80 clipes brasileiros dos anos 80 (parte 2 de 8)
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 10 de dezembro de 2006
A MTV Brasil anunciou que em 2007 deixará de exibir videoclipes no horário nobre. É difícil não resistir ao trocadilho com aquela música dos Buggles e dizer que “YouTube killed the MTV star“. Mas o fato é que há tempos a Music Television perdeu a relevância que teve nos anos 80 e 90, quando era o principal meio de se conhecer bandas novas. E sua filial brasileira, depois que dispensou VJs que realmente entendiam do métier, como Fábio Massari, e passou a infestar sua grade com mediocridades como “Beija Sapo”, definitivamente não me motivava mais a acompanhá-la. Saudemos, pois, a era na qual nós montamos a nossa programação. A propósito, esta é a segunda parte de uma série iniciada neste post.
Gang 90 & Absurdettes - Telefone - Criada pelo jornalista Júlio Barroso, a Gang 90 (nome inspirado em uma gíria do balacobaco, “pedra 90″, correspondente ao que hoje é conhecido como “sangue bom”) ganhou destaque quando se classificou para as eliminatórias do festival MPB Shell, promovido pela Globo em 1981, com a música Perdidos na Selva. Após várias mudanças de formação (Guilherme Arantes, Lobão e Wander Taffo chegaram a fazer parte do grupo), a Gang 90 finalmente gravou seu primeiro disco em 1983, puxado pelo sucesso “Nosso Louco Amor”, tema de abertura da novela “Louco Amor”. O clipe de Telefone é estrelado por Júlio e duas absurdettes, May East (nome artístico de Maria Elisa Capparelli Pinheiro, atualmente uma ativista ecológica residente na Escócia) e Taciana Barros (na época esposa de Júlio e tecladista da banda). Júlio Barroso morreu ao cair da janela do seu apartamento, no 11o. andar, em 6 de junho de 1984. Em seu livro Dias de Luta, o jornalista e atual editor da revista Bizz Ricardo Alexandre descreve um diálogo entre Lobão e Cazuza, travado durante a aspiração de uma fileira de cocaína esticada sobre o caixão de Júlio (como se compartilhassem a droga com o amigo pela última vez): “Perdemos nosso maior agitador cultural, um cara com drive, um guerrilheiro que sabia de tudo. Me desculpe, Cazuza, mas agora só sobrou bundão“.
Legião Urbana - Tempo Perdido - O hino de toda uma geração. Primeiro sucesso do álbum Dois, lançado em agosto de 1986, Tempo Perdido é uma canção que versa sobre a efemeridade da vida (“Todos os dias quando acordo/ Não tenho mais o tempo que passou”) e a esperança quase desesperada no amor como a maior transcendência possível neste mundo (“Então me abraça forte/ E me diz mais uma vez/ Que já estamos distantes de tudo/ Temos nosso próprio tempo”). Seu clipe, de rara qualidade, entremeia imagens em preto e branco da banda com fotos de ídolos musicais flagrados no auge da juventude (dentre eles os precocemente falecidos Janis Joplin, Jimi Hendrix, Brian Jones e John Lennon). Bonus tracks: o vídeo que a Legião gravou especialmente para o Fantástico (inspirado nas fotos que ilustram o encarte de Dois) e a surreal apresentação no Cassino do Chacrinha, quando foi entregue à Legião o disco de platina pela vendagem de mais de 250 mil cópias daquele que foi o segundo álbum da banda.
Roberto Carlos - As Baleias - Ainda é complicado encontrar vídeos do Rei no YouTube. Desgraçadamente, oito entre dez buscas por “Roberto Carlos” dão como resultados gols e jogadas daquele lateral-esquerdo do Real Madrid. Porém, graças ao site Clube do Rei, encontrei esta pérola, uma das várias composições de temática ecológica da dupla Roberto & Erasmo, cujo refrão diz: “Seus netos vão te perguntar em poucos anos/ Pelas baleias que cruzavam oceanos/ Que eles viram em velhos livros/ Ou nos filmes dos arquivos/ Dos programas vespertinos de televisão“. Gravada em 1981, As Baleias é a terceira faixa de um dos mais bem sucedidos álbuns do Rei, que inclui ainda sucessos como Cama e Mesa e Emoções.
