Pílulas

Por Alexandre Inagakisexta-feira, 02 de junho de 2006

Conversei ontem com a filha de um carcereiro, mantido como refém durante quatro horas em uma dentre tantas rebeliões ocorridas no dia 15 de maio. Disse-me ela que o pai até que teve sorte, diante das circunstâncias. Levou algumas porradas, mas nada que tenha causado maiores seqüelas. Mas o momento mais marcante do dia, segundo o seu relato, aconteceu no momento em que os presos fizeram uma pausa no quebra-quebra a fim de acompanhar o pronunciamento de alguém mais importante do que Lula ou Marcola: Carlos Alberto Parreira, no exato instante em que a TV divulgou a lista com os 23 convocados para a Copa. Na hora em que ela descreveu essa cena, não pude deixar de cantarolar mentalmente aquela marchinha: “De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão…”

Segundo Linus, neste vídeo Charlie Brown faz papel de bobo. Mas é de se perguntar: quem, na condição de apaixonado, nunca vestiu esta carapuça?

Texto relacionado: Charlie Brown, a garotinha ruiva e o tal do amor.

Embora eu tenha sido um dos cinqüenta autores que participaram da primeira oficina literária promovida pela Flip, em julho de 2004, e assine um conto no livro Blog de Papel, o fato é que não posso me considerar um “escritor” simplesmente porque adquiri a tempo a lucidez suficiente para me colocar em meu devido lugar: o de leitor. É nessa condição, pois, que estou acompanhando com atenção os textos do Especial Autores Novos do site Digestivo Cultural. Dentre eles, destaco um excelente artigo de Jonas Lopes: Ser escritor ou estar escritor?. Jonas colocou em palavras a mesma impressão que nutro há tempos: boa parte dos novos autores aprecia as benesses de circular no meio literário e ter seu nome badalado em sites e blogs (mea culpa: eu já caí algumas vezes nessa arapuca das vaidades), mas no entanto deixou de lado o primordial: desenvolver um projeto ficcional próprio. Em meio à enxurrada de novos títulos, questiono: quanto desses novos autores permanecerão sendo lidos daqui a dez anos? Quantos levam a literatura a sério a ponto de ambicionarem vôos mais altos que a badulação dos amigos de praxe?

Em abril de 2004 escrevi o artigo Literatura na rede: a transição dos bytes para as bibliotecas, com a intenção de traçar o panorama de uma época na qual os primeiros autores revelados pela Internet começaram a ser acolhidos pelo mercado editorial brasileiro. Mais de dois anos depois, não me admiro em constatar que boa parte dos links da matéria estão inativos. Lamento: cada site que sai do ar leva consigo um pedaço da história da cibercultura tupiniquim. Reflexo, no mais, de tempos em que cada um angaria seus 15 bytes de fama volúvel e volátil.

Nunca entendi o motivo da expressão “mão boba”. Para mim, mão que se esgueira sorrateiramente, tentando desvendar com o tato o que aos olhos ainda não se revelou, de boba não possui absolutamente nada (pílula que receitei originalmente em maio de 2003).

Desabafo de ontem de Ricardo Noblat a respeito de jornalismo e blogs: “Os critérios que orientam o trabalho de um jornalista blogueiro são os mesmos que orientam um jornalista empregado em qualquer meio tradicional de informação. Há que se apurar com rigor a notícia. Há que se correr atrás de notícia exclusiva. E há que se tentar oferecê-la de uma maneira capaz de capturar a atenção dos leitores. É bem mais arriscado ser jornalista blogueiro do que simplesmente jornalista. Porque em um jornal, por exemplo, o erro tem vários pais - o repórter, o editor, o chefe da redação… Por ter muitos pais, ele não pesa nas costas de ninguém sozinho. Aqui, não. O erro só tem um pai. E quando ocorre, o mundo desaba na cabeça do responsável. Jornalista de jornal, rádio e televisão é protegido das criticas pelo pouco espaço que os veículos abrem para a opinião do distinto público. E pela distância segura que o jornalista mantém do distinto público. Aqui, não. As criticas são imediatas, duras e por vezes injustas. E nada ou pouca coisa separa o blogueiro dos leitores. Do médico, se diz que ele pensa que é Deus. Do jornalista, que tem certeza. Ao fazer um blog, jornalista descobre que não é Deus. Se não descobrir, deixará de ser blogueiro em pouco tempo“.

Textos que publiquei por aí: Samba do mutante doido, sobre X-Men - O Confronto Final, para o site da Antena 1, e Língua, poema que transita entre, hmm, o erótico e o metalingüístico, para o Cracatoa Simplesmente Sumiu.

Das muitas boas músicas já lançadas em 2006, nenhuma me arrebatou com a força de “Chasing Cars”, belíssimo épico romântico em formato de canção pop gravado pelo grupo irlandês Snow Patrol. “If I lay here/ If I just lay here/ Would you lie with me and just forget the world?“. Ainda na área musical, repasso duas links oriundos do blog de mp3 My Old Kentucky, que conheci através do Calmantes com Champagne de cumpadi Marcelo Costa: que tal ouvir as diversas covers que já foram gravadas de There Is a Light That Never Goes Out, dos Smiths, e Love Will Tear Us Apart, do Joy Division?

Conheça a melhor cobertura da Copa: o especial do Scream & Yell feito pela dupla Juliano Costa e Martin Fernandez.

