière uma peça unissex, ou Marlon Brando, cuja imagem no filme Um Bonde Chamado Desejo tornou-se um ícone do sex appeal no cinema.
As camisetas deixaram de ficar escondidas sob qualquer outra peça de roupa. Tornaram-se sinônimos de conforto e liberdade e passaram a estampar sonhos e ideais, por meio de frases e símbolos estampados em modelos customizados. Cada um cria seu próprio modo de usar, expressando um pouco da personalidade de quem veste sua t-shirt. Contudo, é bóbvio que, ao transformarem-se em meios de comunicação, elas também começariam a ser apropriadas pelo establishment. Que atire o primeiro cabide aquele que nunca ganhou uma camiseta com a estampa de um produto, marca ou candidato a algum cargo político (nem que você tenha a transformado imediatamente em pano de chão). Continue Lendo
A primeira lembrança que tenho do mar é de uma manhã numa praia em Salvador, cidade em que minha irmã, legítima japaraguaia baiana, nasceu. Meu pai trabalhava no polo petroquímico de Camaçari, e eu tinha uns quatro anos de idade quando nossa família passou uma manhã numa das praias do litoral baiano. Mas a minha primeira recordação é muito vaga. As ondas levaram o baldinho azul que eu usava para brincar; elas nunca o devolveram para mim.
Naquele já distante ano de 1977, meu pai mudou de emprego e nossa família se mudou para São Paulo, esta cidade caótica onde moro até hoje. Nos dias de trânsito, rotina básica de qualquer paulistano, sinto que estou ilhado no meio de um mar de carros sem horizonte. Meu convívio com o mar, pois, é bissexto e atém-se às viagens que faço de vez em quando a lugares geograficamente mais privilegiados, nos quais é possível vislumbrar uma paisagem em que a gente pode sentir a brisa sem passar pela barreira de prédios e outras construções que bloqueiam os nossos sentidos.
Apesar de a minha primeira experiência direta com o mar ter sido um pouco traumática, não tenho qualquer motivo para me queixar. Muito pelo contrário; lugares como Porto de Galinhas, a praia de Copacabana e a Ilha do Mel ou recordações como as do cruzeiro em alto mar que fiz no final do ano passado pagariam com juros e correção monetária qualquer balde que as ondas porventura levassem de mim. Pois é nas oportunidades em que descanso meus olhos no horizonte sem fim do mar, enquanto caminho por areias macias muito mais convidativas aos pés do que a dureza de asfaltos e calçadas rachadas, que repouso ouvindo o barulho das ondas indo e vindo e percebo o quanto o mar é fundamental para nossas vidas. Intuitivamente, quase sem recordar que três quartos deste planeta são cobertos por oceanos cada vez mais poluídos e vilipendiados, com peixes e outras espécies marinhas ameaçadas de extinção.
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P.S. 1: 8 de junho é o Dia Mundial dos Oceanos. Foi o mote para que minha amiga Lucia Malla convidasse blogueiros para relatarem histórias pessoais nas quais o mar fosse cenário ou personagem. Citando suas palavras: “O nosso intuito: trazer para a esfera pessoal, da nossa vida diária, os oceanos. Mostrar o quanto eles estão próximos da gente. A sobrevivência saudável dos mares do mundo depende do quanto a gente se importa com eles hoje - e para se importar, precisamos estar conectados de alguma forma.” Confira outras histórias sobre o mar no blog Faça a Sua Parte.
P.S. 2: O vídeo que ilustra este post integra o documentário HOME - O Mundo é a Nossa Casa, resenhado por Alex Primo em seu blog.
Carnaval é legal. E não afirmo isso só por causa do feriado prolongado ou das farras orgiásticas. Em meio ao corre-corre desenfreado da vida nas metrópoles, creio ser cada vez mais necessário conseguir viver um momento de tecla pause, com direito a dias de ócio descompromissado. Ignoro, pois, os chatonildos de plantão que entoam monocordicamente a ladainha de que há muitos feriados no Brasil, de que por conta disso o país não vai pra frente, blá blá blá. Lamento por esses workaholics resmungões, e a eles recomendo doses contínuas de Máscara Negra, marcha composta por Zé Keti e Pereira Matos em 1967, cujo refrão é uma das melhores traduções deste espírito leve, banhado em confete e serpentina, que toma conta daqueles que sabem como se divertir: “Vou beijar-te agora/ Não me leve a mal/ Hoje é carnaval”.
