Observações ao léu
Por Alexandre Inagaki ≈ quarta-feira, 14 de dezembro de 2005
Detesto dirigir. Pedestre convicto, também sou assíduo freqüentador dos ônibus e metrôs de Sampa City. Em vez de me estressar na posição de motorista enfrentando os ziguezagues dos motoboys, os faróis altos ou as agruras dos congestionamentos que pipocam pelas ruas saturadas da metrópole, atenho-me à condição de passageiro que aproveita os olhos livres para ler revistas, tirar breves cochilos ou simplesmente vendo as pessoas que passam por meus olhos.
É claro que nem tudo são louros. No ônibus a caminho para o trabalho invariavelmente viajo de pé, espremido feito os livros nas prateleiras abarrotadas do meu quarto. Mas é nessas horas que percebo o quanto tornou-se fundamental andar com meu iPod, que uso com fones de ouvido comprados em camelô (os fones brancos originais do iPod são tão discretos quanto um ornitorrinco fazendo cambalhotas). Nada como uma boa trilha sonora (no caso, “Everything Flows” do Teenage Fanclub) para tornar uma insípida viagem de busão algo mais palatável.
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O mais poderoso slogan cunhado neste ano não foi criado por nenhum publicitário. O (dúbio) mérito deve ser creditado aos traficantes que mataram os incendiadores do ônibus no Rio, que deixaram um recado do lado de fora do carro em que jaziam os corpos dos quatro bandidos assassinados: “do lado certo da vida errada”. De quebra, arremataram tal frase com o complemento: “fé em Deus”. Não sou ateu, mas às vezes a metralhadora diária das manchetes de jornais me obriga a pensar se não estou enganado quanto às minhas convicções.
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Ainda sobre o Rio de Janeiro: ao observar em meio aos prédios os morros que circundam a cidade, tive a nítida impressão de que o Rio é como um imenso Maracanã cercado de morros-arquibancadas por todos os lados. Meu grande temor é de que chegue o dia em que a torcida perderá de vez a paciência com o jogo a se desenrolar, a arbitragem desastrada, o resultado injusto da partida da vida, e resolva invadir o campo e quebrar tudo que encontrar pela frente.
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Já escrevi isso antes, e volto a repetir: o que mata na vida são os relacionamentos mal-resolvidos. Volta e meia sou invadido pelas lembranças de uma garota em seu sono agitado, de meus olhos embevecidos observando aquela mulher que um dia amei, de tempos em que mergulhava meus olhos naqueles olhos que se assemelhavam a dois peixes castanhos nadando inquietos na tentativa de abarcar tudo que se passava ao seu redor.
Não sou a melhor pessoa do mundo. Aliás, jamais nutri a ambição de ser essa figura. No entanto, quando ela entrou de sopetão em minha vida, trazendo para dentro de mim imagens de tardes que espreguiçavam lascívia, gatos larápios de doces e uma cumplicidade traçada pelos compassos de risos compartilhados e bocas que se encaixavam feito música, eu realmente quis me tornar um cara melhor, menos arrogante, idiossincrático, ciumento. Bem, a história não acabou da maneira que eu gostaria, mas por algum tempo, ainda que breve, conseguimos comungar o espantoso milagre que é um homem e uma mulher estarem juntos e felizes, apesar de suas adversidades e temperamentos.
Desde então beijei outros lábios, provei outros corpos, vivo a cotidiana missão de tentar ser feliz. Toco o barco, enfim, tomando o cuidado de não cair na armadilha do ceticismo amoroso. Entretanto, sei que ainda não cumpri por completo a travessia de desvencilhar meus sentimentos por completo. Enquanto isso, aguardo pela chegada do tempo da delicadeza profetizada pelo Chico.
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Encontrei uma utilidade para o Orkut: escrever testimonials para as pessoas que fazem diferença em minha vida. Em tempos nos quais tornou-se uma luta renhida não se tornar blasé ou cínico frente à humanidade em geral, é praticamente uma terapia o esforço em buscar palavras que façam jus aos meus amigos, resgatando lembranças e gestos bacanas que ilustrem o quanto cada um deles é especial para mim. Esta prática, que não necessariamente depende de Orkut para ser realizada (como provou minha amiga Luciana), recomendo a todos.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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