Prólogo para um romance
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 27 de fevereiro de 2007
Escrevi o texto a seguir como introdução para um livro excepcional: Vestido de Flor, romance de Carlos Eduardo Lima que será lançado dia 19 de março, na Livraria da Travessa em Ipanema. Nele, tergiverso a respeito de um de meus assuntos prediletos: amor.
Pertencemos a uma geração de cínicos cênicos. De gente que, em público, enche a boca para criticar o sexo oposto e falar jocosamente de casais que andam de mãos dadas (e com os braços balançando), emocionam-se ao assistir a comédias hollywoodianas e tratam um ao outro por apelidos babões como “fofucho”, “gatesouro” e “pudinzim”. São pessoas que vislumbram apenas conotações negativas em adjetivos como “sentimental” e “romântico”, e meneiam a cabeça em claro sinal de concordância ao ouvirem a definição cunhada por um dos personagens de Charlie Kaufman: “o amor nada mais é do que um agrupamento bagunçado de carência, desespero, medo da morte, insegurança sobre o tamanho do pênis e a necessidade egoísta de colecionar o coração de outras pessoas“. No entanto, quem perscrutar os sentimentos ocultos sob as fachadas de ironia saberá que estes mesmos céticos alimentam em segredo toda uma plêiade de esperanças românticas em seus peitos.
Todos os enamorados sabem (ou deveriam saber) da importância de trocar palavras melosas com o ser amado. Porque a sintaxe da paixão é assim, composta por bobagens liricamente deliciosas que são dirigidas para apenas uma pessoa. E, se essa linguagem faz com que casais aparentem regredir suas idades mentais, é porque quando estamos apaixonados passamos a agir como se vivêssemos uma nova infância. Uma criança percebe o mundo como uma constante inovação, guardando dentro de si a invejável capacidade de ainda se surpreender com o universo à sua volta, assim como de questionar hábitos que repetimos mecanicamente no script há tempos decorado da rotina diária. Por isso, ainda é capaz de enxergar em uma nuvem girafas que dançam macarena, ou de questionar por que cargas d’água o céu é azul, ou de transformar bolhas de sabão em planetas gravitando ao redor de um novo sistema solar. Pois bem: amar resgata de dentro da gente essa criança inquiridora e deslumbrada. Passamos a vislumbrar o cotidiano com olhos generosamente atentos, capazes de resgatar graça onde antes não havia nada além do banal.
Porém, como tudo neste mundo, o amor está sujeito a expirar. Eros e Tânatos são duas faces da mesma moeda. Discorrendo sobre sua natureza, Joseph Campbell afirmou: “a vida é dor, e o amor, por ser a mais intensa manifestação da vida, é responsável por nossas maiores alegrias e tristezas“. Há quem diga que o ideal seria sobreviver à base de amizades coloridas, prescindindo, pois, de toda a vulnerabilidade e sentimento de dependência surgidos a partir do Big Bang de emoções catalisadas por certos olhos. Mas restringir-se a noites de sexo descompromissado não traz um certo vazio, obrigando o coração a viver da pobre dieta das relações McDonald’s que enchem a barriga mas não nutrem?
Mas tergiverso, tergiverso. E pensar que escrevi todo esse preâmbulo só para tentar descrever todo o deslumbramento que senti ao ler Vestido de Flor, o maravilhoso romance de Carlos Eduardo Lima, o CEL. Em uma “dica” dada pouco antes de iniciar sua narrativa, Carlos afirma que seu romance é mais um livro sobre o amor, e que muitas das situações remeterão a histórias familiares a todos que já foram alvejados por este sentimento. Aparentemente, nada que já não tenha sido devidamente escrutinado por inúmeros poemas, canções, filmes, peças de teatro. Alerto: trata-se de crasso, crasso engano. Porque a relação entre Flora e Bernardo, única como cada história de amor que já vivemos ou testemunhamos, é a força motriz de um livro pertencente à restrita gama de obras capazes de falar de sentimentos com o que eu poderia definir como um “romantismo realista”, esta aparente contradição em termos.
Neste pequeno grande tratado sobre o amor nestes tempos de Orkut, SMS e one-night stands, Carlos Eduardo Lima emociona sem precisar recorrer a clichês apelativos ou pieguismos retóricos, graças à sua capacidade de caracterizar personagens tão vivos, tão reais, tão próximos do nosso cotidiano a ponto de fazer com que visualizemos em Bernardo e Flora tantos dos sorrisos, neuras, tropeços, viagens maionésicas e borboletas no estômago sentidos nos momentos em que fomos engalfinhados pelo vértice da paixão. Porque Vestido de Flor flui com a naturalidade de uma conversa descompromissada de mesa de bar, trazendo personagens que logo nos primeiros parágrafos parecem fazer parte de nosso círculo de amigos de infância, cativando o leitor como uma daquelas canções pop que já na primeira audição nos hipnotizam, obrigando-nos a ouvi-las ad infinitum em nossos fones de ouvido.
Quando acabei a leitura de Vestido de Flor, ainda mesmerizado com a beleza de seu final, logo me veio à cabeça um parágrafo que o escritor francês Benjamin Constant cunhou há quase dois séculos, e que considero ser a melhor descrição avant la lettre deste romance que marca a estréia mais do que promissora de CEL nos campos da literatura: “o amor é só um ponto luminoso. Contudo, parece apoderar-se do tempo. Há poucos dias não existia; logo mais, deixará de existir. Mas, enquanto existe, esparge sua claridade sobre o tempo precedente e sobre o tempo que o sucederá“. Ninguém que já viveu uma história de amor passará impune por este livro. Porque Carlos Eduardo Lima é um cara que escreve com a paixão de quem ouve uma música com os olhos fechados, as asas abertas feito um coração dependurado na corda bamba.
Leia no volume máximo.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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