Elis Regina - Alô Alô Marciano - Em uma declaração dada no especial da TV Globo que exibiu este vídeo, Elis afirma: “A minha cabeça, você sabe o que é isto aqui? Eu dei alta para a minha terapeuta, coitada. Ela ia enlouquecer“. É impossível não sentir falta do talento absurdo, da voz iridiscente, do senso de humor de Elis Regina Carvalho Costa, a maior cantora brasileira de todos os tempos. Alô, Alô Marciano, composição da dupla Rita Lee & Roberto de Carvalho, faz parte do álbum duplo Saudades do Brasil, de 1980.
Rita Lee - Vírus do Amor - Carro-chefe do álbum “Rita e Roberto” de 1985, há quem veja na letra de Vírus do Amor referências à doença que matou Renato Russo e Cazuza, os grandes letristas revelados pelo rock brasileiro na década. Este vídeo fez parte de um especial de final de ano produzido pela Rede Globo, que contemplou todas as músicas de “Rita e Roberto” com clipes. Será que um dia a Som Livre lançará esse programa em DVD? Em tempo: confira também a apresentação ao vivo que Rita fez no Festival dos Festivais do mesmo ano, com a participação especial de seu ex-companheiro de Mutantes Sérgio Dias.
Rita Lee - Noviças do Vício - Mais um vídeo extraído do especial da Globo “Rita e Roberto”. No começo do clipe há uma pequena participação do diretor do programa, Roberto Talma, notabilizado por seu trabalho em produções como as minisséries “Anos Dourados” e “Anos Rebeldes”, novelas de sucesso como “Pai Herói”, “Brega & Chique” e “De Corpo e Alma” e os especiais de fim de ano de Roberto Carlos.
Rita Lee - Não Titia - Outra produção originada do mesmo especial de TV. Não Titia, canção que encerra seu álbum de 1985, foi inspirada por um boato amplamente difundido na época, segundo o qual a cantora paulistana estaria sofrendo de leucemia. O vídeo, que conta com participação especial de Dercy Gonçalves, brinca também com os rumores de que Rita estaria ficando velha para o rock n’roll (na época, ela estava com 38 anos).
Zero - Formosa - Banda liderada pelo ex-vocalista do Voluntários da Pátria Guilherme Isnard, o Zero invadiu as FMs brasileiras com o sucesso Agora Eu Sei, que contava com os backing vocals de Paulo Ricardo, vocalista do RPM. Formosa foi o segundo hit do mini-LP “Passos no Escuro”, de 1985, que chegou a vender mais de 100 mil cópias. Em 2003 a gravadora EMI reuniu os dois primeiros trabalhos do Zero (“Passos no Escuro” e “Carne Humana”, de 1987), relançando-os em um único CD, Obra Completa. O grupo retomou suas atividades e mantém um site oficial constantemente atualizado.
Engenheiros do Hawaii - Alívio Imediato - Uma das duas únicas músicas inéditas (ao lado de Nau à Deriva) do álbum homônimo de 1989, que reúne outras 10 faixas gravadas ao vivo em um show no Canecão, no Rio de Janeiro, Alívio Imediato é uma composição que soa datada devido às suas envelhecidas referências anteriores ao fim da Guerra Fria (“Há um muro de concreto/ Entre nossos lábios/ Há um muro de Berlim/ Dentro de mim/ Tudo se divide/ Todos se separam/ Duas Alemanhas/ Duas Coréias“). Seu vídeo, que mistura cenas da banda com seqüências de animação, não esconde a influência do clipe de Brothers in Arms, do Dire Straits, que ganhou o Grammy de Melhor Vídeo Musical de Curta Duração em 1987.
Black Future - Eu Sou o Rio - Faixa que deu também dá nome ao disco lançado em 1988, Eu Sou o Rio cita em sua letra o Rio de Zé Keti, Cartola e Sérgio Mallandro, do Brizolão, das ruas engarrafadas, da praia, do futebol, do Alaska e da Lapa. A música integra ainda a coletânea Não Wave: Brazil Post Punk 1982-1988, lançada no exterior com boa repercussão da crítica (que descreveu o som do Black Future como uma espécie de Joy Division com batucadas), reunindo outras bandas do cenário pós-punk da época como Chance, Akira S & As Garotas que Erraram e Fellini.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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