Vale Tudo, a novela que parou o Brasil, agora em DVD

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Entre maio de 1988 e janeiro de 1989, uma novela atraiu a atenção de todo o país com uma trama contemporânea, que discutia assuntos como ética e corrupção. E, se hoje a expressão “vale tudo” é mais associada a UFC, no fim dos anos 80 ela deu nome a um dos maiores sucessos de audiência da Rede Globo. Poucas vezes a teledramaturgia brasileira foi tão certeira ao trazer para a sua trama assuntos recorrentes do nosso dia a dia, como ética e corrupção, por meio de personagens como Raquel Accioli (Regina Duarte) e Maria de Fátima (Glória Pires), respectivamente mãe e filha, que representaram visões antagônicas sobre honestidade e ascensão pessoal.

A abertura de Vale Tudo não poderia ser mais simbólica, com a voz de Gal Costa interpretando uma das mais significativas composições de Cazuza, em parceria com Nilo Romero e George Israel. O nome da música não poderia ser outro que não fosse “Brasil”.

A trama de Vale Tudo, tão precisa ao retratar o zeitgeist da sociedade brasileira da época, provou ser capaz de cativar também o público internacional: a novela foi exibida em mais de 30 países, dentre eles Alemanha, Angola, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Itália, Peru, Polônia, Turquia e Venezuela. Em Cuba, Vale Tudo fez sucesso a ponto de fazer com que “Paladar”, o nome do estabelecimento criado por Raquel, passasse a designar, na terra de Fidel Castro, os pequenos restaurantes privados inaugurados na ilha após a abertura econômica dos anos 90.

Além de discutir a falta de ética na sociedade brasileira, Vale Tudo também abordou assuntos como alcoolismo (personificado pela antológica Heleninha Roitman, personagem interpretada por Renata Sorrah) e homossexualismo. Este tema, porém, sofreu intervenção da Censura Federal: vários diálogos do casal Cecília (Lala Deheinzelin) e Laís (Cristina Prochaska) foram vetados. Outros personagens de destaque na trama foram o administrador de empresas Ivan Meirelles (Antônio Fagundes), que protagonizou um romance com Raquel embalado por “Baby Can I Hold You Tonight”, hit de Tracy Chapman, o trambiqueiro César (Carlos Alberto Riccelli), cúmplice das armações de Maria de Fátima, e o milionário corrupto Marco Aurélio (Reginaldo Faria). Sem esquecer, é lógico, de uma das vilãs mais marcantes da história da televisão brasileira: Odete Roitman, personagem que marcou em definitivo a carreira de Beatriz Segall.

Embora a autoria de Vale Tudo costume ser atribuída unicamente a Gilberto Braga, grande responsável por outros sucessos da teledramaturgia como Dancin’ Days, Anos Dourados e Anos Rebeldes, vale lembrar que ele contou com a colaboração fundamental de Aguinaldo Silva, responsável por fazer as escaletas (estruturas do roteiro), e Leonor Bassères. Graças à criatividade deste trio, a novela legou em seus últimos capítulos um mistério que ficou para a história da televisão brasileira: quem matou Odete Roitman?

O mistério em torno da identidade do assassino durou apenas 11 capítulos, mas foi o tempo suficiente para mobilizar especulações de noveleiros por todo o país, com direito até a um concurso patrocinado por uma indústria alimentícia a fim de premiar quem acertasse o nome do assassino. Os autores de Vale Tudo escreveram cinco versões diferentes para o último capítulo, ao qual o elenco só teve acesso durante a gravação da cena, a fim de garantir o suspense até o momento de sua exibição, quando o Brasil descobriu que Leila (Cássia Kiss) foi a responsável pelo assassinato mais marcante da TV brasileira.

O capítulo final de Vale Tudo surpreendeu ainda ao não resvalar nos clichês de punir os demais vilões da história: Maria de Fátima acabou se casando com um nobre italiano gay, em um plano idealizado por seu amante César. E Marco Aurélio, depois de aplicar um grande golpe financeiro, foge do país com sua esposa Leila, dando uma banana para o Brasil, em uma cena emblemática que simbolizou de forma inesquecível a impunidade no país.

Em 1992, Vale Tudo foi reapresentada no “Vale a Pena Ver de Novo”. Em 2002, a Rede Globo e a Telemundo (braço hispânico da rede americana NBC) produziram em co-produção um remake intitulado Vale Todo, com um elenco de língua hispânica. E, em 2010, a novela foi reprisada no Canal Viva, veiculado na TV fechada, fazendo com que Vale Tudo fosse parar nos Trending Topics do Twitter, ao resgatar os modos, costumes e roupas do final dos anos 80.

Em sua versão para DVD, Vale Tudo está sendo vendida em um box com 13 discos e 37 horas de duração (incluindo ainda uma almofada e uma caneca), incluindo matérias extras como uma reportagem especial sobre os bastidores da gravação da cena da morte de Odete Roitman, além de entrevistas com atores e autores ressaltando a importância de uma novela que marcou época e tornou-se um dos maiores sucessos da Rede Globo ao longo de seus 50 anos no ar.

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Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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