This is love
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 06 de novembro de 2006
Hoje não quero mais pensar, e imagino como seria bom estar na pele daqueles hare krishnas que passam o dia inteiro entoando aqueles mantras hipnóticos, hare hare hare hare, esvaziando a cabeça de qualquer manifestação supérflua dos neurônios, esses bichos amaldiçoados que jogam squash na quadra do meu crânio. Ah, que inveja dos cachorros que sorriem como naquela canção do Roberto, arfando com a língua de fora, despreocupados feito velhos hippies emaconhados, pedindo migalhas de brownie em troca de carinho ilimitado, sem aquelas cobranças exasperantes, “você me ama?”, “você me ama?”, maldito mantra dos amantes inseguros. Elos de ligação, chuvas molhadas, monopólios exclusivos, amantes inseguros, minha mente enfileira uma série de redundâncias pleonasticamente repetitivas, e eu sei que tudo não passa de subterfúgio barato para driblar essa saudade que me come por dentro feito um Alien recém-nascido. Mas eu só sei que nada sei, baby.
O café já esfriou, a piada perdeu a graça e as batatas fritas murcharam. A noite está tão quieta que chego a ouvir o ponteiro dos segundos se arrastando no relógio. Ligo a tevê para abafar o barulho do silêncio, recordando com saudade dos tempos em que assistia a comerciais de facas Ginsu e meias Vivarina, nada poderia ser mais eficaz para desligar as tomadas da minha cabeça, bastava sentar na poltrona, relaxar e acionar o screen saver do meu cérebro. Mas agora está passando um filme do Truffaut, e o que menos quero é pensar no delírio consciente da paixão.
Palavras não servem pra nada, baby, cá estou eu tentando tecer digressões inúteis sobre a vida solidária das sombras como se pudesse desviar a atenção do sentimento confuso que sinto por ti, uma fresta de luz no coração que ilumina e assusta e alimenta meus sonhos e me faz engolir um M&M atrás do outro, como alguém que entope de moedas uma jukebox tocando discos riscados de blues.
Há momentos em que te amo e outros em que desejo estourar teus miolos. Isto não é nada saudável, mas até aí eu gosto de Doritos Nacho e pastel de feira, assisto à novela das sete e ouço pagode de seis em seis horas, estaria o meu lado masoquista rompendo os diques da sanidade e decretando um golpe de estado dentro da minha cabeça? Catzo, são três da madrugada, há muito os neurônios viraram abóbora e cá estou em frente da televisão dando risada das piadas do Otávio Mesquita, o barco da lucidez pelo visto já içou suas velas.
Ah, que saudades dos meus tempos de infância. Se eu pudesse pegar uma carona naquele De Lorean provavelmente retrocederia até os onze anos de idade, quando minha maior preocupação era tentar encaixar as argolinhas nos aros do Aquaplay. Aos onze eu era um imbecil, o tempo passou e eu continuo sendo o mesmo imbecil, só que mais experiente, mas de que vale a experiência se vivo cometendo os mesmos erros e me apaixonando por mulheres complicadas? Cabeça de mulher é como o clima em São Paulo, impossível de se entender. Ontem choveu, fez sol, ventou e esfriou, quatro estações num dia só, haja vitamina C para encarar El Niño em meu peito.
Bem, vá lá, talvez o complicado seja eu, sou teimoso e arrogante e burro demais pra admitir. Mas, pôxa, por que toda porra de relacionamento tem que ser tão complicado? Talvez o ideal fosse viver à base de sexo e amizade, nada além disso, chega de cobranças e neuras e inseguranças e ciúmes e essa necessidade doída de ter aquela menina sempre do meu lado. Afinal de contas pra que serve o amor? O bebê de proveta já está aí, cientistas clonam vacas e ovelhas, nossos órgãos reprodutores em breve serão peças de museu, por que seguir ad infinitum esse script de “crescei-vos e multiplicai-vos” neste planeta saturado de gente? Não seria melhor se proibissem o amor, que inspira tantas novelas mexicanas, canções de dor de corno, Sabrinas e Barbaras Cartland da vida?
Bah, que idéia de jerico. O que seria da Meg Ryan sem o amor? Não arranjaria um só papel, a coitada. E como eu poderia viver sem as canções melancólicas de Steven Morrissey, Leonard Cohen, Burt Bacharach, Roy Orbison, que compõem a trilha sonora das minhas insônias azuis, minhas leituras em diagonal dos xerox da faculdade, meus banhos de chuveiro, meus sonhos acordado? Cansei das noites de sexo descompromissado, dessas relações McDonald’s que enchem a barriga mas não nutrem. Agora eu sei que tô fodido mesmo e tô gostando pra valer de ti, garota. Pois e não é que caí na cilada do teu sorriso, na arapuca do teu olhar, na armadilha do teu sexo? Meus dedos coçam, e eu sei que daqui a exatos vinte e nove segundos vou te telefonar só pra poder ouvir novamente a tua voz, e viajar para um planeta onde o sol brilha eternamente e as pessoas se locomovem em slow motion.
Sim, eu sei que vou sofrer mais uma vez. Mas também sei que, ao teu lado, as noites acabam em abraços e sorrisos que fazem com que eu durma com toda a paz do mundo.
Tô fodido.
P.S. 1: O texto é antigo e não reflete meu estado atual, que pode ser resumido por duas afirmações já feitas neste blog, a partir de constatações feitas pelos meus amigos D.G. e André: “penso em comédias românticas como ficções científicas que se passam em mundos vagamente inspirados em fatos reais”, e “as mulheres mais interessantes ou moram distantes de nós, ou estão comprometidas”. Como diz certa canção, “maybe I need somebody to save me“.
P.S. 2: No prefácio que escrevi para Vestido de Flor, romance de estréia de Carlos Eduardo Lima, faço uma citação aos tais relacionamentos McDonald’s.
P.S. 3: O título deste texto foi surrupiado de um single da minha musa PJ Harvey. Se você ainda não conhece a música, clique aqui e junte-se ao fã-clube.
P.S. 4: Começou o horário de verão. Não desgosto da iniciativa. Mas, ao mesmo tempo, não consigo deixar de pensar que me foi seqüestrada uma valiosa hora do meu fim de semana, com resgate só no dia 24 de fevereiro de 2007. Espero, no entanto, compensá-la n’alguma festa a ser dada nesse futuro sabadão que terá 25 horas. Aceito convites. ;)
P.S. 5: A vida é, definitivamente, boa e cheia de possibilidades.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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