Frase que ouvi em uma peça de Felipe Hirsch: “Se todos nós alimentássemos as nossas crianças interiores, o mundo seria um lugar de obesos“.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • luciana

    gostaria da sua interpretação pessoal pra esta frase”Se todos nós alimentássemos as nossas crianças interiores, o mundo seria um lugar de obesos”. por favor responda!!!!! onbrigada

  • http://www.flickr.com/photos/sabrinads Sabrina

    Poxa, que bom saber que o Charlie Brown tb passa por bobo quando está apaixonado…

  • http://decarapralua.zip.net Susan

    É Gravataí… A grande maioria dos blogueiros realmente se acha Deus…
    Bjs.
    Susan

  • http://decarapralua.zip.net Susan

    Inagaki,
    Bom voltar aqui ao Pensar Enlouquece. Estou meio sumida da net, muito trabalho e pouco tempo para me dedicar ao De Cara. Portanto, o pouco tempo que tenho é para o blog. Gostei do texto do Noblat, talvez eu tb o reproduza, pois dá uma exata dimensão da responsabilidade que um jornalista tem ao escrever um blog, não dá para separar um papel do outro. Não sou jornalista e já sinto um enorme peso em meus ombros…
    Um bom dia e um beijo,
    Susan

  • http://bion.blogspot.com Bion

    Prezado Ina
    Saiste do ostracismo hein?

  • http://alfarrabio.org bicarato

    Ôpa! Valeu, Inagaki. Precisamos, sim, dar um jeito de tomar uma cervejinha qualquer hora dessas.
    Mas… Festa do Grapete Flicts?
    :-P

  • http://www.gravataimerengue.com Gravatai Merengue

    Noblat descobriu que não é Deus por meio do blog.
    Mas a grande maioria dos blogueiros ‘descobre’ exatamente o contrário.

  • http://www.bardochico.blogspot.com Chic0

    Nice to meet you Mr. Ingaki!
    Quem dera tivéssemos mais bobos como o Charlie Brown!
    Infelizmente, o mundo está mais pra Beavis & Butt-Head…
    Um Abraço!

  • http://www.peganagrandona.blogspot.com Gabi

    Charlie Brown DEIXOU de fazer papel de bobo algum dia??
    Mão-boba nada. Bobo é quem não gosta : P
    E eu amo Snow Patrol. Mas prefiro RUN a Chasing Cars…ultimamente estou imersa em The Yeah Yeah Yeahs, que já havia escutado zilhões de vezes antes mas nunca parado pra analisar. Minha mais nova banda preferida.
    Que demais que vc atualizou…saudades.
    Bj

  • http://idelberavelar.com Idelber

    Grande Ina, que alegria ver o blog atualizado. Como sempre, suas pílulas trazem material para horas e horas de leitura e audição. A cobertura do Scream and Yell está fantástica, super bem humorada. Acabo de passar quase 40 minutos ouvindo versões de “Love will tear us apart”, uma das minhas “canções de cabeceira” na época de adolescência (que coisa mais insólita aquela versão do 10,000 Maniacs, hein?). E sua frase sobre a nova geração de escritores (“toda uma geração que escreve em quantidade hiperbolicamente desproporcional às leituras que faz”) resume tudo. Grande abraço,

  • http://www.nos-por-nos.blogger.com.br Yvonne

    Ina, para variar todos os assuntos foram legais. Amo o Charlie Brown.O que me deixou mais perplexa foi o fato que aconteceu com o carcereiro. Este é o nosso país. Beijocas

  • http://www.lombaxomba.com Pedro Victor

    Charlie Brown é meu ídolo. Todas as minhas paixões platônicas (e aquelas que se concretizaram) tem um certo aspecto da “relação” dele com a menininha ruiva, aquele medo de se aproximar, as mancadas que acontecem no processo.
    Foi (e ainda é) difícil lidar com esse sentimento que nós deixa alegre e logo depois… Vocês sabem. Mas mesmo assim você continua amando, sofrendo e procurando a próxima menininha. Ruiva ou não.
    PS: Ótimo resumo dos times da copa, vou postar o link no meu blog também.

  • http://marcuspessoa.blogspot.com Marcus

    Muito bom o especial do Scream & Yell. Uma pena que eles não acharam uma banda de rock para cada uma das 24 seleções…

  • http://www.lauravive.blogspot.com laura

    Qtas coisas legais para se ler, lerei aos poucos.
    bj laura

  • http://www.wunderblogs.com/protensao César Miranda

    ótimas pílulas, Ina.
    Um grande abraço.

  • http://jccbalaperdida.blogspot.com JULIO CESAR CORREA

    Esqueci. Te linkei no Bala.
    gd ab

  • http://www.universoanarquico.blogspot.com tina

    Seu texto me deu acesso a várias facetas culturais brasileiras que desconheço. Moro na California há vinte anos.
    Depois voltarei às referências. Duas pimentinhas dignas de nota, abobrinhas importantes: a empáfia de alguns novos autores e a obesidade da criança interior. Muito espirituoso.

  • http://ingooglewetrust.blogspot.com Jak

    - Copa do mundo é a única época em que eu lembro que futebol existe. Não que eu goste pouco de futebol. Eu não gosto nada mesmo. Mas como todo o resto parece gostar muito, uso a ocasião como pretexto pra juntar os amigos, sumidos amigos. Só assim.
    - Hey, hey, hey, Minduim é nosso rei!
    - “Frase que ouvi em uma peça de Felipe Hirsch: ‘Se todos nós alimentássemos as nossas crianças interiores, o mundo seria um lugar de obesos’.”
    Mas obesas ou não, ainda seriam crianças. E crianças nunca são obesas e sim “fofinhas”.

  • http://jccbalaperdida.blogspot.com Julio Cesar Corrêa

    Também tenho acompanhado o tiroteio sobre novos autores no Digestivo e estou achando o máximo. Verdades têm que ser ditas. Mesmo que haja feridos.
    gd ab

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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