Confesso que sofri. Tudo começou quando Idelber Avelar, professor de literatura e responsável pelo blog O Biscoito Fino e a Massa, propôs que blogueiros e seus leitores participassem de uma eleição dos dez melhores discos de música popular brasileira lançados entre 1950 e 2005. Foi aí que começou o meu suplício, porque, como todos bem sabem, listas serão sempre incompletas, voláteis e insuficientes para abarcar todas as nossas preferências.
Diversos álbuns entraram e saíram da minha lista a todo momento. Dentre os que ficaram de fora, destaco:
- “Chega de Saudade” (1959), o longplay de estréia do Mestre João Gilberto. Não emplacou a lista porque considerei injusto incluir em meu Top 10 um álbum por causa de duas irretocáveis obras-primas (“Chega de Saudade”, para mim a melhor e mais importante música de todos os tempos na história da MPB, e “Desafinado”) em meio a outras dez canções que não fazem parte do meu rol de prediletas da casa. Este foi o único momento em que lamentei o fato de coletâneas não poderem ser incluídas na votação, porque senão “O Mito” (1993), compilação que reúne as gravações dos três primeiros álbuns de João (e que, diga-se de passagem, encontra-se fora de catálogo porque João Gilberto acionou a Justiça a fim de impedir a venda desta coletânea criada pela gravadora sem sua prévia autorização), seria o primeiro lugar de minha lista.
- “Falso Brilhante” (1976), de Elis Regina, indubitavelmente a nossa maior intérprete, em um disco que, além das belchiorianas “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”, apresenta duas de suas mais emocionantes gravações: “Fascinação” e “Gracias a la Vida”;
- “Roberto Carlos” (1969), álbum de transição entre a Jovem Guarda e a fase “cama-e-mesa”, que apresenta três das baladas mais matadoras do parceiro do Erasmo: “As Curvas da Estrada de Santos”, “As Flores do Jardim da Nossa Casa” e a excepcional “Sua Estupidez”. De quebra, é o disco com a melhor performance soul do Rei: “Não Vou Ficar”, composição de Tim Maia;
- “Vivendo e Não Aprendendo” (1986), a obra-prima do grupo paulistano Ira!, repleta de clássicos dos anos 80 como “Envelheço na Cidade”, “Dias de Luta”, “Flores em Você” e a pungente “Quinze Anos”, um dos melhores retratos já traçados a respeito dos desconcertos daquela fase em que temos tantas espinhas na cara quanto dúvidas existenciais.
Enfim, antes que eu comece a recordar mais ausências, melhor deixar os preâmbulos e partir para a publicação da minha lista. Em tempo: estes foram os resultados da votação discográfica promovida por Idelber.
* * * * *
1) “Tropicália ou Panis Et Circencis” (1968). Ouça uma balada com a beleza de “Baby”. Pense nos recortes justapostos das letras de Capinam, Torquato Neto, Tom Zé, Gil e Caetano, retratos do contexto conturbado de tempos imediatamente pré-AI-5. Viaje com os fantásticos arranjos de sopros e cordas criados pelo genial Rogério Duprat. Deleite-se, com sorriso nos tímpanos, ao ouvir as subversivas regravações de “Coração Materno” (de Vicente Celestino) e do Hino do Senhor do Bonfim, e a maviosa voz de Nara Leão em “Lindonéia”. E desfrute, enfim, de um álbum-conceito que consegue ao mesmo tempo soar assombroso e acessível, experimental e pop, caótico e coerente, renovador e assobiável.
