Vale a pena perder uma amizade por causa de política?
Por Alexandre Inagaki ≈ quarta-feira, 20 de abril de 2016
Há uma onda de postagens no Facebook de pessoas pesquisando por amigos que são fãs da página do Jair Bolsonaro e desfazendo amizades. Perguntar não ofende, algumas respostas provavelmente sim: será que vale a pena adotar este tipo de atitude em vez de tentar iniciar algum diálogo de esclarecimento? No calor deste momento, lembrei de uma citação do jornalista Alon Feuerwerker sobre o assunto:
Não brigue com seu amigo por causa da política. Depois os políticos se entendem, mas você perdeu um amigo.
Essa convicção, de que não vale a pena desfazer uma amizade por causa de política, tem passado por uma série de abalos nos últimos tempos. Como boa parte dos meus contatos no Facebook, cliquei no link para checar quantos dos meus amigos curtem o Bolsonaro e descobri que 25 estão nessa lista, dentre eles primos, colegas de ofício, amigos de infância e de adolescência. Resolvi, porém, não excluir ninguém do meu perfil.
Ok, você pode me dizer que gente que curte a página do Bolsonaro apóia atitudes injustificáveis e representa uma “causa perdida”. Mas eu imagino que você teve alguma razão para considerá-lo seu amigo e acompanhar os pensamentos, fotos e memes que ele compartilhava nas redes sociais. Se em algum momento de sua vida houve algum laço de amizade entre vocês dois, não seria uma atitude mais razoável tentar abrir alguma linha de diálogo?
(Importante: não estou falando de um daqueles casos cada vez mais comuns de Fla vs Flu ideológico, em que absolutos estranhos que você nunca viu na vida aparecem no seu blog ou perfil em rede social só para vociferar ofensas e monologar sobre crenças irredutíveis, em casos nos quais discussões produtivas são quase uma utopia.)
Caramba, se em algum momento você foi amigo de uma pessoa, por que simplesmente limá-la da sua vida sem antes tentar compreender melhor suas ideias, convicções, argumentos? Esse discurso nocivo de divisão do país, que foi disseminado de forma abjeta em comícios e propagandas políticas, está sendo transposto para a era das redes sociais sem que haja um mínimo de reflexão crítica sobre as consequências de se romper um laço de relacionamento.
É inevitável citar aqui a armadilha do filtro-bolha: se eu só sigo gente que concorda com a minha visão política, os likes e comentários que recebo em minhas postagens não passarão de manifestações de uma claque de pessoas já convertidas. Oras, qual a razão de ser de eu me fechar em uma bolha, bloqueando e excluindo vozes dissonantes à minha, se essas mesmas vozes permanecerão se manifestando em um Facebook paralelo ao meu, em comentários postados em notícias de portais e vídeos de YouTube, e, principalmente, nas urnas eleitorais?
Se você assistiu ao desfile de discursos deprimentes de deputados votando no impeachment em nome de Deus, da “família quadrangular evangélica brasileira”, dos “fundamentos do cristianismo”, da “mão calejada dos fumicultores”, dos maçons, dos corretores de seguros, “pela paz em Jerusalém”, contra “o ensinamento da mudança de sexo nas escolas” e até contra a “vagabundização remunerada”, é importante ter em mente que todos esses congressistas chegaram lá através dos nossos votos.
Podemos criticar (com toda razão) o sistema eleitoral vigente e suplicar por uma reforma política urgente, mas o fato é que os congressistas que propõem e votam as leis que regem nosso dia a dia representam o povo brasileiro e, vale a pena lembrar, são o reflexo das ideias, convicções e anseios de muita gente que você passa a ignorar ao excluir amizades, bloquear contatos e limar a abertura de diálogos.
Na vida online é até simples você se esquivar destas pessoas de quem você discorda, mas você não poderá ignorá-las quando elas se manifestarem no elevador do seu prédio, no táxi que você pegar, no escritório em que você trabalha, na escola em que seus filhos são educados. E é por essas e outras que eu insisto com a filosofia de manter amigos de diversas correntes ideológicas e orientações religiosas em minha timeline, que me ajudam a enxergar a realidade sob diversos prismas, repensar constantemente certezas que não devem ser definitivas e tentar buscar o convívio amistoso com diferenças.
O que Milan Kundera tem a dizer sobre amizade e convicções políticas
Em Um Encontro, coleção de ensaios publicada no Brasil pela Companhia das Letras, Milan Kundera dedicou um texto para falar dos desafios que uma amizade enfrenta quando submetida ao desafio de opor duas convicções opostas. Vale pensar nas reflexões feitas por Kundera:
Em nosso tempo, aprendemos a submeter a amizade ao que chamamos de convicções. E até mesmo à fidelidade de uma retidão moral. De fato, é preciso ter muita maturidade para compreender que a opinião que defendemos é apenas nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que apenas os mais obtusos podem transformar em uma certeza ou verdade. Ao contrário de uma fidelidade pueril a uma convicção, a fidelidade a um amigo é uma virtude, talvez a única, a derradeira. Hoje, eu sei: na hora do balanço final, a ferida mais dolorosa é a das amizades feridas. E nada é mais tolo do que sacrificar uma amizade pela política.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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