Artigos doo ano de: 2004
Tenho alguns amigos que simplesmente abominam a figura de Ayrton Senna. Embora discorde deles, não posso deixar de entender esse repúdio. Desde aquele nefasto acidente na curva Tamborello, sua figura passou por um processo de beatificação típico de um povo necrólatra e carente de heróis. Pudera, 11 entre 10 necrológios reiteram o inevitável clichê: “Senna foi a personificação de um Brasil vencedor”. De quebra, feito ícones da cultura pop como James Dean, Che Guevara e Jimi Hendrix, morreu precocemente, deixando em seus fãs a questão com gosto de “se…”: o que mais Senna poderia ter feito caso tivesse seguido em frente?
Muitos relativizam os feitos do piloto brasileiro dizendo que ele corria por uma escuderia inglesa, com motores japoneses e pneus franceses. Esquecem-se, porém, de recordar que suas maiores façanhas foram realizadas em corridas nas quais seu equipamento era claramente inferior ao de seus concorrentes. Vide, por exemplo, sua primeira vitória em um GP Brasil, em 1991, quando Senna completou as últimas voltas no autódromo de Interlagos apenas com a sexta marcha. Ou sua fantástica performance no GP Europa de 1993, no circuito de Donington Park, quando o piloto brasileiro ultrapassou quatro carros (dentre eles as Williams de Prost e Hill, as “Ferraris” daquela época) e completou em primeiro lugar aquela que é considerada a melhor volta de toda a história da F-1 (clique aqui para baixar o vídeo e exibi-lo aos céticos). Continue Lendo
Que a mentira nunca saiu de moda, isso é fato líquido e certo. Em todos os escopos do cotidiano encontramos casos de lorotas desbragadamente contadas, desde os clássicos “vamos esperar o bolo crescer para depois reparti-lo”, e “você merece alguém melhor do que eu” até os recentes “não vou desfilar no carnaval porque estou grávida”, “estamos absolutamente convictos de que a culpa é toda da ETA” e “aceitei fazer o comercial porque não agüentava mais tomar Brahma escondido”. Perguntar não ofende: dá pra tomar uma Kaiser antes?
Mas enfim, enquanto o mundo for mundo sempre haverá incautos dispostos a cair em historinhas para adormecer bovinos, com enredos mirabolantes que falam sobre armas de destruição em massa, espetáculos do crescimento, matérias assinadas por Jayson Blair e hospedagem de blogs para não-assinantes da Globlogger. Em meio a tantas fraudes, imposturas, contos da carochinha, falácias, cascatas, carapetas e sofismas, no quê acreditar? Continue Lendo
Acendo teu cigarro na estrela desta madrugada insone, enquanto pensamentos redemoinham melodias redivivas na pista de minha memória. Abra as persianas de minhas reminiscências, mocinha.
A verborragia nervosa na mesa de jantar, as citações ricocheteadas de Bergman e Woolf, a taça de vinho tremeluzendo em minhas mãos titubeantes. De repente, não mais que de repente, me vi tonto (ainda mais do que o habitual) em um mundo repentinamente grávido de possibilidades que sorriam. Como um quadro que salta pra fora da moldura. Como as reticências sugestivas no decote das nuvens ocultando a manhã. Como um big bang eclodido dentro de mim, ao toque de lábios descobrindo-se pela primeira vez.
Diante do teu sorriso sempre retrocederei ao adolescente que tropeça nas próprias palavras. Meus cadarços se transformam em serpentes que se desamarram sozinhas e sobem rebeldes, em busca de estrelas esquivas. Ah, tantas vezes quis te matar, tantas vezes ainda morrerei entre tuas pernas. Alguém já viu um teto branco se encher de cores, assim como um escritor cobre de palavras o silêncio de uma madrugada? Maybe. Mas as piadas não têm mais graça, a música neste jukebox é sempre a mesma, e os insultos doídos que vociferamos brandem dentes nervosos na algazarra da noite.
O que fazer quando não sei mais o que fazer com teus olhos? Meus neurônios jogam amarelinha oscilando entre o céu e o inferno; pendurado entre o 8 e o 80, desisto de buscar o 44. Interrogações penduram-se no alabastro do meu cérebro, como guarda-chuvas antecipando a proeminente tempestade. Na gangorra da insônia, sou a mão sem linhas na palma.
Nossa história acabará no clichê amarfanhado do “viveram felizes para sempre”? Espero que não. Porque, oras, quem deseja o tédio imortal da felicidade perene?