2) “Construção” (1971) - Chico Buarque. Um dos maiores, senão o melhor de todos os letristas da MPB, imortaliza aquela que talvez seja sua obra-prima em versos na música que dá nome ao álbum. Em plena era Médici, “Construção” traça um retrato concreto (e, ao mesmo tempo, um desenho mágico) da realidade embotada do trabalhador brasileiro, em versos proparoxitonamente antológicos. Mas, para além de “Construção” e de sua canção-irmã “Deus lhe Pague” (ambas com arranjos do mestre tropicalista Duprat), Chico gravou ainda outras canções que merecem lugar garantido no cânone de sua obra, como “Cotidiano” (“Todo dia ela faz tudo sempre igual/ Me sacode às seis horas da manhã/ Me sorri um sorriso pontual/ E me beija com a boca de hortelã“), “Desalento” e “Valsinha”.
3) “A Tábua de Esmeralda” (1974) - Jorge Ben. Muito antes de mudar seu sobrenome para Benjor, Jorge chegou ao auge neste álbum que miscigena soul, samba, jazz, bossa nova, funk e blues, amalgamados com um estilo único de tocar violão e letras misticamente delirantes. Do clima descontraído das gravações (que perpassa todo o álbum) até a genuína inspiração (ir)responsável por gemas do suíngue como a sincopada “Brother”, a galanteadora “Minha Teimosia é uma Arma pra te Conquistar” ou a hipnótica “Errare Humanum Est”, este álbum por si só já garantiria a Jorge um lugar entre os maiores da MPB.
4) “Dois” (1986) - Legião Urbana. Juventude, transgressão, rebeldia contra o establishment, esperança ingênua em mudar o mundo: sim, todos nós já fomos jovens. E, em se tratando de rock nacional, não há trilha sonora mais adequada para essa etapa da vida do que Legião Urbana. Ao contrário da pasmaceira vigente no BRock que toca nas FMs atualmente, à base de músicas que parecem orbitar no mesmo repetitivo binômio sexo/maconha, a Legião faz sucesso até hoje por abordar em suas canções assuntos efetivamente relevantes como política, religião, amor e as decepções com a vida em geral. Em “Dois”, Renato Russo alcança o equilíbrio preciso entre a revolta punk e o lirismo de composições como “Tempo Perdido”, “Daniel na Cova dos Leões”, “Acrylic on Canvas”, “Quase Sem Querer” e aquela que talvez seja a mais bela de todas as canções sobre o desencanto juvenil, “Andrea Doria“, dos versos “Quero ter alguém com quem conversar/ Alguém que depois não use o que eu disse/ Contra mim“.
5) “Cartola” (1976). Nascido em 1908, o carioca Angenor de Oliveira ganhou o apelido de Cartola porque, quando trabalhava como pedreiro, usava um chapéu para evitar que seu cabelo ficasse sujo de cimento. Aos 20 anos, fundou com mais sete amigos uma escola de samba no subúrbio em que morava: a Estação Primeira de Mangueira. Por anos a fio compôs diversas músicas, dentre eles os primeiros sambas-enredos de sua escola, sempre convivendo com dificuldades financeiras. Cartola só veio a gravar seu primeiro disco em 1974, aos, vejam só, 65 anos de idade, graças aos esforços do produtor Marcus Pereira. Em 1976, foi lançado o seu segundo álbum (e o meu predileto). Algumas de suas canções: “As Rosas Não Falam”, “O Mundo é um Moinho”, “Preciso me Encontrar” (na verdade, composta pelo igualmente grande Candeia), “Ensaboa Mulata” e “Cordas de Aço”. Preciso ainda justificar a inclusão desta preciosidade em minha lista?
6) “Ideologia” (1988) - Cazuza. Em abril de 1987 Agenor de Miranda Araújo Neto amargava as primeiras crises decorrentes da Aids que já minava seu organismo. Contra a iminência da morte, veio sua resposta através da música: “O meu prazer/ Agora é risco de vida“. Ao mesmo tempo, Cazuza traça um retrato daqueles tempos pós-Cruzado (“Não me ofereceram/ Nem um cigarro/ Fiquei na porta estacionando os carros/ Não me elegeram/ Chefe de nada/ O meu cartão de crédito é uma navalha“), enquanto flerta com a bossa nova e a MPB em composições como “Faz Parte do Meu Show” e “Um Trem para as Estrelas” (em parceria com Gilberto Gil), atingindo o auge de seu lirismo com “Blues da Piedade” (“Vamos cantar o blues da piedade/ Porque há um incêndio sob a chuva rala/ Porque somos iguais em desgraça“).
