Sete Faces

Por Alexandre Inagakiterça-feira, 05 de junho de 2007

VII

Amar é jogar os dados na mesa.
Uns querem apenas amizade.
Outros, sexo.
Alguns entram para o mosteiro.
Amar emburrece. Não amar também.

Amar é sangrar uma torrente
de formigas vermelhas e raivosas.
Pois apaixonar-se
é construir uma imagem da pessoa amada
sem avisá-la antes.

Amar é mito.
Mito é aquela mulher que nunca se entregará para você.
E se o fizesse, não aconteceria nada,
porque na hora H você broxaria.

Amar platonicamente
é amar apenas do pescoço para cima:
que desperdício!

Amar sem ser amado
é combate sem tréguas.
Coiote apaixonado
perseguindo o papa-léguas.

Amar é renunciar
a muitas coisas,
mas também a maior transcendência
que podemos almejar
nesta vida.

Amar não é bicho de sete cabeças;
no mínimo, tem umas sete mil.

VI

Eterno o tempo inscrito no centro do teu olhar verde prata e céu
Beleza que ao tempo desacata o teu sorriso sombra de um véu
Desenho de giz o vento apagou mas e a cicatriz de um amor?
Restrito jogo sem regra ou juiz que fere alegra seduz desnorteia
Feliz de quem resistir decifrar tua teia estrela em noite negra

V

Noites de insônia e ciúmes estúpidos.
Promessas, promessas voláteis e inúteis.
Flores. Bombons. Jantares. Motéis. Traições.

Vozes enferrujadas:
- Você me ama? Você me ama? Você me ama?

O terror indelével das desculpas decoradas:
- Você merece alguém melhor. Não quero estragar nossa amizade.
O sofrimento descascando, despojando o coração.

Amor é um disco riscado de blues.
Amor arma a arapuca, esfrega as mãos, afia os dentes.
Amor faz de nossos corações marionetes,
e gelatina de nossos cérebros.
Amor é foda.

O mundo não foi feito para inocentes.

IV

Somos náufragos do mesmo barco
Anjos traídos em busca da mesma cruz
Duas cabeças ocas que não pensam
Que buscam pela mesma efêmera bênção

Gestos gastos e mal fingidos
Sempre as mesmas rimas e metáforas
Piadas ridas, beijos babados
Como ecos vagos, vácuos de passado

Nossos olhos estão prenhes de farpas
Faíscas que rebrilham em gumes de frases
Vagas rompendo com falésias e mares
Traduzidas em francas ironias lapidares

Com amarga sabedoria e dissabor
Constatamos quão vãs foram nossas palavras
Míticas mímicas, joguetes do amor
Que nos enredou em trevas e trovas

Compositores da mesma canção
Dançarinos da mesma coreografia
Amantes no mesmo colchão
Sorrisos na mesma fotografia

Parceiros da mesma eterna solidão

III

Três palavras tão repetidas,
tão banalizadas.
Por que me é tão difícil dizê-las?

II

Vida:
piada amarga que ri de nós.

Amor:
válvula de escape à qual recorremos com desespero e esperança.

I

Amar fragiliza
Mais do que eu gostaria de sentir
Mais do que eu me permitiria
Admitir.

Antes eu era mais livre
Mais estúpido
Mais inocente
Quiçá mais feliz.

Agora estou em tuas mãos:
Sentes o peso?
Sentes minhas aflições?
Minhas angústias caladas?

Estou em tuas mãos:
Estou tão frágil,
Estou mais feliz,
Mais temeroso deste mundo.

Cuida bem de ti,
Cuida bem de mim.
Porque já não sei me cuidar.

Cuida bem do meu coração
Que está atrelado ao teu riso;
Quando vigio teu sono
Tenho toda a paz do mundo.

Cuida bem de ti, meu amor,
Que já não sei mais
Viver sem teus olhos.

Amor tem sete faces,
e todas me amedrontam.
O mundo, sete mil faces,
e só uma me ilumina.

* * * * *

P.S. 1: Escrevi este poema em, hmm, meados de… 2001, se não me engano. De lá pra cá, mexi em um e outro verso e na ordem de algumas das estrofes. Coisas de escriba insatisfeito e poeta bissexto que há tempos não comete versos inéditos.

P.S. 2: Concordo com a visão do amor segundo mestre Laerte.

O amor segundo Laerte.

P.S. 3: Quem não viu a animação que o italiano Donato di Carlo fez a partir dos quadrinhos de Calvin e Haroldo, que citei em meu post anterior, não a assistirá tão cedo. A pedido do criador dos personagens, Bill Watterson, a animação foi removida do YouTube, conforme explica o próprio Donato nos comentários do blog Newsarama.

P.S. 4: Leitura imperdível: “A Arte de Perder“, artigo em que Paulo Roberto Pires fala do que ele chama de “literatura do luto“. Destaco em especial o trecho em que Paulo Roberto recorda uma definição cunhada por Jean-Paul Sartre: “amor necessário“. Valiosa reflexão às vésperas do Dia dos Namorados.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • http://[email protected] ManoelPedro

    Amor sempre é complicado, e certo é que classifica-lo como apenas um sentimento não define a natureza do que chamamos de amor.
    Um livro chamado Cartas a um jovem poeta(Hilke) sugere algo para quem se aventura a escrever sobre o tema.
    Um dia uma pessoa me disse e desde então penso ser uma definição, entre as muitas possiveis, que me ajuda a refletir: ” Amor não é um sentimento é uma escolha”. Amar a Deus sobre todas as coisas, é escolher Deus antes de tudo. Deus é amor, seria o mesmo que Deus é uma escolha. Os exemplos bíblicos não são parte de nenhum fanatismo religioso ,só intenção de usar frases conhecidas.

