Os piores (e mais divertidos) títulos traduzidos de filmes
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 14 de julho de 2013
Todo cinéfilo que conhece os títulos originais de filmes já ficou estarrecido com alguma tradução feita no Brasil. Lembrar, por exemplo, que The Sound of Music tornou-se A Noviça Rebelde por aqui, é constatar que este deve ter sido o pior nome que alguma coisa recebeu neste país desde que batizaram o mascote da copa de Fuleco. Porém, saibam que a ruindade nas traduções de nomes de filmes não é exclusividade tupiniquim.
Ok, eu entendo que às vezes uma obra recebe um nome pouco chamativo, e que por conta disso departamentos de marketing de distribuidoras de filmes se esmeram ao procurar um título que seja capaz de atrair as atenções dos espectadores. Não creio que muita gente se animaria a sair de casa e ir até uma sala de cinema, por exemplo, para assistir a um filme intitulado O Dia de Folga de Ferris Bueller. É curioso, pois, ver como este clássico de Sessão da Tarde, que no Brasil ganhou o nome Curtindo a Vida Adoidado, é conhecido em outros países. Em Portugal, por exemplo, virou O Rei dos Gazeteiros. Na Espanha, foi traduzido como Tudo em um Dia. Creio, porém, que o Oscar de pior versão merece ser dado aos italianos, que rebatizaram o clássico de John Hughes como Um Louco Dia de Férias.
Outro motivo para imaginar que a pizza comida pelos tradutores italianos é temperada com generosas doses de orégano é o título que The Producers, de Mel Brooks, recebeu por lá. No Brasil, esta comédia tornou-se Primavera para Hitler. Que, ok, é um título coerente com a trama do filme, que fala da produção de um musical tosco na Broadway sobre o nazista. Mas qual é a justificativa para que na Itália ele seja conhecido como Por Favor, Não Toque nas Velhas?
Mais um exemplo significativo é City Slickers, comédia de 1991 que rendeu a Jack Palance o Oscar de melhor ator coadjuvante. Ok, a tradução literal desse título, “Malandros da Cidade”, não é das mais atraentes. No Brasil, conhecemos este filme pela alcunha de Amigos, Sempre Amigos, um título mais vago e insípido do que o original. Já em Portugal (e também em outros países como França e Itália), o filme ganhou um nome bem mais sugestivo, e até ligeiramente filosófico: A Vida, o Amor… e as Vacas.
Essas liberdades poéticas, que até certo ponto são justificadas, deveriam no entanto ter um limite: o momento em que começaram a revelar detalhes importantes da trama de um filme. É o caso de Tomates Verdes Fritos. Não creio que o título, isolado, levaria uma pessoa a comprar um ingresso para assistir a esse drama dirigido por Jon Avnet em 1991. Mas não é complicado quando a gente descobre que, no Canadá, ele recebeu o nome de O Segredo Está no Molho? A propósito: se você ainda não viu um filme que foi produzido há mais de vinte anos, não tem moral para reclamar de spoilers. ;)
Vertigo, uma das muitas obras-primas de Alfred Hitchcock, é outro filme que recebeu uma tradução na mesma linha “Darth Vader é o pai de Luke”. Enquanto no Brasil conhecemos este suspense protagonizado por James Stewart e Kim Novak como Um Corpo que Cai, em Portugal seu título quase justifica as piadas maldosas contadas por aqui, revelando a grande reviravolta no meio da trama: A Mulher que Viveu Duas Vezes. Para mim, é como se dessem a Psicose um nome como “Assassinato no Chuveiro”. Estes exemplos, de qualquer modo, não conseguiram ser mais graves do que o inacreditável título lusitano que O Planeta dos Macacos, clássico da ficção científica de 1968, ganhou na terra de Manoel de Oliveira e Maria de Medeiros: O Homem que Veio do Futuro.