7) “Foi um Rio que Passou em Minha Vida” (1970) - Paulinho da Viola. Filho de um dos integrantes do Época de Ouro, considerado um dos maiores grupos de choro da história, o jovem Paulo presenciou desde garoto tertúlias musicais com nomes como Pixinguinha e Jacob do Bandolim. Felizmente não sairia imune dessa vivência musical. Ainda jovem, ingressou na ala de compositores da Portela e emplacou, em 1966, o samba-enredo “Memórias de Um Sargento de Milícias”, campeão do carnaval daquele ano. Em 1968, aos 26 anos, gravou seu primeiro disco solo. Um ano depois, venceu o último festival de MPB da TV Record com o clássico “Sinal Fechado”. Em 1970 lançou novo álbum, em que logo despontou uma canção em homenagem à sua escola de coração, a Portela: “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”. O samba ganhava seu mais novo mestre.
8) “Pérola Negra” (1973) - Luiz Melodia. Filho de sambista, crescido no bairro do Estácio no Rio, Melodia amalgamou em sua música influências variadas, que vão do rock ao jazz. Antes de gravar seu primeiro álbum, mostrou à dupla Torquato Neto e Waly Salomão uma composição inédita. Os dois, imediatamente fisgados por aquela música, trataram de convencer Gal Costa a gravá-la em um álbum: era “Pérola Negra”. Catapultado pelo sucesso dessa canção, que em sua peculiar voz ganhou um dos mais belos arranjos que já ouvi, Luiz Melodia gravou um imediato clássico da MPB. Além de “Pérola Negra”, de versos contundentemente paradoxais (“Baby, te amo/ Nem sei se te amo“), destacam-se as gravações de “Estácio, Holly Estácio”, “Abundantemente Morte” e “Vale Quanto Pesa”.
9) “Passarim” (1987) - Tom Jobim. Quando se fala no melhor da MPB, não é concebível a omissão do nome de Antônio Carlos Jobim. Aos 60 anos de idade, após ter vivenciado a concepção da bossa nova (da qual foi um dos pais), a consagração nos Estados Unidos (com direito a dueto com Frank Sinatra), enveredado por experimentações instrumentais (misturando jazz a elementos tipicamente tupiniquins) e excursões plenamente sucedidas no mundo inteiro, Tom Jobim gravou “Passarim”, que foi, por incrível que pareça, o primeiro Disco de Ouro da carreira de Tom no Brasil. Como é característico em toda a sua obra, “Passarim” é um álbum repleto de canções de extraordinária riqueza melódica, dentre as quais destaco “Luíza” (cuja letra prova que o maestro, além de compositor, também era versejador de mão cheia), “Anos Dourados”, “Borzeguim” e “Bebel”.
10) “Noturno Copacabana” (2003) - Guinga. Fiz questão de incluir este álbum, o mais recente de toda a lista, porque Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, o Guinga, ainda não recebeu todo o reconhecimento que lhe é devido, e isso apesar de já fazer por merecer um lugar no panteão dos Grandes da MPB, ao lado de talentos como Noel Rosa, Chico Buarque, Tom Jobim, Lamartine Babo e Orestes Barbosa. Neste que é o seu sexto álbum, Guinga grava parcerias com letristas do porte de Aldir Blanc, Nei Lopes e Paulo César Pinheiro, resgata as heranças musicais de mestres como Radamés Gnatalli e Villa-Lobos, mescla influências de baião, xaxado, choro e blues e grava, ao lado da cantora Ana Luiza, aquela que foi considerada por ninguém menos que Chico Buarque “a canção do século”: “O Silêncio de Iara”. Que mais pessoas conheçam o trabalho deste mestre, compositor de outras gemas como “Catavento e Girassol” e “Senhorinha”.
