A Explosão da Canção: o Song Pop e o vício
Por Clarissa Passos ≈ quarta-feira, 13 de junho de 2012
Oi, meu nome é Clarissa e eu *estava* sem jogar Song Pop há 48 horas.
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Todos os clichês da adicção cabem aqui.
Eu tinha muitos pudores dos meus erros nos primeiros dias de jogo. Achava que as pessoas tinham o direito de nunca mais me telefonar depois que eu ouvia Enya e clicava em Radiohead (não me perguntem, é muita pressão).
Fui viciada por um amigo, que mencionou o jogo em um sumário SMS. Era tudo tão inocente que jamais pensei que ficaria assim. Eu só queria experimentar.
Uma noite depois eu estava chamando pessoas que não conhecia, encontradas aleatoriamente pelo sistema do Facebook, para jogar (o que equivale a pedir dinheiro para transeuntes na rua a fim de comprar uma pedra ou uma trouxinha só).
Meu amigo, que tinha entrado primeiro, conseguiu sair. Disse ter tomado a decisão ao perceber que não fazia mais nada no tempo livre dele a não ser jogar.
A frase calou fundo em mim. Decidi fazer o mesmo. E naquela noite passei todo meu tempo livre ocupada em não-jogar, o que no fundo eu acho que foi quase a mesma coisa. Mas sem o doce som das moedinhas caindo.
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Sugeri ao Ina fazermos umas listas legais e vendermos para os desenvolvedores. Ele não botou muita fé, acha que a febre vai passar logo.
Quando eu comecei a jogar, o aplicativo no Facebook tinha 1,1 mil “likes”. Dez dias depois, estava em 27 mil.
Bom, pelo menos ele me convidou para escrever aqui.
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Já defini várias metas no Song Pop e cumpri a maioria delas.
Como principiante, eu queria adivinhar todas as músicas em menos de 1,5 segundo cada.
Quando consegui, aumentei a dose para três carreir… quero dizer, diminuí o tempo para 1 segundo ou menos.
Quando fiz mais de 22 mil pontos em uma rodada, meu objetivo passou a ser bater meu próprio recorde.
Agora tudo que eu queria era comprar a lista “MPB” para ver se os gringos fizeram uma seleção melhor do que a que eu e Ina faríamos.
Primeira rodada, última canção, ouço a voz de João Gilberto se perguntando: “ah, por que tudo é tão triste?”. Procuro desesperadamente pela palavra “Garota” entre as opções — técnicas de leitura dinâmica, tenho menos de um segundo para ler, escolher e clicar, sabe como é. Mas a resposta correta era… “The Girl From Ipanema”.
O que posso dizer?
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Um amigo meu que também está jogando me chamou no bate-papo do Facebook: “só quero dizer que encontrei a fórmula para acertar tudo em menos de 0,5 segundo”.
(O desafio, como vocês podem ver, vai crescendo).
Na sequência, ele me explicou como era possível decifrar um algoritmo que definia a localização da resposta correta e, sacado aquele algoritmo, era só deixar o cursor em cima do quadrante certo e correr pro recorde.
Ele disse que isso era bom porque, assim, acabava a graça desse jogo. E eu concordei: “alguém precisa acabar com a graça desse jogo”.
Minutos depois, respondi a jogada dele. Ele tinha feito 980 pontos.
* * *
Eu tinha muitos pudores dos meus erros nos primeiros dias de jogo. Achava que as pessoas tinham o direito de nunca mais me telefonar depois que eu ouvia Enya e clicava em Radiohead (não me perguntem, é muita pressão).
Mas logo percebi que toda a galera da cracolân…, quero dizer, do Song Pop, comete os mesmos erros: minha timeline ficou cheia de gente se desculpando por pensar em Madonna e clicar em Nirvana. E tem quase sempre as mesmas táticas: o cursor esperando em um ponto equidistante entre as quatro opções; a identificação com uma lista em que se é tecnicamente imbatível (o revés é destravar mais músicas bem quando você já é capaz de acertar qualquer uma daquela lista, até mesmo quando o trecho começa no contratempo da banda ou no suspiro do cantor); as técnicas do jogo vencido “na aba”, quando você já acertou, por sorte, uma que o oponente — um gênio do estilo — errou, e daí para frente basta clicar na música que ele escolher, com o mínimo de diferença de tempo possível.
