Festas juninas nos tempos atuais

Por Alexandre Inagakisegunda-feira, 14 de junho de 2004

Há muito tempo não vou a uma festa junina. Para ser mais exato, desde meus tempos de primário, cursados no finado Colégio Raio de Sol, que ficava localizado na rua de singelo nome Monte Alegre (anos depois soube que a escola foi rebatizada como Logus, Exatus ou algo do tipo, antes de fechar as portas e mandar mais um pedaço de minha infância para o beleléu).

Poderia até dizer que uma das minhas frustrações infantis foi o fato de nunca ter recebido uma mensagem de correio elegante, mas estaria mentindo; aos dez anos de idade, ainda não me encasquetava com essas coisas. Minha lembrança mais nítida acerca de festas juninas, na verdade, é de uma pelada que joguei pouco antes da quadrilha. Eu e meus colegas da quarta série disputamos uma peleja e tanto, correndo atrás da bola sem ligar para os chapéus de palha enfiados em nossas cabeças, enquanto o suor desmanchava os bigodes que nossas mães haviam pintado com seus lápis de olho. Infelizmente aquela partida terminou sem vencedores; culpa da Tia Neide, diretora do colégio que, insensível aos nossos apelos, decretou o encerramento daquele jogo a fim de dar início à quadrilha da festa junina daquele inverno de 1983.

Percebo que minhas reminiscências começam a juntar pó ao constatar que, quando dançávamos a quadrilha e o locutor bradava “olha a cobra”, todos pulavam sem quaisquer insinuações maliciosas. Remonta dessa época também a única ocasião em que ganhei algum prêmio em sorteio: um tabuleiro de damas no bingo da quermesse (teimosamente, ainda insisto em jogar na Mega Sena). Mas não tenho do que me queixar, uma vez que eu era bamba em acertar argolas nas garrafas de refrigerante ou pescar peixes de papel nas barracas da festa, ganhando prendas suficientes para distribuir aos meus amigos. Uma pena, apenas, não ter tido a possibilidade de pular fogueira, jamais acesa no pátio do colégio por motivos bóbvios. Em compensação, me refestelava pra valer nas barraquinhas de canjica, pé-de-moleque, bolo de fubá, amendoim torrado, cocada, pinhão, tapioca, broa de milho…

Pois bem: hoje, ao conversar com uma colega de trabalho, fiquei estupefato ao descobrir que na festa junina da escola de sua filha não haverá quadrilha este ano. Em vez disso, a criançada dançará ao som de música country. Sinal dos tempos? Provavelmente. Em tempos nos quais as duplas sertanejas deixaram de cantar modinhas de viola e passaram a gravar baladas com títulos como “Disk Paixão” (Gian & Giovani), “Deixei de Ser Cowboy por Ela” (Chitãozinho & Xororó) ou “Tchaca, Tchaca na Butchaca” (Cesar & Paulinho), talvez não faça mesmo sentido celebrar festas criadas originalmente com o intuito de resgatar algumas tradições do modo de vida caipira na cidade grande. Mas não posso deixar de lamentar por essa molecada, que possivelmente crescerá desconhecendo uma das tradições mais bonitas do Brasil.

* * * * *

As músicas que marcaram as festas juninas da minha infância até hoje me encantam pela beleza de suas melodias. Pudera: boa parte delas foi composta por alguns dos maiores compositores de toda a história da MPB, em especial na década de 30, quando a incipiente indústria fonográfica brasileira começou a explorar o período das festas juninas da mesma maneira que aproveitava o Carnaval para lançar novos sambas e marchinhas.

Provêm dessa década clássicos como “Chegou a Hora da Fogueira” de Lamartine Babo (“Chegou a hora da fogueira/ É noite de São João/ O céu fica todo iluminado/ Fica todo estrelado/ Pintadinho de balão”), “Sonho de Papel” de Carlos Braga & Alberto Ribeiro (“O balão vai subindo/ Vem caindo a garoa/ O céu é tão lindo/ E a noite é tão boa/ São João, São João/ Acende a fogueira do meu coração”), “Pedro, Antônio e João” de Benedito Lacerda & Oswaldo Santiago (“Com a filha de João/ Antônio ia se casar/ Mas Pedro fugiu com a noiva/ Na hora de ir pro altar”) e “Cai, Cai, Balão” de Assis Valente (“Cai, cai, balão/ Você não deve subir/ Quem sobe muito/ Cai depressa sem sentir/ A ventania”), que fizeram sucesso na voz de intérpretes como Carmen Miranda, Francisco Alves, Mário Reis e Dalva de Oliveira.

A era de ouro das músicas juninas durou até meados dos anos 50, quando a crescente execução das músicas internacionais relegou a produção desse gênero musical a segundo plano. Processo que foi piorando até chegar ao ponto das danças de quadrilhas serem trocadas por música country, conforme visto três parágrafos acima. Coisas da globalização…

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • Jadh Gama

    Muito bom o texto. E olha o que você tá falando é verdade, eu sou a prova viva disso, esse ano ,por exemplo, eu vou dançar Can-Can (França) e Marzurka (Polônia)

  • luci

    Meu caro, nem o carnaval é o mesmo, os caipiras não são os mesmos…
    As festas juninas tem de evoluir junto com a sociedade, para que percebamos que nossos caipiras não são mais tão caipiras e que é grosseiro pensar neles assim, todas estas musicas são velhas… Hoje nossos caipiras ouvem outras musicas, é lady Gaga, Fergie, … E estas atividades ja não são tão atrativas assim!
    Não podemos mais fazer um espetaculo de grossandades,devemos pensar numa boa imagem, em algo culto, cultural…
    E não devemos chorar por isso…

  • nagila gonçalves

    eu adore esta pagina.ela e muito legalllllllllllllllllll.

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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