(texto publicado originalmente em 7 de março de 2004.)
Estreou no Telecine Premium a sessão Cyber Movie, que exibirá semanalmente filmes legendados em “internetês” (também conhecido como “miguxês”), aquele estranho dialeto usado por adolescentes em chats e fotologs repleta de palavras abreviadas e corruptelas como “fzr” (fazer), “cmg” (comigo) e “9dades” (novidades). A intenção do canal é fazer uma programação mais “antenada” (odeio essa palavra) com o público jovem.
Bem, eu cometi o despautério de assistir algumas cenas do filme “+ Velozes + Furiosos” a fim de conferir como essa proposta funcionaria em vídeo. É certo que o filme não prima exatamente pela qualidade de seus diálogos, mas não agüentei ver mais do que cinco minutos de legendas como:
- Vc tá maluko, kra?
- Soh toh fazendu o q me mandaram.
- Ei, p/ onde eles estaum indu?
- Sei lah!
Quem já estudou lingüística já deve ter ouvido o papo de que não existe certo ou errado na língua. Segundo essa abordagem, o domínio das normas cultas deve ser analisado como um fato de dimensões sociais, que no fundo só serve para ressaltar a superioridade arbitrária de um grupo sobre outro. Ainda sob esse ponto de vista, os gramáticos seriam espécies de ditadores, sobrepondo sua visão sobre os demais. Mas o problema é o seguinte: sem a imposição de determinadas regras, a língua portuguesa torna-se uma barafunda, uma anarquia na qual vale tudo, até mesmo iXcReVeR dExXi jeItU intragável de se ler.
Ok, línguas são como organismos vivos que evoluem de acordo com os tempos, recebendo influências de outras culturas e idiomas, e acolhendo novos vocábulos criados pelas mudanças sociais e tecnológicas. É assim que incorporamos palavras surgidas relativamente há pouco tempo em nosso dia-a-dia, como “blog”, “teleconferência”, “apê”, “downsizing” e “metrossexual”, enquanto outras estão fadadas a cair paulatinamente no oblívio, como “vitrola”, “soviético” e “malufar”. Mas será que a melhor resposta à propagação desse dialeto já praticado por cerca de 7 milhões de internautas é, simplesmente, incorporá-lo como acabou de fazer o canal Telecine?
O fato é que, uma vez chocado o ovo da serpente, o bicho torna-se indomável. Eu, pessoalmente, execro a iniciativa dessa sessão Cyber Movie (talvez a primeira no Brasil, mas não na América Latina - a MTV Latina há tempos exibe “El Clic”, programa interativo que adota as grafias alternativas criadas pelos internautas), mas ao mesmo tempo sei que é uma postura estéril, uma vez que não há como se controlar a difusão do “miguxês” - línguas se modificam naturalmente, por mais que legisladores e gramáticos tentem impor regras normativas.
Vale a pena, de qualquer modo, acompanhar os apaixonados debates travados no fórum do site do Telecine. Mais do que os previsíveis embates entre internautas indignados com a “imbecilização da humanidade”, e outros que chamam os detratores da iniciativa de “fascistas” (palavra tão banalizada) e “tiranos da língua”, chamo a atenção para aqueles que abordam o assunto da maneira como qualquer crítica deveria ser feita: com bom humor. Destaco aqui as sugestões de Gabriel Tacchi, de criar novas atrações como a Sessão Mussum (pra quem é fãnzis do saudoso trapalhãozis consumidorzis de mé) ou a Sessão Língua do Pê, e de Régis Felipe Schorr, que propôs a exibição de filmes legendados em “fanhês” (afinal “fanho também é gente“), mas não em “gaguês”, porque senão o filme acabaria muito antes das legendas…
(texto publicado originalmente em 1 de março de 2005.)