Nós, brasileiros, estamos tão acostumados em ver mamilos expostos na TV que até estranhamos quando a mulata Globeleza aparece com os seios cobertos. De memória, posso citar diversos outros momentos em que mulheres exibiram suas partes mais pudendas em horário nobre. Por exemplo, os diversos banhos que Juma Marruá e a Mudinha tomavam na novela “Pantanal” da finada TV Manchete, ao lado dos tuiuiús e do Velho do Rio. Ou os stripteases pra lá de fajutos que as garotas Tutti-Frutti faziam em “Cocktail”, programa pra lá de tosco capitaneado por Miéle todas as quartas-feiras no SBT? E o que dizer da campanha de prevenção do câncer de mama estrelado por Cássia Kiss na qual a atriz fazia exame de toque nos próprios seios, encampada por ninguém menos que o Ministério da Saúde?
Diante dos, hmm, permissíveis padrões tupiniquins, o que dizer de toda a celeuma causada pela exibição do seio de Janet Jackson durante uma apresentação no intervalo do Superbowl? Ainda se fossem os mamilos da Naomi Watts… Mas tergiverso, tergiverso. E o fato é que não é preciso ser um expert em Estados Unidos para discorrer sobre o puritanismo W.A.S.P. e toda a dificuldade histórica que a terra do Mickey possui em falar sobre Sexo, esse tema-tabu da mesma sociedade que abriga a maior indústria de filmes e artigos pornográficos do planeta. Continue Lendo
Só mesmo um fotógrafo como Cristiano Mascaro é capaz de extrair beleza de uma cidade tão embotada, vilipendiada e soturna como São Paulo. Eu, que moro nesta barafunda urbanisticamente desarticulada há mais de 20 anos, já estou mais do que saturado com esta metrópole de estressados que correm pra lá e pra cá feito coelhinhos movidos a inércia, pilhas Duracell e contas a vencer no bojo de seus cheques especiais.
Carlito Maia escreveu aquela que é a melhor definição de meus sentimentos com relação a esta cidade: “Amo São Paulo com todo o ódio”. Não foi difícil passar ao largo de todo esse clima artificial de oba-oba em torno dos 450 anos de Sumpaulo, cuja maior atração foi a inauguração de uma certa “fonte multimídia flutuante” instalada dentro do poluído lago do Parque do Ibirapuera, como se águas que dançam coloridas fossem capazes de amainar esta verdadeira fábrica de ansiosos, taquicardíacos e insones, cuja poluição constipa minhas narinas e faz com que as quatro estações do ano se manifestem num dia só (em um típico dia paulistano, chove, venta, faz sol, depois garoa, esquenta e esfria novamente: minha bronquite agradece embevecida).
Minha ranhetice com relação à efeméride só fez aumentar depois que li a matéria publicada pela Veja São Paulo, que elenca 450 supostos bons motivos para amar esta metrópole. Pudera: segundo a reportagem, a razão 25 é saber que “temos a prefeita mais chique do Brasil, com um interminável guarda-roupa atualizado com o que o mundo da moda oferece de melhor - sapatos Salvatore Ferragamo, tênis Chanel, vestidos Kenzo…”. Que bom: da próxima vez que eu for pagar as próximas prestações das taxas de lixo e IPTU generosamente reajustadas pela gestão de dona Marta Suplicy, certamente me refestelarei consolado em saber o quão elegante é a nossa prefeita… Em tempo: ainda segundo a Veja SP, o motivo 245 para amarmos Sampa City é o fato de que nossas filiais da Tiffany & Co. são as únicas no mundo que possibilitam a aquisição de um colar de 650 mil reais em até três vezes sem juros no cartão de crédito. Ô lôco, meu!
E como é difícil amar a São Paulo do Minhocão, do Largo 13 de Maio, das fiações expostas, dos outdoors onipresentes, da estátua do Borba Gato, dos muros pichados, das Marginais congestionadas, da Praça do Patriarca ou dos anúncios de fachadas que empesteiam minhas retinas diariamente sem dó nem KY, fomentando uma inveja danada daqueles que vislumbram o Corcovado em vez dos anúncios da Valentina Caran Imóveis (e eu espero que nenhum leitor utilize minhas considerações para tergiversar sobre a acéfala rivalidade entre paulistas e cariocas, assunto mais modorrento na face da Terra depois da vida sexual do papa).
