Há muito tempo não vou a uma festa junina. Para ser mais exato, desde meus tempos de primário, cursados no finado Colégio Raio de Sol, que ficava localizado na rua de singelo nome Monte Alegre (anos depois soube que a escola foi rebatizada como Logus, Exatus ou algo do tipo, antes de fechar as portas e mandar mais um pedaço de minha infância para o beleléu).
Poderia até dizer que uma das minhas frustrações infantis foi o fato de nunca ter recebido uma mensagem de correio elegante, mas estaria mentindo; aos dez anos de idade, ainda não me encasquetava com essas coisas. Minha lembrança mais nítida acerca de festas juninas, na verdade, é de uma pelada que joguei pouco antes da quadrilha. Eu e meus colegas da quarta série disputamos uma peleja e tanto, correndo atrás da bola sem ligar para os chapéus de palha enfiados em nossas cabeças, enquanto o suor desmanchava os bigodes que nossas mães haviam pintado com seus lápis de olho. Infelizmente aquela partida terminou sem vencedores; culpa da Tia Neide, diretora do colégio que, insensível aos nossos apelos, decretou o encerramento daquele jogo a fim de dar início à quadrilha da festa junina daquele inverno de 1983. Continue Lendo
As imagens acima, que já circulam pela Internet há algum tempo, foram escaneadas da seção de cartas da revista Superinteressante de abril de 2004. Quando as vi, a primeira pergunta que me veio à cabeça foi: oras, mas essa carta não seria um trote passado pelo Cocadaboa?
Breve explicação para os poucos incautos que nunca visitaram a página: o Cocadaboa, polêmico site de humor capitaneado por Mr. Manson (pseudônimo de Wagner Martins, economista formado e autor do livro “Transpiauí: uma peregrinação proctológica”), mantém uma seção intitulada S.A.C. aneie, que publica e-mails com perguntas idiotas ou exóticas enviadas a diversos Serviços de Atendimento ao Consumidor. A parte mais engraçada (ou sádica) da seção é constatar que, por mais infames que sejam os questionamentos, os mesmos são invariavelmente respondidos com desconcertante seriedade pelos atendentes das empresas, fato que me faz pensar em duas hipóteses:
a) a maioria dos SACs é criada com o mero intuito de dar às empresas um verniz marketeiro politicamente correto, à base de funcionários mal treinados e/ou desmotivados, que respondem às perguntas da maneira mais burrocrática possível;
ou, b) seus atendentes estão tão acostumados a ouvir questionamentos imbecis que não estranham mais nada.
Para ilustrar o que digo, nada melhor do que publicar três exemplos extraídos do S.A.C. aneie do Cocadaboa:
Empresa: Schincariol
Autor: Fernando Martinelli (leitor)
Gostaria de saber se, ao misturar com a cerveja SCHINCARIOL veneno para extermínio de ratos, o veneno, ao entrar em contato com a cerveja, perderia seu efeito? Perdendo ou não o efeito, é possível que venha a ocorrer óbito da pessoa posteriormente ao consumo da substância!?
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Senhor Fernando:
Agradecemos seu contato e informamos que: Qualquer ser humano é muito precioso na face da terra, todos tem seu devido valor, principalmente o senhor.
SAS/MKT - 0800 55 16 55
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Empresa: Sony
Autor: Bruno Quadros (leitor)
Recentemente comprei um minisystem MHC-DX90. Muito me impressionou o efeito sonoro (que estranhamente não é divulgado) que faz com que a voz de artistas já falecidos, como John Lennon e Janis Joplin, tenham suas vozes levemente alteradas para soarem mais "cadavéricas". No entanto, qual não foi o meu desapontamento quando fui ouvir um CD de Elvis Presley e o mesmo efeito sonoro foi aplicado! ELVIS NÃO MORREU!!! POR QUE VOCÊS NÃO QUEREM ADMITIR ISTO?????? De toda forma, gostaria de saber como desativar este efeito sonoro para quando eu quiser ouvir meus CDs do Elvis?
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Prezado Senhor Bruno,
Agradecemos o seu contato com a Sony. Indicamos que siga as orientações contidas a partir da pagina 29 de seu manual de instruções para que possa ajustar o som de acordo com sua preferência.
Atenciosamente,
E. S.
SONY Brasil Ltda.
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Empresa: Perdigão
Autor: Fabio (leitor)
Acabei de ver aquele filme "American Pie", e vi que o menino tenta perder a virgindade com um torta de maçã. Estou escrevendo pra vocês porque ainda sou virgem e gostaria de estar preparado para quando chegar meu dia. Por isso, pergunto: qual produto vocês recomendam que eu utilize para atividade sexual? Eu nunca encontrei tortas da Perdigão, mas pensei em usar uma lasanha. Será que essa seria a melhor escolha?
Obrigado, Andrade
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Prezado Andrade
Não aconselhamos que os produtos da Perdigão sejam utilizados para outros fins que não sejam alimentícios. Nos colocamos à disposição.