As primeiras queixas surgiram no dia 29 de dezembro. Jacqueline Brandão, criadora da comunidade no Orkut “Eu Amo Chocolate” (com 147.285 membros), abriu um tópico dentro do grupo “PanElite” (de acesso restrito a moderadores de algumas das mais populares comunidades brasileiras) denunciando o fato: “roubaram a minha comunidade (…). É osso viu? Tô quase chorando, de tristeza e raiva. :( O atual moderador me disse que é provisório, pra eu não ficar triste.”.
O “atual moderador” citado por Jacqueline é Vinícius K-Max. Apelidado pelos amigos de Bozó, tem 23 anos (segundo informações de sua página no ICQ), possui um fotolog abandonado e, antes de “roubar” comunidades no Orkut, já se apossou de fotologs alheios em setembro de 2003, usando o nickname Vipzen. Na época, Vinícius usou como justificativa para o seu ato palavras de ordem contra um suposto boicote dos administradores do Fotolog contra usuários brasileiros (“FODA-SE o CAPITALISMO! FODA-SE o USA! VAMOS USAR FOTOLOGS BRASILEIROS! PAREM DE BABAR OVO PARA OS GRINGOS!!”).
Para se apoderar de algumas das maiores comunidades brasileiras no Orkut, Vinícius aproveitou-se dos inúmeros “bugs” do navegador Internet Explorer, que, aliados a falhas de segurança do site, abriram brechas para que alguém armasse a tal arapuca. Resumindo grosseiramente o funcionamento da armadilha: após criar um código de programação malicioso, “Vipzen” induziu os moderadores das comunidades “roubadas” a clicarem, inocentemente, em determinado link. Para tanto, Vinícius aproveitou-se da absurda facilidade com que internautas criam identidades falsas no Orkut, criando a persona Antonio Bitencourt. Sob a falsa alcunha, visitou as páginas pessoais dos criadores das comunidades almejadas, deixando nelas a seguinte mensagem:
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Chegou recentemente às bancas a edição nº 221 da revista “Cebolinha”, que traz na capa o anúncio de um novo personagem da Turma da Mônica: Bloguinho, personagem que se comunica com os outros através do “internetês”, aquele dialeto da língua portuguesa recheado de expressões como blz, chat, emoticon e a indefectível risada usada por nove entre dez internautas adolescentes, KKKKKKKKKKK. Uma das intenções dos estúdios Maurício de Sousa com a criação de Bloguinho é utilizar a interface dos quadrinhos para “traduzir” aos leitores a peculiar linguagem usada em chats de Messenger, blogs e fotologs de adolescentes. Admito que necessito de ajuda, afinal de contas como é que existem pessoas capazes de IxCrEvEr kOiZaX dExXe DjEiTuM?
O press-release enviado a respeito do personagem fornece uma estatística estarrecedora: cerca de 7 milhões de usuários já são fluentes nesse tal de “internetês”, esse tal linguajar crivado de expressões como “vc quer tc?“, “sua fotinha tah d++++, mtoooo xow, me adiciona no msn!!!“, ou “lôko o seu blog, naum ker trocar links?“. Continue Lendo
Em seu perfil no Orkut, meu amigo Daniel Rêgo Barros Júnior afirmava: “Como bom Nordestino, não tenho sombra, tenho réstia!!! E espero morrer aos 110 anos, assassinado por um marido ciumento.” Que pena, meu camarada, que a vida nem sempre segue o script que desejamos dar a ela.
Daniel nasceu no dia 30 de julho de 1955, em Paulo Afonso, interior da Bahia. Sua família, porém, era de Pernambuco. Já residente em Recife, formou-se em Direito pela Unicap. Anos mais tarde, mudou-se para Aracaju, onde fundou o escritório de advocacia Rego Barros Advogados Associados. Devido a essas perambulações, considerava-se um cabra “sergipernambaiano”.