Mas, por incrível que pareça, quem mora em São Paulo tem orgulho do lugar onde vive. Porque, a despeito de nossas 2.018 favelas e dois milhões de desempregados, esta é a cidade das esfihas do Jáber, da pizza do Castelões, da Fnac de Pinheiros, do chope do Pirajá, do espeto misto do Sujinho, dos barzinhos da Vila Madalena, do X-salada do Burdog, do yakissoba do chinês da Paulista, do filé com alho do Moraes, do Extra 24 horas do Itaim, do Masp, dos cinemas do Shopping Jardim Sul, do fim de noite em um Fran’s Café, das luzes amareladas do centro velho, das caminhadas pelo campus da USP, do churrasco no Fogo de Chão, da banca de cachorro-quente em frente ao Teatro Oficina, do pastel da feira em frente ao Pacaembu, dos papos em uma mesa no Café Piu-Piu, Rascal ou na prainha da Paulista, das prateleiras de discos na Galeria do Rock, das noites de solteiro que findavam no Love Story às nove da manhã, das horas pensativo em um banco na Rodoviária do Tietê, do filme visto no bar do Cinesesc, do pôr-de-sol no campus da Faap, da elegância indiscreta das nossas meninas, do jornal de domingo que chega às bancas na tarde de sábado, das pessoas que conheço e que amo e que vivem em meio a esta balbúrdia de prosódias e etnias que compõem a São Paulo que amodeio, odeioamo com todo o meu masoquismo, perplexidade e esperança.
Hoje um dos maiores compositores de toda a história da MPB, o carioca Lamartine de Azeredo Babo, faria 100 anos. Prazer em conhecer? Não seja blasfemo, pequeno gafanhoto! Você certamente já cantarolou alguma das músicas de mestre Lalá, como a junina “Chegou a Hora da Fogueira” (Chegou a hora da fogueira/ É noite de São João/ O céu fica todo iluminado/ Fica o céu todo estrelado/ Pintadinho de balão), a tropicalista avant la lettre “História do Brasil” (Quem foi que inventou o Brasil?/ Foi seu Cabral/ No dia 21 de abril/ Dois meses depois do Carnaval), as sertanejas “No Rancho Fundo” e “Serra da Boa Esperança” (Nós os poetas erramos/ Porque rimamos também/ Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem) ou as marchas carnavalescas “O Teu Cabelo Não Nega” e “Linda Morena” (Teu coração é uma espécie/ De pensão familiar/ À beira-mar/ Ó moreninha/ Não alugues tudo, não/ Deixa ao menos o porão/ Pra eu morar).
Inventivo e irreverente, a influência de Lamartine Babo não se restringe à MPB: cronistas e humoristas como Stanislaw Ponte Preta e José Simão possuem enorme dívida para com essa figura sui generis, expert em criar trocadilhos e compor melodias de grande beleza. De quebra, é o compositor dos hinos dos maiores clubes de futebol do Rio de Janeiro (embora Lalá confessasse um carinho especial pelo hino do América, seu time de coração). Ou seja, realmente todo brasileiro conhece ao menos um verso de Lamartine.
Uma vez que todo blog posta uma letra de música ao menos uma vez em sua existência, aproveito o ensejo para publicar os versos da nonsense “Canção Para Inglês Ver”, obra-prima do esculhacho tropical que rima termos em inglês, francês e português. Em tempos de globalização e reciprocidade pra gringo ver, não poderia haver letra mais adequada.
I love you, forget iskaine
Maine Itapiru
Forget five Underwood
I shell
No bonde Silva Manuel
I love you to have Steven Via Catumby
Independence lá do Paraguai
Studebaker, Jaceguai!
Oh yes, my glass
Salada de alface
Fly Tox my till
Oh Standard Oil
Forget not me!
I love you
Abacaxi, uísque of chuchu
Malacacheta Independence Day
No street-flesh me estrepei…
Elixir de inhame
Reclame de andaime
Mon Paris je t’aime
Sorvete de creme
Oh yes my very goodnight
Double fight, isso parece uma canção do oeste
Coisas horríveis lá do far-west
Do Tomas Veiga com manteiga!
My sanduíche, eu nunca fui Paulo Escriche
Meu nome é Lasky and Claud
John Philip Canaud
Light and Power
Companhia Limitada…
I… You!
The boy scout avec boi zebu
Lawrence Tibbett com feijão tchu tchu
Trem de cozinha não é trem azul!
* * * * *
Uma frase:
“Bem-aventurados os caolhos, porque só vêem a metade da maldade”.
(Rogério Sganzerla, cineasta falecido ontem aos 57 anos, diretor de filmes como “O Bandido da Luz Vermelha” e “Nem Tudo é Verdade”.)
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