Ah, isto vocês não faziam? Hum.
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Também sugeri ao Ina uma lista menos ortodoxa, do tipo “Mortos/Desaparecidos Tragicamente”. Ela seria mais ou menos assim:
- Marvin Gaye - What’s Going On. Porque é muito trágico ser morto pelo seu próprio pai.
- Otis Redding - Fa Fa Fa Fa Fa (Sad Song). Só para a gente não colocar aquela outra, famosa, que ele gravou três dias antes de morrer em um acidente de avião.
- Nick Drake - Fly. Morreu de overdose de antidepressivos. Quer dizer, não era nem pelo barato, sabe? Muito triste.
- Jeff Buckley - Last Goodbye. Poderia ter se matado ou morrido de overdose. Mas simplesmente se afogou.
- Manic Street Preachers (Richey Edwards) - Faster. O cara simplesmente sumiu em 1995. Foi declarado morto em 2008. Mas corpo mesmo ninguém nunca viu.
- Buddy Holly - Maybe Baby. Ele se foi no acidente de avião que passou à história como “o dia em que a música morreu”.
- Robert Johnson - Travelling Riverside Blues. O bluesman com fama de afilhado do Tinhoso tem várias causas mortis diferentes: tiro, facada, envenenamento.
- Nirvana (Kurt Cobain) - Sliver. Nunca um verso foi tão mal depois quanto “No I don’t have a gun”.
- John Lennon - Instant Karma*. Um fã enlouquecido pediu um autógrafo, deu uma volta no quarteirão e atirou no ex-beatle. E o sonho acabou de vez.
- Rolling Stones (Brian Jones) - Sympathy for the Devil. O baixista que fundou a banda foi encontrado morto na piscina de casa um mês depois de ser expulso dos Stones.
- Led Zeppelin (John Bonham) - Good Times Bad Times. O cara bebeu até morrer. A banda acabou depois disso.
- Elliott Smith - Needle in the Hay. Depois de uma discussão com a namorada, ele escreveu “Desculpe” em um post-it e foi encontrado com duas facadas no próprio peito. Oficialmente, não foi declarado suicida. Mas tampouco houve investigação.
- INXS (Michael Hutchence) - Not Enough Time. Suicídio em quarto de hotel.
- Elvis Presley - Pocketful of Rainbow. Se morrer com as calças arriadas não é trágico, então não sei mais o que é.
- Mamonas Assassinas - 1406. Comoção geral com o acidente de avião que levou os garotos. E com as fotos que circularam sei lá como na era pré-redes sociais.
- (Claudinho) e Buchecha - Nosso Sonho. Um acidente de carro deixou o Buchecha sem Claudinho. :(
- (Chico Science) e Nação Zumbi- Rios, Pontes e Overdrives. Acidente de carro levou uma das únicas coisas realmente novas da MPB.
- Noel Rosa - Conversa de Botequim. Tuberculose aos 26. Pqp.
- Francisco Alves - Você Só… Mente. Um acidente de automóvel na Dutra carbonizou o cantor e deixou o Brasil em choque. Pergunta para sua avó.
- Torquato Neto (na voz de Gal Costa) - Mamãe, Coragem. Jornalista e letrista, abriu o gás no banheiro de casa. Deixou uma nota suicida mencionando o filho: “Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar”.
Apesar do baixo astral das mortes trágicas ou misteriosas, o legado deles pode ser ouvido aqui, menos Instant Karma, que por razões de bad karma não está liberada no Grooveshark. Mas sempre tem um jeito.
Pode clicar sem medo, as canções são bem menos tristes que as histórias. E aproveite: pode ser a primeira vez em dias que você vai escutar mais que um segundo de uma música. O quê? Você não acerta nada em menos de 3? Tsc, tsc. Amador.
Clarissa Passos
Clarissa Passos já foi blogueira, já foi normalista e também já foi melhor. Hoje ganha uns cobres como jornalista e coleciona grandes pensamentos retirados de perfis de blogs. Seu favorito, tanto pela originalidade como pelos infinitos desdobramentos críticos dialéticos possíveis, é "Amo: brigadeiro. Odeio: falsidade". Mais Clarissa aqui: http://www.satisfeitayolanda.tumblr.com
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