Daniel foi mais um dentre tantos amigos que fiz por intermédio do Pensar Enlouquece. Na época em que comecei a postar, ele era um dos principais agitadores da então incipiente blogosfera brasileira. Além de manter um blog pessoal, Daniel foi o criador do Post-It, blog coletivo com mais de 200 integrantes, criado em setembro de 2001.
Começamos a nos corresponder por intermédio de um internauta anônimo que assinava seus posts como São Nunca e se dedicava a divulgar blogs pouco conhecidos com bastante simpatia e humor. Eu, que sou um cara deveras desligado, só fui descobrir que São Nunca e Daniel eram a mesma pessoa ao trocar scraps nesta semana com uma amiga que tínhamos em comum, Cristina Carriconde. Disse ela: “Sim! Ele era o nosso santinho milagreiro do mundo dos blogs. Imagina quanta gente ele ajudou e que não sabe a identidade. Podes confirmar isso visitando o velho link do Santo de Casa. Quando a gente clica ele leva para a página do blog de direito que ele mantinha. Mais uma página que procurava ajudar as pessoas”.
Na primeira vez em que trocamos e-mails, lá pelos idos de 2003, escrevi-lhe para comentar que nossas páginas pessoais estavam entre as mais visitadas do Yahoo na categoria Poesia na Internet. Desde então, mantivemos uma intermitente correspondência amistosa ao longo dos anos. Fiel amigo virtual, Daniel sempre esteve entre os primeiros a me auxiliar toda vez que precisei de divulgação: apoiou minha campanha pelo iBest, denunciou o episódio do bloqueio de minha URL pelo Blogger Brasil, divulgou o novo endereço do blog, foi integrante ativo da comunidade Pensar Enlouquece no Orkut. Devido à distância geográfica, jamais chegamos a beber chope juntos em uma mesa de bar; ficamos apenas com os pileques e abraços virtuais. No entanto, eu sabia que poderia contar com seu apoio sempre que necessário, e a recíproca era verdadeira.
Daniel Rêgo Barros Júnior morreu no dia 30 de outubro, aos 50 anos de idade, por não conseguir mais suportar as conseqüências causadas pela depressão e síndrome do pânico. Em uma das cartas que deixou, escreveu:
“Vivam intensamente e procurem lembrar sempre os bons momentos que passamos juntos. Acreditem em Deus, pois sem ele dentro de nós, as coisas tornam-se difíceis de serem superadas. Não quero luto.
Na quinta-feira, dia 3, seu filho Bruno Barros publicou um belíssimo texto intitulado “Meu Pai. Meu Fantástico Pai”. Nele, afirma:
“Meu pai estará eternamente no meu coração e no coração de todos que tiveram a oportunidade de conhecer a pessoa fantástica e brincalhona que ele era. Onde havia lágrima, meu pai, com um par de piadas bobocas e seu largo sorriso, conseguia fazer brotar felicidade.
Não terei mais a oportunidade de dar um abraço em meu amigo Daniel. No entanto, posso dizer que a dor de ter perdido meu camarada é tão real quanto as lágrimas que marejaram meus olhos ao saber de sua morte. Porque existem momentos nos quais as amizades virtuais transcendem os limites de bits e bytes. Porque as pessoas que mantêm blogs não são avatares ou personagens de videogame: elas riem, choram, sofrem, teimam, amam. E pessoas como Daniel, embora já não estejam fisicamente neste mundo tão imperfeito em que vivemos, permanecem fazendo-nos companhia em algum lugar dentro da gente.
Descanse em paz, Daniel, e obrigado por ter me dado o privilégio de ser seu amigo. Um dia a gente ainda há de se encontrar por aí.
* * *
P.S.: Meu amigo Fábio Sampaio também escreveu um post em homenagem a Daniel.