CENTRO DE SERVIÇOS AO CONSUMIDOR PERDIGÃO
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Em tempo: a carta publicada pela Superinteressante me fez lembrar de Fernando Ferreira, meu ex-colega de Cásper Líbero. Fernando, que além de jornalista é evangélico, nas horas vagas compunha raps cristãos usando como nome artístico MC Empada. Pois bem: num desses dias de ócio e aulas modorrentas, sugeri a ele que compusesse um rap sobre um garoto que usasse versículos rasgados da Bíblia para confeccionar seus cigarrinhos-que-passarinho-não-fuma. A música teria como título um trocadalho daqueles: “Baseado na Bíblia”. (In)felizmente a idéia jamais foi aproveitada…
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UPDATE: enquanto isso, o Cocadaboa continua fazendo novas vítimas. O Jornal da Tarde publicou em sua edição de 27 de maio nota reproduzindo excertos de uma notícia falsa publicada na seção Cocadaboa News com o título “Presidente Lula é ridicularizado na TV americana”. Trata-se da mesma manchete fictícia que ludibriou o jornalista Ricardo Noblat…
Tenho alguns amigos que simplesmente abominam a figura de Ayrton Senna. Embora discorde deles, não posso deixar de entender esse repúdio. Desde aquele nefasto acidente na curva Tamborello, sua figura passou por um processo de beatificação típico de um povo necrólatra e carente de heróis. Pudera, 11 entre 10 necrológios reiteram o inevitável clichê: “Senna foi a personificação de um Brasil vencedor”. De quebra, feito ícones da cultura pop como James Dean, Che Guevara e Jimi Hendrix, morreu precocemente, deixando em seus fãs a questão com gosto de “se…”: o que mais Senna poderia ter feito caso tivesse seguido em frente?
Muitos relativizam os feitos do piloto brasileiro dizendo que ele corria por uma escuderia inglesa, com motores japoneses e pneus franceses. Esquecem-se, porém, de recordar que suas maiores façanhas foram realizadas em corridas nas quais seu equipamento era claramente inferior ao de seus concorrentes. Vide, por exemplo, sua primeira vitória em um GP Brasil, em 1991, quando Senna completou as últimas voltas no autódromo de Interlagos apenas com a sexta marcha. Ou sua fantástica performance no GP Europa de 1993, no circuito de Donington Park, quando o piloto brasileiro ultrapassou quatro carros (dentre eles as Williams de Prost e Hill, as “Ferraris” daquela época) e completou em primeiro lugar aquela que é considerada a melhor volta de toda a história da F-1 (clique aqui para baixar o vídeo e exibi-lo aos céticos). Continue Lendo
Que a mentira nunca saiu de moda, isso é fato líquido e certo. Em todos os escopos do cotidiano encontramos casos de lorotas desbragadamente contadas, desde os clássicos “vamos esperar o bolo crescer para depois reparti-lo”, e “você merece alguém melhor do que eu” até os recentes “não vou desfilar no carnaval porque estou grávida”, “estamos absolutamente convictos de que a culpa é toda da ETA” e “aceitei fazer o comercial porque não agüentava mais tomar Brahma escondido”. Perguntar não ofende: dá pra tomar uma Kaiser antes?
Mas enfim, enquanto o mundo for mundo sempre haverá incautos dispostos a cair em historinhas para adormecer bovinos, com enredos mirabolantes que falam sobre armas de destruição em massa, espetáculos do crescimento, matérias assinadas por Jayson Blair e hospedagem de blogs para não-assinantes da Globlogger. Em meio a tantas fraudes, imposturas, contos da carochinha, falácias, cascatas, carapetas e sofismas, no quê acreditar? Continue Lendo
Acendo teu cigarro na estrela desta madrugada insone, enquanto pensamentos redemoinham melodias redivivas na pista de minha memória. Abra as persianas de minhas reminiscências, mocinha.
A verborragia nervosa na mesa de jantar, as citações ricocheteadas de Bergman e Woolf, a taça de vinho tremeluzendo em minhas mãos titubeantes. De repente, não mais que de repente, me vi tonto (ainda mais do que o habitual) em um mundo repentinamente grávido de possibilidades que sorriam. Como um quadro que salta pra fora da moldura. Como as reticências sugestivas no decote das nuvens ocultando a manhã. Como um big bang eclodido dentro de mim, ao toque de lábios descobrindo-se pela primeira vez.
Diante do teu sorriso sempre retrocederei ao adolescente que tropeça nas próprias palavras. Meus cadarços se transformam em serpentes que se desamarram sozinhas e sobem rebeldes, em busca de estrelas esquivas. Ah, tantas vezes quis te matar, tantas vezes ainda morrerei entre tuas pernas. Alguém já viu um teto branco se encher de cores, assim como um escritor cobre de palavras o silêncio de uma madrugada? Maybe. Mas as piadas não têm mais graça, a música neste jukebox é sempre a mesma, e os insultos doídos que vociferamos brandem dentes nervosos na algazarra da noite.
O que fazer quando não sei mais o que fazer com teus olhos? Meus neurônios jogam amarelinha oscilando entre o céu e o inferno; pendurado entre o 8 e o 80, desisto de buscar o 44. Interrogações penduram-se no alabastro do meu cérebro, como guarda-chuvas antecipando a proeminente tempestade. Na gangorra da insônia, sou a mão sem linhas na palma.
Nossa história acabará no clichê amarfanhado do “viveram felizes para sempre”? Espero que não. Porque, oras, quem deseja o tédio imortal da felicidade perene?