Luis Fernando Veríssimo, sempre ele, foi bastante preciso ao descrever alguns dos sintomas mais frequentes do estado de horror pelo qual um membro da imensa confraria dos Introvertidos Anônimos passa toda vez que está em um evento público: “O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.”
Lembrei desse texto do Veríssimo quando assisti ao sensacional curta-metragem Los Gritones, dirigido pelo cineasta espanhol Roberto Pérez Toledo. Que mostra, em pouco mais de um minuto, um dos maiores momentos que angustiam os pensamentos de pessoas irremediavelmente tímidas feito eu. A fim de não estragar o prazer de quem ainda não viu o filme, recomendo que a leitura deste post prossiga somente depois que você se divertir com Los Gritones.
Muito antes do advento do Twitter, o Festival do Minuto surgiu em 1991 com o objetivo de instigar nas pessoas a necessidade de serem sintéticas neste mundo repleto de informações, a ponto de conseguirem condensar suas idéias em vídeos com até 60 segundos de duração. A boa sacada foi logo disseminada no exterior; inspirados na ideia original do cineasta Marcelo Masagão, surgiram mais de 50 versões internacionais do Festival do Minuto.
Se antes os vídeos eram enviados em fitas VHS e mini-DVs, por meio de caixas enviadas pelo correio, a pequena revolução causada pelo surgimento do YouTube fez com que o maior festival de vídeos da América Latina naturalmente se adaptasse. Desde o final de 2007 o Festival do Minuto tornou-se permanente e online, passando a receber colaborações diretamente pela internet. Apesar de ainda promover constantemente exibições de vídeos em eventos culturais e universidades, o festival amplificou suas atividades online, mantendo um canal no YouTube e promovendo em seu site diversos concursos temáticos com premiações em dinheiro para os melhores trabalhos audiovisuais escolhidos pela curadoria.
Confiram a seguir cinco dos vídeos mais bacanas que encontrei no canal do YouTube do Festival do Minuto.
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“Na Vida de Um Homem Duas Coisas Podem Acontecer” (2000), de Flávio Andrade Meirelles - É bastante evidente a influência, neste vídeo engenhoso, de “Ilha das Flores”, o curta-metragem já clássico que Jorge Furtado dirigiu em 1989. Mas o minuto concebido por Flávio tem seus méritos próprios, a ponto de ter inspirado outras criações derivadas, como o hilário “Na Vida de Um Estagiário”, de Nuno Boggiss e Marcio Iunes.
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“Uma Vez” (1993), de André Abujamra e Jarbas Agnelli - Matar dois coelhos com uma “caixa d’água” só, “assustar” o cheque e antena “paranoica” são três das pérolas criadas a partir de expressões cotidianas que ganharam tradução audiovisual neste trabalho a quatro mãos de André, ator, músico (ex-Os Mulheres Negras e Karnak) e produtor, e Jarbas, publicitário e diretor de alguns dos melhores videoclipes já feitos no Brasil, como os de “Anormal”, do Pato Fu, e “Instinto Coletivo”, do Rappa.
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“Eva Jones” (1991), de Christiano Metri - De todos os vídeos premiados na primeira edição do Festival do Minuto, que foram exibidos em um especial exibido por alguma TV (Cultura ou Gazeta, não estou certo), este foi o que mais me impressionou. Pela montagem, pela fotografia, pela edição de som e, principalmente, pela narrativa nonsense, que dispensa palavras e trabalha habilmente os recursos audiovisuais a fim de descrever a relação sui generis entre uma lavadeira de roupas e uma barra de sabão de côco.
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“Air Guitar” (2005), de Ricardo Santini - Tive uma identificação imediata com este vídeo, embora deva dizer que sou melhor como air drummer. Mas a grande sacada mesmo foi o fato desta produção ter sido feita para participar de um concurso com o tema “Ctrl+Alt+Del”. É apenas uma piada, mas muito bem contextualizada. B)
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“A Vida é Uma Só” (2004), de Fernando Bianchi - Com o tema “Mínima Diferença”, Bianchi mostra diversos enquadramentos exibindo imagens que não são exatamente o que aparentam, ilustrando de modo criativo como a realidade é modificada dependendo do ponto de vista de cada espectador.
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P.S.: Se você mora em São Paulo, recomendo fortemente que você dê um pulinho no MASP, onde está sendo realizada a mostra 1000 Minutos de 80 Países, organizada pela versão holandesa do Festival do Minuto, com uma seleção de vídeos brasileiros feita por Marcelo Masagão, e direção e produção executiva a cargo de Gustavo Steinberg. A exposição estará no MASP até o dia 29 de março.
Em 2003, o cineasta e músico Gustavo Acioli dirigiu um curta-metragem chamado “Nada a Declarar” que encena uma entrevista realizada com um artista, interpretado por Bruce Gomlevsky, que verbaliza um discurso cínico, desconcertante, provocativo. É um filme que ao mesmo tempo é espelho - distorcido ou cristalino - de seus espectadores e estímulo para reflexão sobre nossas atitudes diante da barafunda da sociedade brasileira.
Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.