Bussunda (1962-2006)
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 19 de junho de 2006
Cláudio Besserman Vianna costumava dizer que seu apelido nada mais era do que a aglutinação das duas coisas que ele mais gostava na vida. Tal explicação é uma deslavada cascata, mas enfim, o que esperar de uma figura que afirmava que o lugar mais estranho onde fez amor na vida foi São Paulo?
Quando adolescente, Bussunda nutriu um projeto de vida bastante específico: fazer porra nenhuma. Enquanto pôde, cumpriu à risca seu plano, chegando a ser reprovado no segundo grau científico com nota zero em todas as matérias por matar aulas com requintes de ociosidade. Bastou, porém, um mínimo de esforço para que conseguisse ser aprovado no vestibular. Em 1979, ingressou no curso de Comunicação Social da UFRJ, lugar ideal para que Bussunda continuasse coçando o saco (por ser faculdade gratuita, seus pais não poderiam reclamar de mensalidades). E assim a vida seguiu, até que o futuro Casseta conheceu três alunos de Engenharia: Beto Silva, Helio de La Peña e Marcelo Madureira, que o convidaram para integrar um jornal estudantil criado com o nobre intuito de queixarem-se da falta de mulheres na faculdade. Aos quatro, uniria-se também Cláudio Manoel, fiel companheiro de vadiagem nas areias de Ipanema. O ano de 1980 testemunharia a transformação do Casseta Popular em um tablóide, vendido de bar em bar por um quinteto que buscava, com a publicação, arrecadar alguns trocados, fazer amigos, influenciar pessoas e, principalmente, tentar comer alguém.
Parafraseando uma canção de Peninha, o jornalzinho, que começou como uma brincadeira, foi crescendo, crescendo e acabou absorvendo o dia-a-dia de Bussunda. Por ser o único dos cinco amigos a não ter emprego, tornou-se o único “profissional” do Casseta Popular, acumulando as atividades de datilógrafo, secretário e redator da publicação. Em 1986, animados com as perspectivas trazidas pelo até então miraculoso Plano Cruzado de José Sarney e Dilson Funaro, a trupe transforma o tablóide em revista, contando com a preciosa colaboração dos amigos Hubert e Reinaldo, que comandavam ao lado de Cláudio Paiva o bem-sucedido jornal humorístico Planeta Diário.
O sonho, porém, quase foi para as cucuias. O milagre do Cruzado virou vinagre (rima, não solução) e a economia brasileira entrou em parafuso. As vendas da revista logicamente despencaram. Ainda não havia Personal Quebragalhator Tabajara que pudesse dar cabo dos problemas financeiros de Bussunda, que aos 26 anos dividia um pequeno apartamento ao lado dos comparsas Beto Silva e Cláudio Manoel. Assim, sem dinheiro para rachar o aluguel (Beto custeava as despesas com seu salário de engenheiro), Bussunda, que não tinha emprego nem diploma, esteve prestes a voltar para a casa dos pais. Porém, a vida é uma novela mexicana repleta de reviravoltas mirabolantes. Pois não é que a trupe da Casseta Popular foi cooptada pela Rede Globo a fim de criar um programa humorístico para cobrir a lacuna deixada por Jô Soares, que havia saído da emissora carioca a fim de comandar um talk show no SBT? Meses depois, estrearia em março de 1988 a TV Pirata, surgindo a partir desse episódio a inspiração para que, anos depois, Bussunda ministrasse para universitários uma palestra com o título “Como o Humorismo Salvou Minha Vida”.
Bem, como a partir daí sua biografia tornou-se um corolário de sucessos, limito-me a indicar um link para quem quiser conhecer melhor a história deste talentoso boa praça, que compartilhava comigo o sonho de um dia tornar-se apresentador de um desses programas em que mulheres gostosas rodam o mundo fazendo esportes radicais.
Sobre sua segunda morte, não pude deixar de surrupiar algumas palavras do discurso anarquicamente maravilhoso que John Cleese fez em uma cerimônia de homenagem póstuma a Graham Chapman (traduzido para o português por Nelson Moraes), a fim de agradecer a um cara que me fez rir desde os tempos em que comprava exemplares da revista Casseta & Planeta.
“Bussunda já era. Está em anestesia geral permanente, partiu desta pra melhor, bateu a caçuleta, esticou as canelas, vestiu pijama de madeira, empacotou, foi para a cidade dos pés juntos, subiu no telhado, deu o último suspiro. Tudo o que temos dele, agora, são nossas lembranças. Mas elas vão demorar um bocado para evaporar”.
P.S.: Este é um texto deliberadamente escrito sem a utilização das expressões “o Brasil amanheceu mais triste”, “os bons morrem jovens” ou “o céu deve estar mais alegre”.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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