Também não posso deixar de destacar os subtítulos infelizes de títulos que as distribuidoras preferem manter no idioma original. Por exemplo: Brother, filme do cineasta japonês Takeshi Kitano que ganhou um complemento de redundância pleonasticamente redundante: Brother - A Máfia Japonesa Yakuza em Los Angeles. Título tão bobo quanto O Pequeno Stuart Little, e que compete pau a pau com a tradução alemã para The Life of Pi. Enquanto no Brasil o filme de Ang Lee foi rebatizado para As Aventuras de Pi (que seria adequado se se tratasse de uma comédia estilo Sessão da Tarde sobre as loucas aventuras de um jovem indiano aprontando altas confusões em alto-mar), na Alemanha o título ganhou um complemento igualmente infeliz: Life of Pi - Naufrágio com Tigre.
Estes exemplos mostram que há casos em que talvez seja melhor deixar os títulos originais, sem complementos desnecessários. É algo que ocorre mais frequentemente com séries de TV, nestes tempos em que fãs ansiosos buscam assistir aos episódios mais recentes na internet, limando o intervalo de exibição entre Estados Unidos e Brasil. Por que traduzir Game of Thrones como Guerra dos Tronos, por exemplo, se os espectadores mais fiéis já se referem ao seriado pelo nome original? Seguindo essa tendência, filmes como Traffic e Cold Mountain foram lançados por aqui com os títulos originais, evitando que fosse cometidos disparates como “Montanha Fria, Coração Quente”. Uma solução mais razoável do que as adaptações livres que canais como SBT e Record fizeram de seriados como Desaparecidos (Without a Trace), Um Maluco na TV (30 Rock), A Garota do Blog (Gossig Girl) ou Uma Família Perdida no Meio do Nada (The Middle). Menos mal que ao menos o SBT exibe True Blood aproveitando o título original em vez de alguma coisa como “Sangue Bom”.
Aliás, o que dizer da compulsão de se usar expressões metidas a engraçadinhas, ao estilo Loucademia de Polícia? Por exemplo, Leap of Faith (“salto de fé”), filme em que Steve Martin interpreta um charlatão religioso, transformado em Fé Demais Não Cheira Bem. Ou Continental Divide (“divisão continental”), comédia romântica protagonizada por John Belushi, que virou Brincou com Fogo… Acabou Fisgado! Ou Parenthood (“paternidade”), de Ron Howard, renomeado como O Tiro que Não Saiu pela Culatra. Ou Clueless (“sem noção”), comédia com Alicia Silverstone que ganhou o singelo nome de As Patricinhas de Beverly Hills. E é inevitável, enfim, citar a aberração cometida com Annie Hall, obra-prima de Woody Allen, grande vencedor do Oscar em 1977 e sério candidato a pior título traduzido de todos os tempos, por ter recebido aqui a alcunha de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa.
O problema de tradutores ou marqueteiros sem superego criativo, no entanto, não é exclusivo do Brasil. Um dos filmes que se tornou vítima desse tipo de criatividade discutível foi Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, cujo belo título é citação de um verso do poeta Alexander Pope. Na Itália, o longa dirigido por Michel Gondry recebeu um nome absolutamente chocho: Se Me Deixar, Te Apago. A parcela de contribuição dos tradutores da Alemanha para este parágrafo é o nome que Era Uma Vez no Oeste, faroeste de Sergio Leone, recebeu por lá: Toque Para Mim a Canção da Morte. Outro bom exemplo de puro delírio alucinógeno é o título francês para Tubarão, o clássico de Steven Spielberg lançado em 1975: Os Dentes do Mar.
As coisas podem piorar? Claro: fundo de poço sempre tem um subsolo. Vide Memento, suspense de Christopher Nolan no qual o protagonista, apesar de ter problemas de memória, explica que não sofre de amnésia. Lamentavelmente, os tradutores brasileiros não devem ter visto o filme. Ou esqueceram dessa cena em específico, já que o intitularam com o título equivocado de Amnésia. Não posso esquecer ainda de My Girl, drama com Anna Chlumsky e Macaulay Culkin, que na Terra Brasilis virou Meu Primeiro Amor. Até que o título não seria tão ruim se não tivesse havido uma continuação, My Girl 2, que se tornou Meu Primeiro Amor - Parte 2, causando um tremendo contrasenso: o filme não deveria se chamar “Meu Segundo Amor”?
