O Poder da Ignorância
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 04 de março de 2008
Inteligência combina com felicidade? Há tempos essa questão se debate no trapézio dos meus pensamentos. Por vezes penso que ignorar todas as engrenagens que movem as sujeiras deste mundo é condição imprescindível para ser feliz, e que o ideal é ser alienado feito um participante de Big Brother ou uma dançarina de axé, ignorando notícias sobre cartões corporativos, chacinas na África ou os embates entre judeus e palestinos, como se vivêssemos no mundo edulcorado de uma propaganda de margarina. Em outras ocasiões, lembro da ilusão dessas felicidades etéreas, tão fantasiosas quanto as risadas forçadas das claques de programas de TV. Mas enfim, tergiverso.
Bem, o caso é que me deparei com um livro com o provocador título de “O Poder da Ignorância”, que afirma, logo na sua capa: “Seja mais feliz, seguro, confiante e amado. Esqueça suas limitações. Aumente a sua ignorância e promova o bem-estar geral”. Achei excelente a provocação, inclusive porque tem tudo a ver com o nome deste blog (se pensar enlouquece, por que pensar?), e comecei a ler um volume que poderia despertar dúvidas acerca de sua verdadeira natureza. Trata-se de uma contundente sátira a toda a, hmm, “literatura” de auto-ajuda, ou é uma obra que fala sério ao batizar capítulos com títulos como “Da Ignorância Nasce a Confiança”, “Inspiração é 99% Ignorância e 1% Transpiração” e “Declare a Falência da Mente”? Mas enfim, o que pensar nestes tempos estranhos em que a nação mais poderosa do mundo é presidida por um consumado imbecil?
Partindo de uma ótima e instigante premissa, “O Poder da Ignorância”, que é atribuído a um guru da motivação “ignoracional” batizado com a alcunha de Vaguen, desenvolve a tese de seu título com historinhas e parábolas precisamente ilustrativas. Um exemplo: Harry Houdini, o maior mágico de todos os tempos, fez mais de 6 mil apresentações, deixando as platéias mesmerizadas com seus truques. Certa vez, após mais um show que deixou a multidão estática, um repórter foi até o seu camarim e perguntou como ele se sentia diante das platéias encantadas. Houdini virou-se lentamente, pousou sua garrafa de uísque na mesa e deu um murro bem no meio da cara do repórter. A moral? Piadas são engraçadas quando você as ouve pela primeira vez. Depois, haja risos amarelos! Imaginem, pois, como deve se sentir um comediante que ganha a vida contando as mesmas piadas por décadas. Ou atores, mágicos, contadores de histórias e palestrantes que fazem o mesmíssimo número vida afora. Muitos deles admitem, publicamente, que abominam suas platéias. Porém, seus fãs não sabem que é assim que esses intérpretes se sentem a seu respeito. Se soubessem disso, seriam privados da diversão. Conclusão: a ignorância é a chave para o riso.
Uma outra historinha edificante: há muitos anos, um garotinho chegou à conclusão de que, como a mais agradável de todas as suas atividades estudantis era representar nas peças do teatro da escola, valeria a pena concentrar seus esforços na tentativa de tornar-se um brilhante ator. Assim, ninguém se surpreendeu quando, ao acabar o colegial, ele foi cursar artes dramáticas na universidade. Quatro anos depois, aquele garoto tornou-se um jovem ator morando em Nova York, percorrendo todo o circuito de teatros comunitários, deixando cópias de seu currículo com todos os agentes e empresários do ramo e comparecendo a todos os shows da Broadway aos quais pudesse aparecer. Ele passou vários anos vivendo dessa maneira, fazendo bicos como figurante e se virando em trabalhos temporários, persistindo em seu objetivo.
Anos depois, esse homem confidenciou que uma das coisas que o fez teimar tanto em seu sonho foi saber que não possuía nenhuma habilidade superior à sua capacidade de representar. Por isso, mesmo quando não pôde pagar uma passagem aérea para assistir aos funerais de sua avó ou quando se viu obrigado a morar nas ruas por três meses, ele deixou que sua vontade esmorecesse. Nem mesmo quando um agente caça-talentos lhe disse: “Você é o ator mais inexpressivo que já conheci. Se você tentar entrar em contato comigo de novo, vou até onde você estiver e o mato. Lentamente”. Esse ator manteve vivo o seu sonho porque, bem lá no fundo, ele sabia que conseguiria concretizá-lo. Qual o seu nome? Terry Norton. Você não o conhece? Oras, ele é o subgerente de uma locadora de vídeo na esquina da rua da casa do autor do livro! :P
Se o tal ator se chamasse John Malkovich, você teria acabado de ler uma historinha inspiradora típica daqueles que são repassadas para o seu e-mail em attachments de Power Point, levando incautos a acreditar que basta ter determinação para que todos os seus sonhos tornem-se realidade. No entanto, milhões dessas histórias de fracasso passam incólumes às nossas caixas de e-mails, do mesmo modo que não ficamos sabendo do destino de todos os milhares de candidatos que foram reprovados em programas como American Idol ou O Aprendiz, porque esses casos de insucessos poderiam desanimar você em sua jornada. Moral da história: ignorar voluntariamente os fatos que não auxiliam você em seus objetivos é uma das mais poderosas ferramentas para que você adquira uma atitude onipotente. E aí vem a frase lapidar que sintetiza todo o conceito de “O Poder da Ignorância”: “Se você não sabe o que não é possível, então tudo é possível!”.
O livro, publicado no Brasil pela editora Matrix, é uma saudável provocação que pode até ser levada a sério (em especial se lido ao som de coisas como a Dança do Créu), embora tenha feito com que eu desse risadas quase vexaminosas em público, em especial nos vagões do metrô onde li boa parte de suas páginas. Enquanto vejo se descolo um exemplar para ser sorteado aqui, confiram um vídeo promocional das mirabolantes palestras motivacionais ministradas pelo autor do livro, e cliquem aqui caso queiram adquiri-lo online.
P.S. 1: O embate entre Idelber Avelar e Pedro Doria catalisado por um post do colunista do Estadão intitulado “Israel, Palestina: como resolver?“, que deu origem ao artigo “100 palestinos mortos; comentário sobre algumas racionalizações do massacre”, de meu amigo Idelber, e que depois foi desdobrado em réplicas e tréplicas de ambos os lados, é de leitura obrigatória a todos que queiram ouvir opiniões divergentes (mas sempre bem articuladas) sobre um assunto de relevância inegável.
P.S. 2: Outro post para o qual chamo a atenção é “Notícias da Venezuela”, no qual Gravatai Merengue reproduz o e-mail de uma amiga sua que mora no país presidido por Hugo Chávez, reportando o estado de espírito por lá após a recente crise diplomática entre a Colômbia e o Equador, diretamente ligada às Farc.
P.S. 3: É um prazer ver Rosana Hermann apresentando o programa Atualíssima na Band.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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