Teoria Maquiavélica do Amor

Por Alexandre Inagakisábado, 17 de fevereiro de 2007

A vida às vezes cansa, principalmente quando você mora em uma cidade que é uma máquina de fazer estressados, como é São Paulo. Paulistanos parecem estar sempre com pressa, vivem correndo como se estivessem fugindo de algo, afobados feito o coelhinho da Alice no País das Maravilhas. Não é possível manter esse ritmo ad eternum, e é por isso que às vezes sou obrigado a recorrer ao ópio cinematográfico. Nada como entrar em uma sala de projeção, apertar a tecla pause do meu cérebro e esquecer deste mundo louco por algumas horas, imergindo em filmes que a gente assiste como quem come Chokito, no maior dos descompromissos.

Poucas coisas são mais eficazes na arte de anestesiar as neuras da vida moderna do que os filmes de Hollywood. Não à toa, o cinema norte-americano está cumprindo a ameaça de Pinky & Cérebro, de dominar o mundo. Porém, não pretendo discutir agora os méritos artísticos dos blockbusters da Gringoland. Quero, apenas, compartilhar com vocês a minha tese: filmes hollywoodianos apostam no que eu chamo de Teoria Maquiavélica do Amor.

Recordemos filmes como Duro de Matar, Velocidade Máxima, O Vingador do Futuro, Inferno na Torre, A Múmia: carros batem, prédios explodem, pessoas morrem, toda uma gama de desgraças perpassa nossos sentidos em aproximadamente duas horas, e tudo isso para quê? Para que o filme acabe em um beijo apaixonado. Ou seja, o fim (no caso, o happy end amoroso) justifica os meios. Como se os roteiristas piscassem os olhos para a gente, nas entrelinhas, afirmando que toda sorte de desgraças humanas e materiais exibidos na tela grande se justifica em nome do tal do Amor. Porque nós, incautos espectadores, precisamos de um justo quinhão de diversão lobotomizante, coroada, invariavelmente, com a cereja de um beijo enamorado no final.

E assim, todos vivem felizes para sempre. Bem, ao menos até que seja rodada a próxima continuação.

Na vida real Lois Lane teria morrido soterrada, assim como Trinity jamais regressaria a Zion. Ou não. Afinal de contas, vai saber. O tal do Amor não deixa de ser uma loteria; de repente é possível acertarmos os números da Mega Sena, por que não? E, do alto da mais improvável das improbabilidades, em meio ao dilúvio de bilhões de pessoas perdidas neste mundo vasto mundo, não é possível encontrar alguém que ature nossas idiossincrasias, tiques irritantes ou pneuzinhos na cintura e que ame a gente assim mesmo, mesmo que não tenhamos os músculos de um Russell Crowe ou as curvas de uma Charlize Theron? Este mundo, felizmente, é maluco e cheio de possibilidades.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • joão tchatutua

    mandei-me novidade

  • joao tchatutua tachiyovo

    mandem me muitas novidade deste site.

  • http://ideiasnajanela.blogspot.com Kandy

    Na época da Revolução Industrial, as pessoas trabalhavam tanto e tão exaustivamente, tinham tantas frustrações e nenhuma possibilidade de sonhar, que tornou-se a época dos romances em fascículos. Era o jeito que as pessoas encontraram de projetar no que liam os sonhos e expectativas que tinham. Era isso que as levava a consumir mais um fascículo e a propagar o sucesso do ideal romântico. Era o que elas queriam para elas e não tinham tempo de cultivar, porque eram massacradas nas fábricas. Hoje é diferente? Pra mim, o fascículo só mudou de nome…

  • Lis

    Acho que o que reduz consideravelmente nossas chances de acertar na mega sena são as ilusões que nos são empurradas desde muito cedo via contos de fadas, depois novelas (bem, tenho a tese de que todo mundo em alguma época da vida já curtiu sua novelinha, mesmo que tenha sido porque ficou doente, de cama, durante uma semana e não tinha mais nada pra fazer!) e, claro, o cinema, essas paixões avassaladoras, esse amor que tudo supera, que eles nos fazem querer sentir em tempo integral! Como se amar fosse tão fácil como ir na esquina e tomar uma coca-cola.
    Estou muito prática e matemática: se todo mundo tivesse “alma gêmea”, a população deveria ser par, com o mesmo numero de homens heterossexuais e mulheres heterossexuais, gays e lésbicas. Um para cada! Se me demonstrarem que é assim, então lá vou eu reclamar ao bispo o meu pedacinho de felicidade, a minha cara metade.
    Enquanto isso não acontece, vou colecionando acontecimentos e “causos” e me convencendo, cada vez mais, de que o amor perfeito, vivido em meio a beijos com dentes perfeitos (rs..muito engraçado o comentário de Dona Zefa) é coisa pra se ver no cinema.

    “Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o
    Com ele ia subindo a ladeira da vida.
    E, no entanto, após cada ilusão perdida…
    Que extraordinária sensação de alívio!”
    (Quintana)

    Por hoje basta. Li numa tirada só seus últimos posts, desde a mudança, e enchi de comentários porque fico feliz com seu esforço em fazer um blog diferenciado, profissional. Algo de qualidade pra gente ler nas horinhas de devaneios internéticos.
    Valeu!

  • Lis

    Seu post me lembra Leminski:

    “podem ficar com a realidade
    esse baixo astral
    em que tudo entra pelo cano
    eu quero viver de verdade
    eu fico com o cinema americano”

  • http://blogdazefa.blospot.com Dona Zefa

    Belo post, cara. A única coisa que me irrita é que os protagonistas sempre têm dentes perfeitos, mesmo que o filme se passe na Grécia do século IV antes de cristo.

  • http://www.havesometea.net/MadTeaParty/ DaniCast

    Nossa, Ina, é muito pior do que você fala. Não sei se você assistiu “Cruzada”, do Ridley Scott, com o bonitino-pirata-elfo Orlando Flores, sabe quem? Então. A história era (na teoria) sobre os cruzados, os árabes, Jerusalém, guerra e coisa e tal. Lá pelas tantas aparece uma princesa otomana (esposa-rainha de não sei quem) e faz par romântico com o Orlando. Rolam beijos, cena de sexo à meia-luz, música de violinos, o torso nu malhadíssimo do Orlando em closeup, para deleite da platéia feminina. Agora, veja bem, COMOASSIM? Era uma cruzada, tinha árabes, catapultas e cavalos, o mínimo que se esperaria de consistência ideológica é que a messalina otomana fosse apedrejada e o Orlando enforcado por traição - porque não era exatamente segredo, o Rei de Jerusalém aka Eduard Norton sabia, os chefes do exército sabiam, praticamente todomundo sabia. Logo, a moçoila eo moço deveriam ser executados e a Cruizada continua. Imagine. O filme tem direito a happy end, com a mocinha - que passou a vida toda no deserto - sorrindo de felicidade em meio ao cenário europeu coberto de neve, enquanto o herói retorna à sua profissão de ferreiro. Hollywood é um lixo.

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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A vida é boa e cheia de possibilidades.
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