Continuações são de fato um desafio para os tradutores. Que o digam os portugueses, que transformaram o primeiro Die Hard (Duro de Matar no Brasil) em Assalto ao Arranha-Céus. Até aí nada de muito grave, uma vez que a trama se passava em um prédio comercial invadido por terroristas. Depois, quando Duro de Matar 2 chegou aos cinemas, em Portugal o filme virou Assalto ao Aeroporto (nome fiel à locação principal da continuação). Mas, quando as demais continuações da saga com Bruce Willys chegaram aos cinemas, os portugueses desistiram de sua ideia inicial e rebatizaram as sequências seguintes como Die Hard - A Vingança, Die Hard 4.0 — Viver ou Morrer e Die Hard: Nunca é Bom Dia para Morrer. Caso similar se deu com a trilogia de comédias Meet the Parents, Meet the Fockers e Little Fockers, protagonizada por Ben Stiller e Robert de Niro. Em Portugal, os filmes respectivamente receberam os nomes de Um Sogro do Pior, Uns Compadres do Pior e Não Há Família Pior! No Brasil, as emendas do soneto ficaram, hmm, piores: Entrando Numa Fria, Entrando Numa Fria Maior Ainda e Entrando Numa Fria Maior Ainda com a Família. Qual será o título que inventarão caso uma nova continuação seja produzida?
Ainda citando nossos companheiros de lusofonia, vale lembrar que em Portugal Bastardos Inglórios é conhecido como Sacanas Sem Lei (que seria um título apropriado caso o filme de Tarantino fosse uma pornochanchada), Do The Right Thing (o filme de Spike Lee traduzido fielmente no Brasil como Faça a Coisa Certa) virou Não Dês Bronca e Pequena Miss Sunshine, vencedor de dois Oscars em 2006, entrou em cartaz em Lisboa com o infame título de Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos.
Por fim, não posso deixar de citar Lost in Translation (literalmente, “perdido na tradução”), o filme dirigido por Sofia Coppola em 2003 que, ironicamente, recebeu uma tradução diferente em cada recanto do mundo. No Brasil, recebeu um nome genérico, que poderia ser aplicado a 90% de todas as produções em cartaz: Encontros e Desencontros. Na Itália, é conhecido como Amor Traduzido. No México, virou Perdidos em Tóquio. Em Portugal, tornou-se O Amor é um Lugar Estranho. E, na província canadense de Quebec, onde se fala francês, o filme estrelado por Bill Murray e Scarlett Johansson recebeu um título mais do que apropriado para este post: Tradução Infiel.
P.S. 1: Pra não dizer que só falei de espinhos, há algumas traduções não literais que, na minha opinião, ficaram ótimas. Destaco, por exemplo, Giant (1956), filme de 3 horas e 21 minutos de duração com James Dean, Elizabeth Taylor e Rock Hudson, que no Brasil ganhou um título expressivo que espelha bem a ambição deste filme dirigido por George Stevens: Assim Caminha a Humanidade. Outra boa tradução é a de The Apartment (1960), um título simples para um ótimo filme de Billy Wilder, com Jack Lemmon e Shirley MacLaine, cujo nome brasileiro é bem mais sugestivo e significativo: Se Meu Apartamento Falasse. Gosto também do título que The Molly Maguires (1970), produção batizada com o nome de um grupo secreto de mineiros irlandeses, protagonizada por Sean Connery, recebeu: Ver-te-ei no Inferno. Afinal de contas, não é todo dia que se vê uma mesóclise sendo bem aplicada por aí.
P.S. 2: Valiosas fontes para este post foram as traduções toscas citadas em sites como ShortList, Den of Geek e Madmind. Porém, há títulos que deixei passar porque não sei ler ideogramas e não consegui apurar a veracidade de certas informações. Segundo o ShortList, por exemplo, O Sexto Sentido foi traduzido como Ele é um Fantasma (!!!) na China.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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