As únicas leis que funcionam neste país, uma vez que independem da fiscalização de nosso pantagruélico Estado, são as leis de Murphy e Gérson. Não vejo grande utilidade, pois, na convocação de um referendo que custará cerca de R$ 210 milhões aos cofres públicos, é baseado na falácia de que a proibição da venda de armas bastará para diminuir a criminalidade (como se a desigualdade social de nossa Belíndia, a corrupção na polícia e a falta de investimentos em educação não fossem os motivos principais da violência que grassa por aí) e desvia as atenções da população de assuntos mais relevantes como os processos de cassação dos deputados envolvidos no escândalo do mensalão.
Você reclamava do baixo nível da programação da TV? Ah, isso é porque você não havia sido obrigado a assistir às propagandas imbecilizantes oriundas desse referendo. De um lado, artistas bradando argumentos repletos de lugares comuns, do tipo “eu sou a favor da paz” (ué, existe algum idiota que declare ser pró-guerra?), esvaziando a discussão de um assunto sério com seus rostinhos bonitos e acéfalos. De outro, atores personificando jovens “descolados” que usam o argumento patético de que é preciso votar “não” porque a juventude é intrinsecamente contra qualquer tipo de proibição. Em comum a ambos os lados, o farto uso de números e pesquisas que supostamente corroboram seus respectivos pontos de vista. Não posso deixar de fazer a piada inevitável: 98,75% das estatísticas são totalmente manipuláveis.
* * * * *
P.S. 1: O único referendo ou plebiscito que este país necessita diz respeito ao fim da obrigatoriedade do voto.
P.S. 2: Perdoe-me se soarei grosseiro, mas não estou minimamente interessado em saber se você votará “sim” ou “não”.
P.S. 3: Indeciso e à procura de mais informações? Não permita que a mediocridade das propagandas televisivas ou a parcialidade de determinadas revistas semanais joguem fora a oportunidade de se fazer um debate minimamente aprofundado. Clique aqui, visite os links do grupo Nós na Rede e conheça opiniões de ambos os lados.
Cansei dessa necessidade que todos parecem ter de expor suas opiniões e depois verem-se compelidos a justificá-las, argumentá-las, passionalizá-las, asseverá-las a ferro e fogo. Certas discussões me lembram aquelas intermináveis mesas-redondas de futebol, em que uma bancada repleta de palpiteiros discute ad nauseam se tal jogador estava impedido, se tal lance foi pênalti ou não, e a troco de quê? Do mais rotundo e absoluto nada.
Já briguei demais com pessoas importantes em minha vida movido por essa vaidade estúpida de querer provar as minhas verdades. Estou saturado de viver em um ambiente cercado de palpiteiros patológicos que, subitamente, tornam-se experts sobre qualquer assunto que esteja sob o imediato foco midiático. Não quero provar que o meu gosto musical é mais refinado, que a minha opinião sobre o porte de armas é melhor argumentada que a sua, que eu li um porrilhão de livros e isso me torna um sujeito mais culto, que eu sou bacana e cool e blasé e indie e antenado.
A compreensão de que minha opinião sobre qualquer assunto é tão relevante quanto saber a cor da tampa do ralo do banheiro público do metrô é algo que ainda apreendo aos poucos, e faz parte do paulatino e dolorido processo de tentar me tornar uma pessoa melhor. Um dia ainda hei de saber filtrar a arrogância, o cinismo e o ceticismo que envenenaram minhas palavras em certos bate-bocas, discussões, e-mails.
(Quem afirma algo como “se eu pudesse voltar atrás faria tudo exatamente igual” é um contumaz imbecil.)
Pretendo, pois, limitar minha participação em embates verbais exclusivamente a situações in loco, ao lado de amigos que me vejam olho no olho e saibam reconhecer meus momentos de ironia, convicção, sarcasmo e, sobretudo, fraqueza.
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