  • http://www.mointernational.com/services/digital/social-media/ Derek Pavina

    Somos náufragos do mesmo barco
    Anjos traídos em busca da mesma cruz
    Duas cabeças ocas que não pensam
    is the best!

  • http://blogtalk-cristiana.blogspot.com Cris

    É tanta coisa pra comentar. Melhor silenciar. Tudo lindo.

  • http://cafedodom.blogspot.com Dom

    Engraçado. Há dois dias que escrevi sobre amor platônico no meu blog…

    Interessante. E eu publiquei pela primeira vez na Internet “Sete Faces” na edição 067 do Spam Zine, em 21 de junho de 2002. Ou seja, há mais de cinco anos.

  • http://rafaelporto.blogspot.com Rafael Porto

    Meus parabéns. O texto é lindo mesmo!

  • Cris

    Ina…it`s true…o amor não foi feito para os inocentes.
    Disco riscado de blues.
    Ler essas coisas arranha mais o disco.
    (sou repetitiva…teu poema do labirinto é lindo, um dos melhores que já li sobre o amor…perfeito!)
    Feliz dia dos namos pra ti!!!
    Bjos!

  • http://flabbergasted2.wordpress.com Meg (sub rosa)

    Ina:
    Olha! … olha!!!!
    Estou assim, ó!
    Não que não conheça seu talento. Para quem como eu, vê e lê o que vc escreve há cerca de seis anos… olha!
    Essa ordem inversa das partes é um *trouvaille*, mesmo.
    Estou imprimindo para ver e ler melhor. Melhor seria se eu tivesse a gêsne e as modificações/ alterações.
    Mas… se não perdi a lucidez e os neurônios pela insônia, como diz vc.. esta poderia muito bem ser a versão definitiva.
    Palavra!
    Um beijo insuspeito
    Meg

    Pois é Meg, creio que o poema funcionou melhor com a inversão das estrofes. Obrigado pelo seu feedback. :)

  • http://ideiasnajanela.blogspot.com Kandy

    “apaixonar-se é construir uma imagem da pessoa amada sem avisá-la antes”: perfeito. As metáforas todas são perfeitas nesta sua belíssima tentativa de definir o que para muitos é indefinível. Eu gostei! ;-)

  • http://blogmegazona.blogspot.com Nego Lee

    Laerte é Deus.

  • http://attu.typepad.com/ tina oiticica harris

    Boa tarde, Alexandre Inagaki:
    Ainda bem que o dia dos namorados passou aqui (14 de fevereiro.) O texto do Paulo Roberto Pires é excelente. A música do Cazuza gravada pelo Caetano é massa.
    Você ainda deve ver o amor assim, lindo como você o descreveu? Não sei de mais nada. Só do amor de longo termo.
    Aí meu comentário viraria mini-post.

  • Re

    e eu li este poema em primeira mao no msn há um tempo atras :)
    LINDO!
    bj

  • Brisa

    Amo esse poema….
    Agora então, me faz pensar mais que antes…
    Tô numa fase saudosista….isso é muuito para mim!!!!

  • http://diariodelaoxitocina.blogspot.com Cíntia

    Oba! Tava com saudades de post novo!!!
    O bom da poesia, principalmente sobre esse assunto, é que sempre está atual, nao é? Afinal as partidas de squash dos neuônios às vezes repetem jogadas e no fim das contas a gente acaba mesmo é como no poema do Benedetti (viceversa).
    Se eu nao fosse uma sem-internet-em-casa agora comentaria melhor, mas pelo menos pra agradecer pelo oportuno post e provavelmente a melhor charge sobre o assunto já publicada tinha que passar.
    Abraço e por favor siga atualizando pra esses workaholics sem net em casa poderem ter um respiro de vez em quando.

  • http://fudeblog.zyakannazio.eti.br Cesar Cardoso

    Laerte é genial. That is all ;-)

  • http://www.roney.com.br/blog roney belhassof

    Bem, o filme do Calvin e do Haroldo tem em outros sites… Mas agora estou com medo de dar o link e ser processado…
    Acho uma tolice este tipo de proteção de imagem. Ninguém vai deixar de comprar Calvin & Haroldo por causa disso,muito pelo contrário.
    Este post merece muito mais comentários, mas vou ter que fazê-los depois! ;-)

  • http://www.vertente01.blogspot.com Thiane

    Afe, você quase me matou com esses versos. O cuida bem de ti e de mim porque não sei mais me cuidar é o retrato do quanto as pessoas colocam sua felicidade na mão das outras. E do quanto estar apaixonado entorpece a ponto de perdermos o valor por nós mesmos. Lindo de morrer!! Beijos

  • http://www.cinefiladeplantao.blogger.com.br Carol

    Gostei do poema.
    Saudades suas, moço. Sempre.
    Beijo grande da
    Carol

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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