Foi bacana ver a animação saudável do carnaval de rua em vários lugares do país, que, embora não chamem tanta atenção da mídia, que prefere paparazzar celebridades siliconadas por aí, promoveram arrastões de foliões reunidos anarquicamente em blocos com nomes impagáveis como “Largo do Machado, Mas Não Largo do Copo”, “Tudo Certo pra Dar Merda”, “Suvaco de Cristo” (que quase foi chamado de “Divinas Axilas”), “Se Eu Não Lembro Eu Não Fiz”, “Regula Mas Libera”, “Simpatia é Quase Amor“, “Sou Hetero, Mas é Carnaval”, “Apôis Fum”, “Cordão Agoniza Mas Não Morre”, “Se Melhorar, Afunda” e “Não Trema na Linguiça“. E a criatividade não parou na hora de batizar blocos, vide as fantasias originais flagradas pela câmera de Bruno Natal, do blog URBe, durante a passagem do bloco Cordão do Boi Tatá.
Porém, creio que o grande destaque foi mesmo a passagem do bloco Exalta Rei, que desfilou pelas ruas do bairro da Urca, no Rio, cantando em altos brados as composições de mestre Roberto Carlos. As fotos tiradas por Dodô Azevedo e os posts emocionados escritos por pessoas de sorte como Liv Brandão, Claudio de Souza e Renata Victal, que testemunharam in loco o momento em que o Rei acenou para seus súditos da varanda de seu apartamento, documentaram esse instante histórico do carnaval de rua carioca.
Em seu site oficial, Roberto Carlos ainda publicou uma nota agradecendo pela homenagem calorosa do bloco Exalta Rei: “Vocês me deram uma alegria muito grande. Que coisa maravilhosa! Fiquei emocionado com tanto carinho e com tanto amor”.
Quem optou por ver o carnaval pela televisão teve de aturar a cobertura monótona que a Band fez dos eventos em Salvador, ou a transmissão que a Globo fez dos desfiles das escolas de samba no Rio e em São Paulo, e que me fez sentir saudades dos tempos em que a finada Rede Manchete televisionava os eventos do Sambódromo, com locução de Paulo Stein e comentaristas do naipe de Fernando Pamplona, Mestre Marçal e Roberto da Matta.
Em meio ao modo um tanto quanto burocratizado com que a Globo transmitiu os desfiles, o destaque na TV ficou por conta da cobertura trash que a Rede TV! fez dos bailes, em especial do Gala Gay. O destaque ficou por conta da participação de Nelson “ok, ok” Rubens como o âncora das transmissões, fazendo o merchandising das camisinhas Gózzi (pronuncia-se “Gódzi”), melhor nome de produto de todos os tempos da última semana. E isso pra não citar a gabaritada equipe de repórteres da Rede TV!: Léo Áquila, Monique Evans, Tatiana Apocalipse (alcunha que me fez lembrar de chacretes como Leda Zeppelin, Fernanda Terremoto e Regina Polivalente), Robaldo Ésperman e Christian Pior.
P.S. 1: Enfim tirei a camada de pó que já cobria os posts deste blog, fazendo com que muitos pensassem que eu já havia trocado em definitivo este espaço pelo meu Twitter. Não darei desculpas. Afinal de contas, elas soariam tão sinceras quanto aquelas justificativas surradas que participantes do Big Brother dão ao indicarem alguém para o paredão: “Bial, não tenho nada contra essa pessoa. Eu só vou votar nela porque é com quem eu tenho menos afinidade aqui dentro da casa”. :P
P.S. 2: Vem aí o youPIX, um evento que trará o melhor da web para o mundo real. Confira toda a programação que rolará no Espaço Gafanhoto, não deixe de assegurar a sua inscrição e reserve desde já sua agenda para os dias 9, 10 e 11 de março!
P.S. 3: Seria bom se criassem um Gerador Automático de Desculpas aos moldes do sensacional Excuse-O-Mat…
Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.