Não verás país como este
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
Vaticinou o jornalista Alexandre Maron em seu blog: “O país que não consegue nem controlar a febre amarela não podia saber fazer coisas simples como ter juízes que soubessem julgar. A todo momento surge um juiz posando de educador, de médico e querendo impor decisões a respeito de assuntos sobre os quais claramente não estudaram nada”. Meu xará refere-se à estapafúrdia decisão judicial que proibiu os jogos Counter Strike e EverQuest em todo o país.
Segundo a justificativa publicada no site do Procon de Goiás, os games foram considerados “nocivos à saúde dos consumidores”. A nota afirma ainda que são jogos “capazes de formar indivíduos agressivos”. Tsc, tsc. Irritante essa mania que a Justiça brasileira possui de se intrometer em assuntos que desconhece solenemente, tal como no infame episódio em que o blog Imprensa Marrom foi tirado do ar a mando judicial por causa de um comentário deixado por terceiros. E que besteira é essa de transformar videogames em bodes expiatórios da violência no Brasil, como se a histórica desigualdade social no país, a responsabilidade das famílias na criação de seus filhos ou a inapetência do governo em prover educação de qualidade não tivessem nada a ver com essa história?
A proibição dos jogos foi uma decisão tão patética que, como não poderia deixar de ser, virou motivo de sarcasmos generalizados na internet. No Twitter, Jonny Ken especulou o que virá pela frente: “Juiz condena jogador de Counter Strike em 132.234 anos de prisão por matar 4.407 jogadores on line em 4 anos”. No post “Prendam-me! Eu sou um maldito jogador de videogames!!!!”, GraveHeart relembra precedentes de proibição de jogos no Brasil: “Toda censura é burra, idiota e irresponsável. No passado, Carmageddon e Grand Theft Auto foram proibidos. Houve redução na criminalidade? Sabemos que não”. Mateus, comentarista do blog GeekGear, resgatou o caso do juiz Pedro Percy Barbosa de Araújo, que covardemente assassinou o vigia de supermercado José Renato Coelho Rodrigues com um tiro na nuca, pelas costas, questionando: “Será que esse juiz jogava Counter Strike ou EverQuest???”.
Perguntar não ofende, algumas respostas sim: será que todo jogador de Super Mario Bros. sai por aí pulando em cima da cabeça dos outros, esmagando cogumelos e tartarugas com seus saltos?
“Nunca passou pela cabeça de Almir Rodrigues da Cunha que alguém pudesse morrer assim, de repente, de algo tão raro. Mesmo viajando sempre para áreas de risco, nunca tomou vacina contra a febre amarela”. Assim Willian Vieira, repórter da Folha de S. Paulo, inicia seu texto que traça o perfil de uma das oito vítimas fatais, até o presente momento, de uma doença tropical que há muito já deveria ter sido controlada.
Casado e com duas filhas, Almir passou os feriados do final do ano de 2007 com a família no interior de Goiás. Retornou a Maringá, cidade paranaense onde trabalhava como empresário, no dia 1º; cinco dias depois, estava internado em uma UTI, sofrendo do que os médicos acreditavam tratar-se de uma virose. No entanto, na segunda-feira, dia 7, aqueles que testemunharam sua agonia viram-no lutando contra uma paralisia que o impedia até de segurar um simples copo. Na madrugada do dia 8 para o dia 9, Almir morreu por falência múltipla dos órgãos, aos 47 anos de idade.
Por intermédio de um texto, Almir Rodrigues da Cunha deixou de ser uma estatística de saúde para se tornar uma pessoa.
No dia 30 de novembro de 2007 a artista suíça Mona Caron, atualmente residente em São Francisco, EUA, participou da Bicicletada, movimento que reúne mensalmente usuários de veículos não-motorizados, que se encontram com o objetivo de reivindicar seu espaço nas ruas e o direito de andar com tranquilidade pelas cidades onde moram. Na ocasião, Mona desenhou um painel na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, ilustrado por uma bicicleta alada.
Esse grafite, como mostra a foto abaixo, que encontrei no excelente blog Apocalipse Motorizado, não existe mais. No lugar da arte urbana, restou um muro cinza e estéril.
O registro fotográfico de dezenas de grafites injustificadamente apagados por uma administração municipal incapaz de distinguir publicidades irregulares de artes urbanas está disponível no Flickr de Mundan8. Curiosamente, um muro pichado ainda permanece intocado pelas tintas cinzas da prefeitura. Por que será?
Em tempo: a próxima Bicicletada em São Paulo ocorrerá no aniversário da cidade, no dia 25 de janeiro. Visite o site do movimento para informar-se melhor sobre o evento e sobre como fazer para lutar em prol da qualidade de vida nesta barafunda urbana.
Em dezembro de 2007, o programa internacional de avaliação de alunos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) avaliou alunos de 57 nações. Os brasileiros obtiveram a 48ª posição em leitura, a 52ª em ciências e a 53ª posição em matemática.
Matéria de hoje de Eduardo Scolese para a Folha de S. Paulo também revela: um em cada cinco jovens brasileiros entre 18 e 29 anos que vivem na zona urbana abandonou a escola antes de completar o ensino fundamental, segundo trabalho feito pela Secretaria Geral da Presidência da República com base em pesquisa de 2006 do IBGE.
E no entanto, há quem aja como se as responsabilidades pelas chagas deste país pudessem ser atribuídas a grafites e videogames.
Em tempos idos, escreveu Olavo Bilac (1865-1918): “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este!”. Hoje, sou obrigado a botar mais fé nos versos que Antonio Carlos Ferreira de Brito, o Cacaso (1944-1987), escreveu nos anos 70: “Ficou moderno o Brasil/ Ficou moderno o milagre/ A água já não vira vinho/ Vira direto vinagre”.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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